Trinta organizações latino-americanas, entre as quais seis organizações não governamentais (ONG) do Brasil, lançaram hoje (8), no Rio de Janeiro, a campanha Instinto de Vida, que propõe reduzir em 50% o número de homicídios na região nos próximos dez anos. A meta pode parecer ambiciosa, a princípio, porque requer uma redução de 7% ao ano dos assassinatos, mas é viável e já foi atingida em diversas cidades, tanto do Brasil, como dos outros seis países prioritários da campanha, que são Colômbia, El Salvador, Guatemala, Honduras, México e Venezuela. A avaliação foi feita à Agência Brasil pela diretora do Instituto Igarapé, um dos elaboradores da campanha, Ilona Szabó.

A campanha apresenta duas estratégias para cumprir seu objetivo. A primeira é um grupo de organizações que vão promover políticas públicas que funcionam. “Nós elaboramos um guia de políticas públicas que devem estar compondo planos nacionais, estaduais e municipais de redução de homicídios e que está disponível no nosso site  . Do outro lado, trabalhando com a gente, temos organizações de mobilização, cujo objetivo é tanto desbanalizar a questão dos homicídios, como engajar os cidadãos para que nos ajudem a cobrar investimento e a implementação desses planos”.

Nos próximos meses, o Instituto Igarapé e seus parceiros na campanha no Brasil (Instituto Sou da Paz, Nossas, Observatório de Favelas, Anistia Internacional Brasil e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública) vão conversar com os diversos entes federativos (governadores, prefeitos, ministros, presidente), buscando esse compromisso e o comprometimento com as metas.

As ONGs que integram a aliança latino-americana para redução de homicídios vão apoiar a elaboração dos planos governamentais dos entes que têm interesse em implementar políticas que funcionam, vão trabalhar na mobilização para a desbanalização da questão e no esforço de engajar os cidadãos na cobrança por investimentos. O Instituto Igarapé coordena o grupo de políticas públicas enquanto a ONG Nossas se encarregará da estratégia do grupo de mobilização. Isso é muito importante, acentuou Ilona, porque o número de homicídios vem diminuindo no mundo, com exceção da América Latina.

Violência

A região concentra 8% da população global mas responde por 38% das mortes violentas (144 mil assassinatos por ano). “O nosso país é, há décadas, o campeão do número absoluto de homicídios no mundo, com 60 mil mortes por ano. Não há precedente. É mais do que em qualquer guerra como da Síria,  do Iraque, Afeganistão. E nós estamos resignados; a gente acha que não há nada a fazer. Mas há”, garantiu a diretora do Instituto Igarapé. Hoje em dia, sabe-se muito mais sobre o que funciona ou não, completou.

O segundo país em número de homicídios no mundo é a Índia, com 40 mil mortes/ano, mas o país detém cinco vezes a população brasileira, observou. Isso comprova que, no Brasil, o número é alto demais e inaceitável. Acrescentou que a questão da impunidade dos que cometem crimes contra a vida no Brasil também ajuda nessa espiral de violência.

Por isso, a campanha vem como objetivo salvar 365 mil vidas na região, 180 mil delas somente no Brasil. A meta é quantificada pelo número de vidas salvas, explicou Ilona. Se nada for feito, nos próximos dez anos serão em torno de 600 mil brasileiros assassinados. “Eu acho que a gente não pode mais ficar matando o nosso futuro, porque a maior parte dessas mortes são de jovens. A gente precisa dar um rosto a essas mortes e mostrar à população que é viável (a redução dos homicídios)”. É preciso, ainda, salientou, cobrar a liderança efetiva de todos os níveis de governo para a concretização dessa meta.

Pesquisa

Pesquisa feita pelo Instituto Data Folha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgada hoje (8) mostra que 94% da população brasileira afirmam que o número de homicídios no país é alto ou altíssimo e 96% acreditam que é papel dos três entes federativos combater a violência e o crime. “Essa articulação de fato dos três Poderes é fundamental para que esses planos saiam do papel”, opinou Ilona Szabó.

A pesquisa revela que 50 milhões de brasileiros acima de 16 anos tiveram algum parente ou amigo assassinado e 78% analisam que mais armas geram mais violência. As ONGs defendem que haja maior controle sobre a circulação de armas no Brasil e pretendem cobrar do Ministério da Justiça e do governo federal posicionamento nesse sentido. Segundo a diretora do Instituto Igarapé, a sinalização do governo não pode ser contraditória ao plano de redução de homicídios no Brasil. “O controle de armas é fundamental para essa equação. A gente não pode permitir, por exemplo, a volta do porte de armas no Brasil. Isso seria potencializar essa tragédia que a gente já está vendo”.

É preciso, destacou ainda, informar a sociedade sobre o que funciona e trabalhar a esperança e não o medo, e não permitir retrocessos.

Plataforma 

A campanha lançou também a plataforma on-line Vivos em Nós que visa mobilizar pessoas que perderam parentes, amigos e entes próximos e queridos para fazer uma homenagem a essas vidas que foram interrompidas precocemente pela violência. A plataforma vai aceitar relatos, fotos. “É um mural de homenagens. A gente quer dar rosto a esses números, mostrar que elas não foram as únicas vítimas, que por trás ficaram famílias, muitas vidas abaladíssimas que mudaram seu curso com essa tragédia”. A partir das homenagens, o objetivo é criar empatia para desbanalizar a questão “e voltar a nos indignar, a valorizar a vida, seja de quem for, porque vida é vida”.

Ilona Szabó informou que as 30 ONGs latino-americanas que integram a aliança para redução de homicídios na região são totalmente contrárias a políticas populistas que ficam valorizando a vingança, “porque vingança não é justiça e a gente vê uma série de pessoas se aproveitando do medo para vender soluções fáceis que só geram mais violência.”

A aliança de ONGS da América Latina busca políticas públicas que tenham evidência científica, que sejam monitoradas e atinjam resultados e não gerem mais violência. A Vivos em Nós é uma maneira de humanizar essa questão, disse Ilona. A plataforma resultará na publicação de um livro que será entregue a diversas autoridades, pedindo o cumprimento das políticas públicas que estão sendo defendidas.