Fones de ouvido permitem escutar diferentes conteúdos, como músicas e podcasts, de forma prática e discreta. Investindo nessas características, pesquisadores da Universidade da Califórnia (UC), nos Estados Unidos, adaptaram um modelo sem fio com sensores leves e flexíveis para registrar atividades cerebrais e os efeitos dos exercícios físicos no corpo. O objetivo é que, no futuro, a solução tecnológica possa realizar diagnósticos de condições neurodegenerativas e monitorar a saúde a longo prazo.

Yuchen Xu, um dos integrantes do grupo de cientistas, conta que a ideia do projeto surgiu da necessidade de criar uma alternativa para capturar e monitorar informações cerebrais e níveis de lactato do suor — substância produzida pelo organismo para fornecer energia quando não há oxigênio suficiente — de forma simultânea e minimamente invasiva.

A detecção intra-auricular de parâmetros fisiológicos não é novidade, mas a integração da detecção de sinais cerebrais e corporais em uma única plataforma, é. “Muitas vezes, as soluções existentes não conseguem monitorizar de forma abrangente os sinais cerebrais e os metabólitos (produto do metabolismo gerado por uma molécula ou uma substância) em uma única plataforma vestível. Nossa tecnologia inovadora combina perfeitamente a capacidade de monitorar os sinais cerebrais e o lactato do suor em uma única plataforma”, enfatiza Xu.

Segundo o pesquisador, a equipe realizou testes preliminares em seres humanos para confirmar se dados do eletroencefalograma (EEG) — exame que analisa a atividade elétrica cerebral — e sobre os níveis de lactato poderiam ser coletados no ouvido, além de determinar o melhor local para recolher e registar essas informações. As respostas foram positivas, sendo que o tragus, parte superior da orelha, mostrou-se a área mais adequada para acumular o suor na entrada do ouvido.

O passo seguinte foi projetar biossensores 3D anexados a um conjunto de eletrodos eletrofisiológicos e eletroquímicos que registrasse as informações e se encaixasse em diferentes formatos de orelha. Para essa última característica, a equipe adicionou pequenas molas que conseguem se ajustar conforme os fones de ouvido se movem, garantindo, assim, o contato firme entre os eletrodos do biossensor e o ouvido. Por fim, a solução tecnológica foi coberta com uma película de hidrogel transparente para recolher, com eficácia, as amostras de suor.

Em laboratório, os pesquisadores avaliaram diferentes parâmetros do dispositivo, como resistência ao fluxo de corrente elétrica dos eletrodos, sensibilidade, detecção de diafonia e estabilidade ambiental. Em seguida, decidiram testar em voluntários a capacidade do dispositivo de detectar sinais eletrofisiológicos e eletroquímicos.

Os resultados do estudo, publicados, recentemente, na revista Nature Communications, mostraram que, nos participantes que realizaram uma sessão intensa de exercícios, o dispositivo detectou níveis elevados de lactato no suor e, simultaneamente, a modulação da atividade cerebral. “Embora não tenhamos fornecido provas diretas de que a nossa tecnologia pode detectar doenças, a investigação clínica existente sobre metabólitos cerebrais e corporais sugere um potencial significativo para esse uso”, explica Xu.

Convulsões

A combinação de informações também poderá ser usada para diagnosticar diferentes tipos de convulsões, distúrbios neurológicos debilitantes, como o zumbido, e acompanhar níveis de estresse e concentração, apostam os criadores.

Sérgio Jordy, neurologista da Rede D’or e diretor do Centro Médico Sinapse, avalia que o novo fone de ouvido poderia ajudar no monitoramento de doenças que atacam o sistema nervoso. “O registro contínuo do aparelho, juntamente com outros dados do metabolismo, além de abrir caminho para um conhecimento maior sobre a relação de atividade cerebral e exercícios físicos, ajudaria no diagnóstico e no acompanhamento de doenças, como epilepsia”, ilustra.

Para Filipe Tôrres, professor do Instituto Federal de Brasília (IFB), uma das vantagens do aparelho é o potencial para se juntar a outros equipamentos dos usuários. “O aparelho poderia ser acoplado em dispositivos móveis em geral, como telefones e smartwatches, permitindo monitorar o metabolismo e a atividade cerebral durante um dia inteiro.”

Além dos registros para diagnósticos de doenças neurodegenerativas, Tôrres acredita que os fones de ouvido adaptados poderiam ser utilizados em avaliações esportivas. “Eles seriam aplicados nos esportes tanto de alto nível quanto no cotidiano. Principalmente para o monitoramento de performance física”, sugere.

Larga escala

Apesar de ainda estarem nas fase de testes, os criadores da tecnologia avaliam que ela tem potencial para ser produzida e comercializada em massa. “O objetivo principal da pesquisa não era criar um produto de baixo custo, mas empregamos diversas técnicas para reduzir despesas de fabricação. Estamos confiantes de que o design atual pode ser adaptado para produção em larga escala”, diz Xu.

Agora, os pesquisadores trabalham na amplificação de sinal e na redução de ruído dos fones. Além disso, desejam experimentar o conjunto de sensores em uma amostra populacional maior. “Uma restrição atual é a usabilidade do sensor a longo prazo. Estamos considerando avançar na integração eletrônica dos sensores e ampliar nosso escopo para detectar componentes químicos em amostras suor”, conta o cientista.

(*)com informação do CB