A disputa pelo imposto sindical, que passou a ser facultativo desde que a reforma trabalhista entrou em vigor, em novembro, praticamente triplicou o número de ações que questionam esse ponto da legislação na Justiça do Trabalho. De acordo com dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), entre dezembro de 2017 e maio deste ano, 15.551 ações relacionadas à regra chegaram aos tribunais. O volume é 161% maior do que o registrado um ano antes – entre dezembro de 2016 e maio de 2017 – quando foram protocolados 5.941 processos ligados a questões relacionadas às taxas sindicais.

O TST não especifica quem são os autores das ações. O levantamento inclui questionamentos de sindicatos sobre o fim da obrigatoriedade da contribuição, queixas de empresas e trabalhadores em relação à cobrança e até disputas sobre a divisão dos recursos entre federações – algumas das ações mais comuns, segundo advogados e juízes. No entanto, na percepção desses especialistas, houve influência da disputa pela contribuição nos dados. Só em março, mês em que a cobrança do imposto era feita antes da mudança da lei, foram registradas no total mais de seis mil ações. Esse debate jurídico pode ter fim nesta quinta-feira, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará as 19 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que questionam a nova regra.

A decisão terá efeito vinculativo. Ou seja, juízes de instâncias inferiores deverão acompanhar o posicionamento da Corte. O relator do caso é o ministro Edson Fachin, que já informou que poderá se posicionar por meio de liminar, caso o plenário não possa analisar a matéria.

INTERPRETAÇÃO DE CADA JUIZ

Há dois pontos principais em discussão. O argumento mais usado por quem questiona a reforma é o de que a contribuição sindical é um tributo e, por isso, suas regras deveriam ser modificadas por lei complementar, aprovada por maioria absoluta do Congresso, enquanto a reforma trabalhista é uma lei ordinária, que exige maioria simples. Além disso, há crítica sobre o fato de a taxa ser facultativa, enquanto a Constituição prevê que todos os sindicatos devem servir a todos os trabalhadores da categoria, não se restringindo aos que contribuem.

Diante desse dilema, o Supremo pediu ao TST um posicionamento sobre o assunto, que deve ser usado para debater as ADIs. Em documento de 50 páginas, o Tribunal afirma que já recebeu 60 pedidos de correição (espécie de recurso). Em 33 deles, o TST concedeu liminar. Mas destacou que “não há precedente sobre a constitucionalidade das normas em debate”.

Enquanto as instâncias superiores não chegam a um entendimento, processos têm sido decididos segundo a interpretação de cada juiz. No início do mês, por exemplo, o sindicato dos comerciários de Feira de Santana (BA) conseguiu liminar permitindo o repasse. Em dezembro passado, uma juíza de Lages (SC) concedeu o mesmo direito ao sindicato dos auxiliares em administração escolar da cidade.

No Rio, segundo levantamento do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1), 1.036 ações foram ajuizadas entre novembro e março com o tema contribuição sindical. Tanto o balanço do TRT como o do TST não especifica quais são os autores das ações. Ou seja, o número contém questionamentos por parte de sindicatos, trabalhadores ou empresas.

– No momento em que a contribuição sindical passa a ser facultativa, na minha observação, conflita com toda essa estrutura de funcionamento do sindicato (prevista na Constituição) – avalia a juíza do trabalho Claudia Pisco, diretora da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 1ª Região (Amatra 1), do Rio.

A magistrada, que atua na 45ª Vara do Trabalho da cidade, diz que já recebeu ações questionando a cobrança, mas aguarda a decisão do STF para dar andamento aos processos.

Um dos autores da reforma trabalhista, o juiz Marlos Melek, da 1ª Vara de Trabalho em Araucária e Campo Largo, na região de Curitiba, tem opinião diferente. Para ele, não faz sentido exigir que a mudança de regra seja por lei complementar.

– A contribuição sindical obrigatória foi criada por lei ordinária federal. Qualquer estudante de Direito sabe que, para alterar lei ordinária, basta ter outra lei ordinária – afirma Melek, que já recebeu três ações pedindo a volta do imposto e negou.

De acordo com Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, doutor em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o tema é complexo e será amplamente discutido antes da decisão no Supremo. Segundo Guimarães, que considera constitucional o fim do imposto, a reforma deu maior poder ao trabalhador, que pode decidir se contribui ou não com a entidade representativa.

– Nenhum trabalhador pode ser obrigado a dar um dia inteiro de trabalho para o sindicato. Isso deve ser facultativo, conforme determinou a reforma trabalhista. O trabalhador que se considerar de fato representado pode, de forma espontânea, fazer a contribuição – destaca.

Antônio Carlos Aguiar, professor da Fundação Santo André e diretor do Instituto Mundo do Trabalho, também não vê problemas no fim da obrigatoriedade da contribuição:

– Se o STF decidir pela inconstitucionalidade, deveria determinar que sindicatos fossem fiscalizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Se o sindicato considera o imposto um tributo, logo, exerce função estatal, e deve haver prestação de contas. Afinal, ninguém sabe para onde vai esse dinheiro.

O advogado trabalhista José Eymard Loguércio pondera que seria necessária uma alternativa de financiamento:

– A contribuição não é popular, ninguém gosta de pagar, mas tem um sentido. A desvinculação da compulsoriedade leva, num momento imediato, a uma desestruturação do sistema sindical.

 

Com informação do Jornal O Globo