O governo do Nepal enfrenta há meses uma onda de indignação publica em razão do aumento dos casos de abuso sexual nesta pequena nação do Himalaia – da ordem de 60% nos últimos cinco anos, segundo as autoridades. Recentemente, depois que uma menina de 13 anos foi estuprada e morta no oeste do país, milhares de pessoas foram às ruas para exigir soluções, além de acusar a polícia de proteger o autor de ataque contra a adolescente.
Sob pressão, o governo resolveu retomar uma tática implementada anos atrás, mas depois abandonada: proibir a pornografia no país. Desta vez, porém, a iniciativa veio acompanhada de duras multas ou penas de prisão para os responsáveis por empresas que se recusarem a cumprir a determinação.
“Tirar do ar tais sites dentro do Nepal se tornou necessário”, diz uma nota oficial divulgada pelas autoridade sobre a proibição. Muitos no país, no entanto, não concordaram com a ideia.
Pouco depois de a medida ser anunciada, empresas de mídia publicaram editoriais criticando o que consideraram ser uma “tática diversionista do governo para esconder sua incompetência em julgar estupradores” e uma tentativa “equivocada de difamar e transformar o sexo em bode expiatório”.
Críticos da proibição também questionaram se há alguma ligação comprovada entre a pornografia e a quantidade de casos de abuso sexual no país e se era possível impedir que as pessoas acessassem esses sites considerando a quantidade de serviços disponíveis para driblar firewalls.
Alguns anos atrás, uma proibição em menor escala da pornografia no Nepal foi abandonada em razão da falta de fiscalização. Dados divulgados na semana passada por um site popular que foi bloqueado no país mostraram uma quase normalização nos acessos vindos do Nepal, apesar da proibição.
Binay Bohra, diretor da Vianet Communications, um provedor de internet de grande escala no Nepal, afirmou que implementar a ordem do governo era uma tarefa impossível, mas que a empresa não tinha escolha a não ser cumpri-la. Ele disse que cerca de 20 mil sites já estão inacessíveis, mas “outros milhões ainda continuam disponíveis”. “A espada de Dâmocles está sobre nossas cabeças”, afirmou Bohra.
Mahendra Man Gurung, secretário do Ministério de Comunicação e Tecnologia da Informação do país, reconheceu que a medida “não resolve todos os problemas”, mas argumentou que a proibição dos sites pornográficos é apenas uma das várias iniciativas tomadas pelo governo contra os crimes sexuais.
“Nove em dez pessoas apoiam a nossa decisão”, disse Gurung. Ele também ressaltou que o governo criou uma divisão para cuidar da segurança das mulheres que tem, entre suas atribuições, ajudar a agilizar processos judiciais em casos de estupro e monitorar investigações de abusos sexuais. A pornografia é proibida ou sob duros filtros em muitos países, especialmente em partes do Norte da África e do Oriente Médio.
Resistência a medidas deste tipo também é algo comum. Na Índia, quando o governo ordenou em 2015 que os provedores de internet bloqueassem mais de 800 sites pornográficos, defensores do direito à livre expressão foram contra a iniciativa que, argumentaram, violaria partes da Constituição do país. Dias depois, o governo desistiu da proibição.
Há, no entanto, um crescente número de estudos que sugerem uma conexão entre o consumo de pornografia e a violência sexual, embora os estudos sejam divergentes. Julia Long, autora de “Antipornô: O ressurgimento do feminismo antipornografia”, escreveu em 2016 um editorial no Washington Post em que afirmou: “que seria visto como violência sexual e brutalidade em outros contextos é algo comum na pornografia”.
Bloquear sites pornográficos, no entanto, não necessariamente se traduz em menores índices de consumo de pornografia. Com o desenvolvimento de programas para acessar redes privadas, por exemplo, os internautas podem facilmente evitar firewalls. “Toda vez que você empurra uma indústria legal para o underground – uma com bilhões de usuário -, você empurra usuários legais para esses espaços underground também”, disse Alex Hawkins, porta-voz do site pornográfico xHamster, cujo acesso foi bloqueado no Nepal.
Hawkins afirmou que milhões de usuários em países nos quais o site é tecnicamente bloqueado, como Tailândia, Turquia e Emirados Árabes Unidos, encontram outras formas de acessá-lo. Ele disse que nos primeiros dias depois da proibição no Nepal a equipe do site observou uma queda na quantidade de visitas, mas na semana passada a situação já havia voltado para índices perto do normal.
Amrita Lamsal, uma ativista dos direitos das mulheres em Katmandu, afirmou que a proibição é falha por não líder com os problemas culturais do país, onde cada vez mais mulheres relatam abusos sexuais – o que poderia ajudar a explicar o aumento nos dados oficiais -, mas ainda são tratadas com indiferença, suspeita ou hostilidade pelas autoridades.
“Policia, polícia, polícia. O problema está na polícia”, disse Amrita. “Metade dos casos de estupro poderiam ser resolvidos se eles agissem com sinceridade.”
Com informações Estadão