Segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), cresceu em 47% o número de cirurgias bariátricas realizadas no Brasil em 2017. O número representa 105,6 mil cirurgias feitas no ano passado, contra 72 mil procedimentos feitos em 2012. O aumento foi principalmente no setor privado, mas no SUS, que faz 9,8% do total de operações, também houve crescimento: 16,8% em relação ao último ano e 224% em relação a 2008, segundo o Ministério da Saúde.
No Brasil, quase uma em cada cinco pessoas adultas é obesa (18,9%). O índice é 60% maior do que o início da série histórica, em 2006, mas, depois de sucessivos crescimentos, parece ter estagnado nos últimos três anos, de acordo com a pesquisa Vigitel, feita por telefone, do Ministério da Saúde. Já o sobrepeso atinge 53,8% da população que vive nas capitais. Doze anos atrás, esse índice era de 42,6% — homens são os mais atingidos.
É considerado obeso quem tem o IMC — índice de massa corpórea, calculado com o peso e altura da pessoa— maior que 40. A cirurgia bariátrica pode ser indicada em casos com IMC a partir de 30 (sobrepeso), a depender da gravidade das doenças relacionadas. Pelas estimativas da SBCBM, 5 milhões de brasileiros atenderiam aos requisitos para passar por algum tipo de cirurgia bariátrica, que alteram o caminho natural do alimento no trato gastrointestinal, permitindo que o corpo absorva menos energia dos alimentos, além de promover alterações hormonais que favorecem a correção do diabetes e da obesidade.
Em uma conta simples, sem levar em conta mortes e novas indicações e considerando a estimativa de serem cerca de mil os cirurgiões habilitados a fazerem as bariátricas, levaria mais de 13 anos para essa fila ser zerada — isso considerando que eles fizessem uma operação por dia.
Tendo em vista todo esse cenário, segundo o presidente da SBCBM, o cirurgião Caetano Marchesini, o crescimento poderia ter sido ainda maior se não fosse pela crise econômica. Outro fator que, segundo o médico, impediu um crescimento mais expressivo, é a demora de atualização das normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula os planos de saúde.
A autarquia, afirma Marchesini, ainda não considera em suas diretrizes as indicações da cirurgia bariátrica para quem tem cerca de 20 doenças associadas à obesidade (problemas de coluna, apneia, colesterol alto, entre outros) e para quem tem diabetes grave mas não é obeso. Apesar da estagnação do crescimento da população com sobrepeso e obesidade nos últimos três anos, a taxa ainda é alta e preocupa especialistas e o governo. “Nós nunca vamos dar conta de operar todos que precisam”, diz Ricardo Cohen, cirurgião do Hospital Oswaldo Cruz, de São Paulo.
Apesar disso, diz, há muitos profissionais subutilizados e seria possível oferecer o tratamento para mais pessoas. Há, no entanto, um problema no cálculo da SBCBM de pessoas que precisariam da cirurgia bariátrica, segundo o professor de endocrinologia da Unicamp Bruno Geloneze. “Para indicar a cirurgia é necessário, além de estar em uma faixa de peso ou de ter determinadas doenças, haver uma falência do tratamento clínico por dois anos. Talvez menos de 1% desses 5 milhões seja de fato apto. O grande problema é que a cirurgia cresceu no índice de massa corporal mais baixa, faixa na qual o tratamento clínico tem mais chance de funcionar.”
Outra questão, diz Geloneze, é que apesar de concentrar a maior parcela dos casos mais graves de obesidade, a população mais pobre ainda tem menos acesso à cirurgia. Em nota, o Ministério afirma que o crescimento significa que a rede está sendo ampliada e dando mais acesso aos cidadãos que precisam. Além das complicações e riscos inerentes a qualquer procedimento cirúrgico (1 a cada 1.000 pessoas morrem entre a cirurgia e 90 dias depois, chance semelhante de quem tira uma pedra da vesícula), há o risco de o paciente ter de ser reoperado — nos EUA, país com quase 40% da população obesa, 14% das bariátricas são de “revisão”.
Para Cohen, está aí a importância de haver uma boa indicação. “O medo e a falta de conhecimento muitas vezes impedem que quem realmente precisa tenha acesso. A cirurgia traz inúmeros benefícios, e o preço é o da eterna vigília de uma doença crônica.” “Outra coisa é que o conselho ‘coma menos e faça mais exercícios’ funciona para evitar a obesidade, mas não para tratar: é como você dizer para alguém que tem câncer de pulmão parar de fumar. A doença não vai a lugar nenhum.”
Para Geloneze, há um problema justamente na etapa clínica do tratamento. “De maneira paradoxal, o SUS oferece a cirurgia, mas não os tratamentos não cirúrgicos estruturados, como atendimentos médico, nutricional, psicológico, além de grupos de ajuda e medicações modernas.”
Entre as drogas mais modernas estão a liraglutida, que ajuda no controle do diabetes e ainda promove emagrecimento, e a lisdexanfetamina, que pode ajudar a controlar transtornos alimentares, apesar de não ter sido lançada com esse propósito. No futuro próximo, diz Geloneze, serão lançadas drogas que emulam as alterações provocadas pela bariátrica. “Podem não ter o mesmo impacto, mas podem funcionar muito bem na maioria dos casos. A cirurgia pode ficar confinada aos IMCs mais altos.” O Ministério da Saúde afirma em nota que os procedimentos cirúrgicos são os últimos recursos, permitidos apenas para pacientes que passaram por avaliação clínica e acompanhamento com equipe multidisciplinar por pelo menos dois anos e se enquadram nos critérios estabelecidos pela portaria.
Com informações do Jornal Folha de São Paulo