Se eleito, Ciro Gomes deve implementar um grande pacote tributário como base para um ajuste fiscal, segundo o economista Mauro Benevides Filho. Ex-secretário da Fazenda do Ceará por 12 anos, ele é responsável pelo programa econômico do pré-candidato do PDT à Presidência. Amplo, o pacote contempla fim da “pejotização”, criação de um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), tributação de distribuição de lucros e dividendos e aumento da tributação sobre heranças, entre outros pontos.

A proposta ainda estabelece corte de 15% nas desonerações tributárias, mas sem mexer na Zona Franca de Manaus. Haveria ainda imposto sobre grandes movimentações com cobrança atrelada à evolução da relação dívida/PIB, diz o economista, que hoje é filiado ao PDT e foi candidato a senador pelo Pros em 2014.

Filho do ex-senador Mauro Benevides, o economista é formado pela UnB, com doutorado pela Universidade Vanderbilt (EUA). O programa de Ciro, explica ele, inclui ainda a criação de um limite de endividamento da União, da mesma forma que há para Estados e municípios. Segundo Benevides, não se trata de limite para amortização ou pagamento de juros.

Na Previdência, a proposta é separar da conta previdenciária os benefícios de quem não contribuiu. A ideia é estabelecer um regime de repartição aplicado até a faixa de 3,5 salários mínimos. Acima disso, funcionaria a capitalização individual. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Há uma crise com caminhoneiros centrada na questão do preço do diesel. Qual é a sua avaliação sobre a política de preços da Petrobras, de correção diária conforme a cotação internacional?

Mauro Benevides Filho: Qualquer empresa no mundo fixa preço por custo de produção. Nós estamos saindo de um regime em que o preço da Petrobras era fixo e agora vamos para outro extremo, que é o de acompanhamento diário do preço da commodity. E aí faz 100% dessa variação no preço diariamente. Há dois erros. O primeiro está na composição de custos de uma empresa. Da Petrobras, tem salário, custeio e tributos em reais, e tem a parte que ela compra [do exterior]. Então o que a Petrobras deve ajustar em seu preço é somente naquele percentual de custo que o dólar, a variação da commodity, significa para seu custo. Eu não posso, se o preço [internacional] variou 10%, repassar 10% do jeito que está lá. O custo não subiu 10%. O correto seria repassar na fração do custo. Segundo, como é que um caminhoneiro sai do Rio Grande do Sul e vai passar 15 dias para ir para Fortaleza achando que vai gastar R$ 1 mil de combustível, mas depois de três dias o preço subiu? Foi para R$ 1.040. Aí no décimo dia subiu novamente, R$ 1.090. Onde é que existe isso?

Valor: A ideia seria propor uma política de preços diferente?

Benevides: Vamos fazer uma política de preços que empresa no mundo inteiro faz: reajusta o preço na conformidade do seu custo. É simples assim.

Valor: Para acabar com a greve, o governo promete subvenção e diz que o resultado primário e o teto de gastos estariam garantidos neste ano. Não se sabe para 2019. O que um governo Ciro faria?

Benevides: Primeiro, questionar o teto de gasto. Os governantes não conseguem controlar pessoal nem Previdência. Então essa história de que a PEC dos gastos está controlando gastos não procede. Pessoal e Previdência vão aumentando. Como é que fica o teto? Cortam em investimento. O Brasil está no menor nível de investimento dos últimos 35 anos. Aí dizem: “olha, o Ciro quer afrouxar o teto dos gastos”. Afrouxar? Quando eu tiro investimento eu forço que o controle da despesa seja feito lá em pessoal, em custeio ou Previdência.

Valor: Então a proposta é manter um teto de gastos, mas sem considerar investimento?

Benevides: Sim. Mas não por 20 anos, e aliviando em educação e saúde, que poderão subir mais que a inflação.

Valor: Então fica o que no teto?

Benevides: Pessoal, Previdência, custeio, os maiores gastos.

Valor: Mas esses gastos são obrigatórios. Vai parar de pagar aposentadoria?

Benevides: O plano de governo do Ciro só fica pronto no fim de junho. Todo mundo diz: “o ajuste fiscal é o primeiro alicerce da retomada do crescimento”. O Ciro tem algumas propostas para deixar a carga tributária mais justa.

Valor: Qual é a proposta?

Benevides: Proponho reduzir Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, acabar com a “pejotização”, que a aquisição de máquinas e equipamentos não tenha ICMS…

Valor: Mas ICMS é dos Estados.

Benevides: Sim, [a proposta] vai por emenda constitucional. Ou por projeto de resolução do Senado. Hoje, no Ceará, quando uma indústria compra máquina de São Paulo, paga 7% em São Paulo. Quando chega no Ceará, paga zero. Já tentei aprovar no Confaz, mas São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul não aceitam.

Valor: E a redução do IRPJ?

