O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luiz Fux, disse que mudou a íntegra de uma decisão envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para “não deixar dúvida” sobre sua posição a respeito da possível inelegibilidade do petista.

No final da manhã da última quarta-feira, 1º, o Portal Uol Notícias publicou em primeira mão reportagem sobre uma decisão de Fux a respeito de uma ação cautelar apresentada por um advogado de Goiás que pedia a avaliação da inelegibilidade de Lula desde já. A decisão era datada do dia 26 de julho, assinada eletronicamente, e ficou disponível no site de consulta processual do TSE a partir da última terça, 31.

Em uma análise estritamente técnica, Fux decidiu não conhecer a ação cautelar e extinguiu o processo sem entrar no mérito da questão em função de o petista ainda não ter registrado sua candidatura. Ou seja, a questão não deveria sequer ser analisada porque não havia o objeto naquele momento. Lula, que, hoje, está inelegível, só terá sua candidatura registrada pelo PT em 15 de agosto, final do prazo para isso.

Porém, horas após a publicação da notícia, a primeira decisão foi apagada do sistema de acompanhamento processual do TSE e uma nova versão aparecia como disponível a partir das 18h de quarta-feira, 1º. A versão reformada entrou no ar datada como de 31 de julho e com um visto na assinatura eletrônica do ministro.

Mais enxuto, o novo despacho mantinha os fundamentos da primeira decisão, mas trazia considerações mais políticas a respeito da questão. Foi nesse novo texto que Fux passou a “vislumbrar a inelegibilidade chapada”, isto é, evidente, do petista. Fux mudou a decisão porque alegou que precisava ser coerente com as posições dele sobre a situação eleitoral de Lula.

“Depois que saiu essa notícia [no UOL], eu fui verificar se a decisão tinha sido publicada [no Diário da Justiça]. Então, peguei a decisão, para não deixar dúvida, e fiz questão de colocar nela a ilegitimidade do cidadão [que fez o pedido] e, ao mesmo tempo, ser coerente com tudo aquilo que tenho defendido publicamente, que é a inelegibilidade de candidatos que já incidiram em uma condenação em segunda instância”, disse na noite de quarta.

O ministro, que deixa a presidência do TSE em 15 de agosto, chegou a qualificar a notícia do Portal Uol Notícias como precipitada, o que não se confirma. O texto era de acesso público e qualquer cidadão poderia encontrá-lo a partir da consulta processual sobre a ação 0600752-84.2018.6.00.0000 no site https://pje.tse.jus.br:8443/pje-web/ConsultaPublica/listView.seam.

O Jornal O Estado de São Paulo e o site Jota também publicaram textos sobre a primeira decisão antes da mudança no site de consulta no TSE e da eliminação da versão inicial. Segundo a legislação, juízes podem fazer alterações nas decisões antes de os textos serem publicados no Diário da Justiça Eletrônico. Fux fez exatamente isso.

Essa ação, porém, não faz com que a decisão publicada pela Portal Uol Notícias tenha sido uma notícia divulgada de forma “precipitada”, como disse o ministro, explicaram especialistas em direito eleitoral consultados pela reportagem. Veículos de comunicação utilizam os sistemas de consulta do TSE, do Supremo Tribunal Federal (STF) e de outros tribunais e varas para acessar o conteúdo das decisões públicas de juízes, desembargadores e ministros.

O Portal Uol Notícias insistiu, junto ao TSE, por uma entrevista com o ministro e esclarecimentos a respeito da eliminação e criação de novas decisões. A assessoria disse que Fux não irá mais se manifestar sobre o assunto. Já o advogado que apresentou a ação, cuja resposta teve conteúdo reformado, se mostrou surpreso com as alterações.

“Estava vendo os telejornais da noite e vi algo de ‘inelegibilidade chapada’. Eu não lembrava de ter visto isso na decisão. Fui ver e tinham mudando”, disse nessa quinta-feira, 2. “A outra decisão era maior. Essa só tem três páginas”. O advogado, inclusive, entrou com recurso contra a decisão de Fux.

Confira os argumentos de Fux na primeira decisão:

“Enfrenta-se, a rigor, um pedido de exclusão de candidato materializado em um instrumento procedimental atípico, oriundo de um agente falto de legitimação, fora do intervalo temporal especificamente designado pela lei. Outrossim, destaco que o pedido relativo à proibição de apresentação como pré-candidato carece de respaldo legal, sendo, ademais, obstado pela garantia de liberdade de expressão, prevista no art. 5º, IX, da Constituição da República”

“Verifica-se a existência de um pedido impugnativo genérico, apresentado por um cidadão isolado, antes do início do período legalmente destinado à oficialização das candidaturas. Independentemente de uma análise de substância, verifico, a título de obter dictum, a reunião de três vícios processuais que obstaculizam, em linha de princípio, a própria apreciação do direito material invocado pela parte. Enfrenta-se, a rigor, um pedido de exclusão de candidato materializado em um instrumento procedimental atípico, oriundo de um agente falto de legitimação, fora do intervalo temporal especificamente designado pela lei”,

“as máculas incidentes sobre os pedidos de registro de candidatura podem ser levantadas mediante três instrumentos específicos:

(i) como regra, por meio de ação de impugnação de registro de candidatura, disponível para candidatos adversários, partidos políticos, coligações partidárias e Ministério Público Eleitoral, durante os cinco após a publicação de edital de postulantes registrados para a ciência de interessados, nos termos do art. 3º da Lei Complementar nº 64/1990;

(ii) alternativamente, por intermédio da apresentação de notícia de inelegibilidade, disponível para qualquer cidadão no gozo de seus direitos políticos, no mesmo prazo acima assinalado, conforme a previsão constante do art. 42, caput, da Resolução TSE nº 23.458/2017 E;

(iii) finalmente, mediante a interposição de recurso contra a expedição de diploma por ator legitimado², no prazo de três dias contados da diplomação, conforme a redação do art. 262, do Código Eleitoral. “Na espécie, verifica-se a existência de um pedido impugnativo genérico, apresentado por um cidadão isolado, antes do início do período legalmente destinado à oficialização das candidaturas. Independentemente de uma análise de substância, verifico, a título de obter dictum, a reunião de três vícios processuais que obstaculizam, em linha de princípio, a própria apreciação do direito material invocado pela parte. Enfrenta-se, a rigor, um pedido de exclusão de candidato materializado em um instrumento procedimental atípico, oriundo de um agente falto de legitimação, fora do intervalo temporal especificamente designado pela lei. Outrossim, destaco que o pedido relativo à proibição de apresentação como pré-candidato carece de respaldo legal, sendo, ademais, obstado pela garantia de liberdade de expressão, prevista no art. 5º, IX, da Constituição da República. Ao teor do exposto, não conheço da presente cautelar, extinguindo o processo sem resolução do mérito.”

Confira a justificativa de Fux na segunda decisão:

“A controvérsia jurídica travada nos autos encontra óbice quanto à análise da questão de fundo em face de vício processual insanável. Isso porque a demanda apresenta um pedido impugnativo ajuizado por um cidadão, despido de legitimidade ativa amparada na lei. Independentemente da análise do conteúdo do pedido, cujo entendimento deste prolator é público e notório, a existência de vicio processual insanável impede a própria apreciação do pleito. Não obstante vislumbrar a inelegibilidade chapada do requerido, o vício processual apontado impõe a extinção do processo”.

Com informações do Portal Uol Notícias