42.355 mulheres estão ocupando celas do sistema penitenciário brasileiro, segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias reunidos até junho de 2016. O número é 656% a mais em relação ao total registrado no início dos anos 2000, de aproximadamente 6 mil. Quarto país que mais prende no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia, o Brasil tem penitenciárias superlotadas, onde 45% da população carcerária sequer foi julgada. A falta de políticas públicas ameaça o sistema em que as mulheres continuam longe de casa sem prover o sustento e a educação dos filhos. Entre os crimes cometidos, o mais comum ainda é de um mercado ilegal paralelo: o tráfico de drogas.
Ainda conforme os dados, em relação à taxa de aprisionamento de mulheres por 100 mil habitantes, o país deixa de ser o quarto e passa para o terceiro lugar — atrás apenas dos Estados Unidos e da Tailândia, com 40,6. O índice de ocupação, por sua vez, reflete um sistema sem estrutura para manter prisioneiras, com 156,7%. Do total de mulheres presas, ao menos 45% delas aguardam para serem julgadas — um descontrole estrutural por parte do Estado e do Judiciário. Nas carcerárias masculinas, até o mesmo período, havia 726.712 presos — com 97,4% de superlotação, quase dois presos por vaga.
O levantamento mostra que há crescimento constante na tipificação de crimes, sobretudo tráfico de drogas, que corresponde a 62% das incidências penais. Ou seja, três em cada cinco mulheres que se encontram no sistema prisional respondem por ligação ao tráfico. Entre as tipificações relacionadas, a associação para o tráfico corresponde a 16%, e o tráfico internacional de drogas responde por 2%.
Débora Diniz, socióloga e professora da Universidade de Brasília (UnB), explica que, com os dados, não é possível saber se há mais criminalidade, se o país só está prendendo mais mulheres ou se elas estão entrando mais para o crime. “O fato pode ser associado à falta de políticas sociais, porque o tráfico de drogas funciona como a base de uma renda familiar e não de criminalidade em si. Não dá para excluir também a crise financeira e o alto número de desemprego, mas o tráfico se tornou um mercado paralelo de sobrevivência”, complementa.
Para Mara Fregapani, coordenadora geral de Promoção de Cidadania da Diretoria de Políticas Penitenciárias, a quantidade de tempo de pena — de no máximo oito anos — reflete a participação ínfima dessas mulheres no tráfico. “Elas devem ser pequenas traficantes de subsistência — ou apenas mulas de chefes do tráfico”, afirma. Mara ressalta ainda o problema de o sistema manter tantas mulheres presas há anos sem condenação. Para a especialista, atrasa, inclusive, a ressocialização.
“Metade delas tem até 29 anos. Qual futuro pode ser esperado para elas?”, questiona. Estima-se que, no país, as chances de mulheres jovens serem presas é 2,8 vezes maior do que a de mulheres de 30 anos ou mais. “O governo não consegue saber quanto tempo terá para preparar a mulher que é presa provisória para a reinserção na sociedade. Quanto mais pessoas entrando nos presídios e menos delas saindo, há dificuldade em oferecer um serviço de qualidade com celas capacitadas, servidores, alimentação e recursos. O serviço fica precarizado”, lamenta.
Do total da população prisional feminina, ao menos 62% delas são de mulheres negras. Proporcionalmente, há 25.581 mulheres negras presas para 15.051 mulheres brancas. Entre o total de detentas, 62% são solteiras e precisam sustentar, sozinhas, a própria casa. Além das demandas financeiras, têm a responsabilidade de criar os filhos. Ao menos 74% da população carcerária feminina é mãe. Em relação aos homens, apenas 47% alegam serem pais.
Maternidade no cárcere
“Estou trabalhando na unidade. Tenho bom comportamento, respeito os servidores mesmo tendo minha filha na guarda do presídio. Estou no presídio feminino Consuelo Nasser e gostaria de pedir por uma redução da minha sentença, pois gostaria da oportunidade de voltar para a sociedade e poder cuidar dos meus filhos. Por favor, me ajuda. Me dê a oportunidade, pois todo mundo merece uma segunda chance. Desculpe pelos erros por não saber falar, mas foi de coração. Me perdoa, se possível”.
O relato é de uma detenta da unidade Consuelo Nasser, em Aparecida de Goiânia (GO). Ela é apenas mais uma entre as 31.340 mulheres presas que têm filho. Nos presídios, elas só podem estar com os filhos até que completem dois anos. Depois disso, a educação passa a ser terceirizada para familiares, vizinhos ou conhecidos. “Toda a estrutura familiar depende dessas mulheres — cuidar da casa, dos filhos, dos mais velhos. Cria-se mais um problema, que é as crianças nas ruas”, lamenta a socióloga Débora Diniz.
A carta da prisioneira foi lida por integrantes do projeto Cartas do Cárcere, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, que analisou quase 9 mil correspondências de detentos de todo o país. Thula Pires, coordenadora geral da ação e professora do Departamento de Direito, da PUC-RJ, explica que os relatos revelaram diagnósticos políticos que devem contribuir para a análise do que representa o sistema de segurança pública do país. A maioria do conteúdo das correspondências, segundo a advogada, está relacionada ao não cumprimento de direitos dos presidiários e pedidos como o acima mencionado, de uma segunda chance.
A maternidade no ambiente carcerário é um dos eixos que compõem a análise sobre a relação entre a infraestrutura prisional e a capacidade de assegurar direitos básicos às mulheres presas. De acordo com o levantamento, apenas 55 unidades em todo o país declararam apresentar cela ou dormitório para gestantes. Em relação a espaços adequados para que a detenta permaneça em contato com o filho, inclusive ao longo do período de amamentação, apenas 14% contam com berçário e/ou centro de referência materno-infantil, podendo receber até 467 bebês. Em todo o país, só 3% dos presídios declararam contar com espaço de creche, somando uma capacidade total para receber até 72 crianças acima de 2 anos.
Em fevereiro deste ano, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, por quatro votos a um, o habeas corpus coletivo que transforma em prisão provisória a prisão domiciliar para mulheres grávidas, que tenham dado à luz recentemente, ou que sejam mães sob responsabilidade de crianças de até 12 anos de idade. O texto reúne também adolescentes que cumprem medida socioeducativa e a mães que sejam responsáveis pela guarda de filhos com deficiência, por tempo indeterminado. No entanto, não terão o benefício aquelas que tenham cometidos crimes com violência ou grave ameaça contra a família.
Com informações do Jornal Correio Braziliense