Benevides: É calibrar o percentual. Estamos discutindo criar IR sobre distribuição de lucros e dividendos, que só o Brasil e a Estônia não têm.

Valor: No total, a receita de IRPJ vai aumentar? Quanto?

Benevides: Esse número não está fechado.

Valor: Mexe no IR Pessoa Física?

Benevides: Não. Agora, não.

Valor: O senhor falou em acabar com “pejotização”. Como será isso?

Benevides: “Pejotização” é assim: você me contrata, pessoa física; mas aí eu crio uma empresa e vou pagar 15% [de IR]. Na física seria 27,5%. É uma mera burla à contratação da pessoa física. Vamos acabar com isso.

Valor: Sim, mas como?

Benevides: Por lei, dizendo “acabou a pejotização”.

Valor: Mas basta escrever?

Benevides: É assim que funciona. Criou, vai ser extinta. A lei criou essa possibilidade, a lei permitiu que contrate como pessoa jurídica. Vamos acabar com isso. Pessoa jurídica é, por definição, pessoa jurídica.

Valor: Vai ter uma mudança no conceito de pessoa jurídica?

Benevides: Vou manter o que era antes. Pessoa jurídica é o que é no mundo inteiro: é você contratar uma empresa com funcionários, que produz bens e presta serviços em grandes quantidades. E não uma pessoa só.

Valor: Sistemas como o Simples e o lucro presumido serão alterados?

Benevides: Por enquanto, não. Veja só: no IR sobre lucros e dividendos, a previsão é de R$ 53 bilhões de receita. Essa tributação é para grandes lucros e dividendos, não é todo mundo que irá pagar. Terá faixa de isenção para excluir médias e pequenas empresas. Por isso que não dá R$ 76 bilhões, só dá de R$ 49 bilhões a R$ 53 bilhões. Bote R$ 50 bilhões.

Valor: E o imposto de heranças?

Benevides: Esse é estadual, com alíquota máxima de 8%. Mas 23 Estados cobram 4%. Pensamos em compartilhar com Estados e municípios. O Estado aumenta a alíquota de 4% para 12%, [a União fica com outros 12%]. Aí teria essa alíquota mínima de 24%, também com faixa de isenção.

Valor: Qual a arrecadação?

Benevides: Da ordem de R$ 38 bilhões. O total. E tem mais uma mudança importante.

Valor: Qual?

Benevides: Reduzir o imposto sobre consumo, que tem PIS/Cofins e tem o ICMS. Vamos criar o IVA, com cobrança no destino. Da carga tributária, que é de R$ 1,9 trilhão, R$ 1,45 trilhão é imposto sobre consumo, o mais regressivo. No imposto sobre propriedade, eu consigo cobrar só sobre o de cima. Portanto, o foco será cobrar no elevador de cima. Isso tem de ficar claro. “Ah, mas ele vai aumentar o imposto.” Não. Vai abaixar uns, vai aumentar outros. E os outros serão para o elevador lá de cima. E tem um terceiro aí, que nós não falamos.

Valor: O que seria?

Benevides: Não vamos falar em CPMF, pelo amor de Deus. CPMF todo mundo pagava, era o imposto do cheque. Nós queremos tributar grandes movimentações financeiras. A ideia é criar um piso, de R$ 3 mil ou R$ 4 mil, que aí você tira 86% da população. A receita cai dos R$ 98 bilhões, considerando [alíquota de] 0,38%, para R$ 55 bilhões ou R$ 58 bilhões.

Valor: É a CPMF só dos ricos.

Benevides: Não. Nós fizemos a pesquisa. Usou a palavra CPMF, o cara lembra que cobravam do cheque. Essa palavra não pode. E mais uma coisa: esse imposto sobre transações é vinculado ao pagamento da dívida. Porque a gente precisa reduzir a relação dívida/PIB. Ele [o imposto] vai existir até chegar a um patamar [da dívida]. Uns 48%, 49%, a gente está analisando. Na emenda constitucional terá esse detalhe: “alcançado o percentual, [o fim da cobrança] é automático”.

Valor: E a promessa de redução de PIS e Cofins? Como será?

Benevides: O Brasil desonera hoje R$ 390 bilhões. A ideia é fazer uma reoneração da ordem de 15%. Diminuir o incentivo. Da ordem de uns R$ 55 bilhões. Aí eu posso reduzir o PIS/Cofins.

Valor: Quem será reonerado?

Benevides: Se tem um segmento que tem o incentivo fiscal de 20%, passa para 17%.

Valor: Zona Franca de Manaus é uma das grandes desonerações.

Benevides: Essa aí é a única que vai estar fora.

Valor: O Simples?

Benevides: Vamos avaliar, porque o Simples está pedindo algumas modificações.

Valor: Lucro presumido?

Benevides: Vamos começar pelos mais fáceis.

Valor: Mas então o que o senhor está pensando em reonerar?

