O uso de suplementos de óleo de peixe pode aumentar, ao invés de reduzir, em até 14% o risco de doenças cardíacas e acidentes vasculares cerebrais em pessoas com boa saúde que nunca tiveram infarto, derrame, ou evento semelhante. A mesma substância, no entanto, parece retardar a progressão de problemas cardiovasculares já existentes e diminuir o risco de morte, conforme sugerem os resultados de um estudo de longo prazo, publicado na revista BMJ Medicine.

O óleo de peixe é uma fonte rica em ácidos graxos ômega 3 e, por isso, é frequentemente recomendado como uma medida preventiva contra doenças cardiovasculares. Todavia, as evidências sobre sua eficácia ainda são inconclusivas, explicam os pesquisadores da Universidade Sun Yat-Sen, na China.

“O uso regular de suplementos de óleo de peixe pode ter diferentes papéis na progressão das doenças cardiovasculares. Mais estudos são necessários para determinar os mecanismos exatos para o desenvolvimento e prognóstico de eventos cardiovasculares com o uso regular de suplementos de óleo de peixe”, ressaltaram os autores, em nota

Para avaliar essa teoria, os cientistas buscaram análises com associações entre o uso de suplementos de óleo de peixe e a incidência de fibrilação atrial, ataques cardíacos, derrames, insuficiência cardíaca e morte por qualquer causa em pessoas sem doenças cardiovasculares conhecidas.

In loco

Os pesquisadores avaliaram 415.737 participantes do UK Biobank, com idades entre 40 e 69 anos. Do total dos voluntários, 55% eram mulheres, coletando informações sobre o consumo habitual de peixes oleosos e não oleosos e o uso de suplementos de óleo de peixe. A saúde das pessoas foi monitorada até o fim de março de 2021 ou até o óbito, o que ocorresse primeiro, por meio de dados médicos.

Do total de participantes, 31,5% relataram o uso regular de suplementos de óleo de peixe. Esse grupo incluía uma maior proporção de idosos, pessoas brancas e mulheres, além de maior consumo de álcool e peixe.

Durante um período médio de monitoramento de quase 12 anos, 18.367 pessoas do estudo desenvolveram fibrilação atrial, 22.636 sofreram ataque cardíaco, derrame ou desenvolveram insuficiência cardíaca, e 22.140 morreram, desses, 14.902 sem fibrilação atrial ou doença cardiovascular grave.

Entre aqueles que passaram de boa saúde cardiovascular para fibrilação atrial, 3.085 desenvolveram insuficiência cardíaca, 1.180 tiveram um derrame e 1.415 um ataque cardíaco. E 2.436 daqueles com insuficiência cardíaca morreram, assim como 2.088 daqueles que tiveram um derrame e 2.098 daqueles que tiveram um ataque cardíaco.

Os resultados indicaram que o uso regular de suplementos de óleo de peixe teve diferentes impactos na saúde cardiovascular, progressão da doença e mortalidade. Para pessoas sem problemas de saúde no início do estudo, o consumo da substância foi associado a um risco 13% maior de desenvolver fibrilação atrial e a um risco 5% mais elevado de acidente vascular cerebral.

Ernesto Osterne, cardiologista intervencionista do Instituto do Coração de Taguatinga (ICTCor), detalha que, atualmente, a abordagem mais adequada para pacientes com doenças cardiovasculares que já utilizam suplementos de óleo de peixe é manter medidas para controle das condições.”Tais como observar colesterol e glicemia, manter hábitos saudáveis como atividade física e alimentação adequada, cessar o tabagismo e fazer acompanhamento com cardiologista.”

No entanto, Osterne pondera que ainda não é possível afirmar sobre os possíveis prejuízos à saúde causados pelos suplementos usados por pessoas saudáveis. “Esse é um estudo observacional. É muito cedo para afirmar que em pacientes sem doença vascular há um incremento nos casos de doenças cardiovasculares.”

Resultados

Todavia, entre aqueles com doenças cardiovasculares, o uso regular de suplementos de óleo de peixe foi associado a um risco 15% menor de progressão da fibrilação atrial para ataque cardíaco e a um risco 9% menor de morte em razão do infarto.

Uma análise mais detalhada revelou que idade, sexo, tabagismo, consumo de peixes não oleosos, hipertensão arterial e uso de medicamentos para a pressão arterial alteraram as associações observadas. A utilização regular de suplementos de óleo de peixe e o risco de ataque cardíaco, acidente vascular cerebral (AVC) e insuficiência cardíaca foi 6% maior em mulheres e 6% ma mais em não fumantes. O efeito protetor da substância para reduzir as chances de morte foi maior em homens, com risco 7% menor, e em participantes mais velhos, 11% mais vantajoso.

Para Durval Ribas Filho, nutrólogo, membro da Obesity Society FTOS, nos Estados Unidos, e presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), existe um aspecto muito relevante dentro desse contexto: a quantidade e a posologia do consumo. “Há um exemplo típico de um paciente relativamente jovem que começou a usar certa quantidade por dia de ômega 3 e ele teve um acidente vascular hemorrágico. Ele favoreceu uma redução maior que a necessária da viscosidade sanguínea e consequentemente desenvolveu um acidente vascular cerebral.”

Segundo Ribas Filho, é necessário ter precaução com o suplemento. “Esse trabalho mostra os dois lados: o excesso, assim como a falta, faz mal para a saúde.”

 Pesquisa há décadas

“O interesse nos benefícios cardiovasculares dos ácidos graxos ômega-3, presentes no óleo de peixe, começou na década de 1940 e ganhou destaque com um estudo pioneiro que mostrou a redução do risco de doenças cardíacas após um infarto. Desde então, muitos estudos apresentaram resultados conflitantes. Em 2018, três grandes ensaios clínicos trouxeram mais evidências. Um deles, que utilizou uma dose alta de uma forma purificada de ácido eicosapentaenoico (EPA), encontrou uma redução significativa nos eventos cardiovasculares. Esses resultados podem levar a uma reconsideração das recomendações sobre o uso de suplementos de óleo de peixe. Embora amplamente promovidos por seus benefícios à saúde, não são isentos de efeitos colaterais e necessitam de indicação e monitorização adequadas. Além do risco de fibrilação atrial, os suplementos de óleo de peixe podem impactar diversos parâmetros de saúde.”

Rafael Côrtes, coordenador da UTI cardiológica do Hospital Santa Lúcia Norte, em Brasília

(*)com informação do Jornal CB