Benevides: No incentivo empresarial. Termos de acordo de PIS/Cofins, regimes especiais, que é a maioria. É possível acabar alguns? É possível.

Valor: Qual é a proposta para a dívida?

Benevides: A proposta é fazer um limite da dívida consolidada líquida em relação à receita corrente líquida. É um indicador para o estoque da dívida, que já existe para os municípios, que é 1,2 vez, e para os Estados, que é de duas vezes. A União não tem limite porque nunca tiveram coragem de fazer. Então está na hora de o governo se ajustar ao PRS [Proposta de Resolução do Senado] 84, que dá 15 anos.

Valor: Qual será o limite da União?

Benevides: Ainda estamos vendo. No PRS a relação é de 3,5.

Valor: Mas é limite para a dívida consolidada. Não há limitação a pagamento de juros ou à amortização.

Benevides: Não. Agora tem uma proposta para o lado empresarial.

Valor: Qual?

Benevides: No lado empresarial o Brasil tem hoje uma anomalia que precisa ser corrigida urgentemente. A rentabilidade de uma empresa é incompatível com os juros que ela paga. Tem uma coisa errada aqui. Numa crise, sofre o comércio, sofre a indústria, mas não sofre o sistema financeiro. O spread aumentou durante a crise.

Valor: E como se resolve isso?

Benevides: Primeiro, o Brasil tem o maior compulsório do mundo. Até abril, o compulsório de depósitos à vista era de 45%. Agora baixou para 25% e ainda é o maior do mundo. Segundo, temos uma concentração bancária. Precisamos agregar novas tecnologias no sistema. Na China, o WhatsApp deles chama-se “we chat”, e nele você transfere dinheiro, você faz operação de crédito, compra em supermercado. Isso faria com que muita gente faça as operações diretamente e ajudaria a taxa de juros a cair.

Valor: Há analistas que dizem que a queda da Selic chegará à ponta no segundo semestre e ajudará na retomada da economia. O senhor acredita nisso?

Benevides: Não. A redução da inflação não é produto somente da redução da taxa de juros. É importante que você vejam que houve agravamento do PIB quando as taxas de juros reais estavam aumentando e não caindo. Agora, a inflação está declinante, o PIB está caindo e o BC resolveu segurar a taxa de juros. E o swap cambial, quem define? A taxa de juros tem um comitê. Para o swap cambial são decisões muito isoladas. Isso precisa ser institucionalizado.

Valor: Mas qual deve ser a política cambial do governo de Ciro?

Benevides: Câmbio é preço. E ponto. Não tem intervenção. Essa flutuação no Brasil é por conta de influências fiscais. Se o Brasil tiver situação fiscal consolidada com retomada da capacidade de investimento, vai haver fluxo de capital e valorização do real.

Valor: Mas isso leva tempo, não?

Benevides: Por isso temos que fazer tudo em oito meses. Dá tempo porque vamos discutir na campanha. Passada a campanha, vamos aprovar projeto de lei e de emendas constitucionais para propor ao Congresso.

Valor: E a Previdência?

Benevides: Na reforma da Previdência é preciso separar o que é benefício social da Previdência. São três pilares. Um é o salário mínimo para os benefícios sociais. Segundo pilar, regime de repartição, diminuindo o teto existente hoje, de R$ 5,6 mil, calibrando com o custo de transição para o terceiro pilar. O teto cairia para 3,5 salários mínimos. O terceiro pilar é o regime de capitalização de contas individuais, para valores acima de 3,5 salários mínimos. Vale para regime geral e o regime próprio dos servidores públicos.

Valor: E tem idade mínima para a aposentadoria?

Benevides: No regime de repartição precisaremos parametrizar. Precisamos de duas ou três idades. A idade do carvoeiro no Ceará não pode ser a mesma do cara em São Paulo.

Valor: Vai ser por carreiras? E os policiais militares e professores?

Benevides: Militares já têm uma idade menor. Precisamos ver a idade. Professor hoje tem idade menor quando é de educação básica. Então por enquanto preserva-se esse direito.

Valor: E mulheres e homens?

Benevides: Igualar, não. Mas avaliar uma aproximação, sim.

Valor: E privatização?

Benevides: Privatização é uma ferramenta para dar mais eficiência. Não é que eu vou vender patrimônio para fazer fiscal, vou vender geladeira para comprar meu almoço. Não temos nenhum problema com privatização. Agora, setores estratégicos, como Petrobras e Eletrobras, não faz sentido privatizar. Quando a Petrobras vendeu o maior poço nesse último leilão, de Carcará, vocês sabem quem comprou? Não foi nenhum privado, foi uma estatal norueguesa.

Valor: E a reforma trabalhista? A ideia é revogar simplesmente ou substituir por outra?

Benevides: Vamos substituir por outra. Estamos trabalhando nela. Precisamos de uma legislação flexível, mas que também não prejudique o trabalhador.

 

Com informação do Jornal Valor Econômico