Estudo inédito feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) releva que, entre 2014 e 2017, o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza no Brasil cresceu 33%, o que significa 6,3 milhões de novos pobres no País – o equivalente a quase duas vezes a população do Uruguai.
Entre esses anos, o percentual de pessoas vivendo com menos de R$ 233 ao mês (valor-base referente a agosto de 2018) saltou de 8,38% – o menor percentual já medido – a 11,18% da população. A pesquisa mostra a redução do número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza nas últimas três décadas, com destaque para dois momentos: o Plano Real, em julho de 1994, e as políticas sociais implantadas a partir de 2003.
Segundo o estudo, a desigualdade subiu por 11 trimestres consecutivos – o que não acontecia desde 1989, quando foi registrado um recorde histórico nesse sentido. “Esse retrocesso não nos faz voltar a 1995 ou a 2003, mas nos fez voltar a 2011. Foi uma década perdida, o que é muito para desigualdade”, afirma o professor Marcelo Neri, responsável pela pesquisa.
O pesquisador afirma que a queda na renda foi impulsionada pela recessão em que o país entrou. “Esse movimento de pobreza está ligado à crise de desemprego, à alta inflação, mas também [é influenciado] pela desigualdade e pela redução de políticas públicas. Com o ajuste fiscal que o Brasil tem que fazer, a capacidade de fazer políticas de combate à pobreza e à desigualdade fica afetada”, diz.
2014, o fim de uma era
Os dados mostram que o último trimestre de 2014 foi “um marco” para o país, e desde lá só foram registradas quedas. “Ali tivemos a menor pobreza, a menor desigualdade, o maior salário médio, o menor desemprego. Então, de lá pra cá a desigualdade aumentou muito, e o bem-estar ficou estagnado como estava em 2012”, afirma.
O bem-estar social é uma fórmula medida com base na renda média do brasileiro associada ao aumento da desigualdade. No estudo, Neri percebeu que a renda do brasileiro, pela recessão, teve índices semelhantes em 2012 e 2016. De lá para cá, ela cresceu em média R$ 30. “Há uma retomada – mesmo que lenta – da renda média do brasileiro, mas não há uma retomada do bem-estar na mesma velocidade”, comenta.
“Para o bem-estar existem duas coisas que levamos em conta: o tamanho do bolo e a desigualdade. E essa desigualdade aumentou desde o final de 2014”, explica. Para o pesquisador, o país errou ao não investir em políticas específicas para melhorar a renda dos mais pobres nesse período.
“Eu vejo pouco debate ligado a pobreza e desigualdade nos últimos 4 anos. Tivemos uma desorganização na economia, temos um problema fiscal sério; mas até quando você está contando os tostões é momento de lançar políticas aos pobres, não só por justiça social, mas também para ajudar a relançar a economia”, afirma.
Mulheres casadas têm aumento de renda
Neri cita que o Brasil enfrentou uma recessão intensa, “parecida com o início dos anos 1990”, e que apenas um estrato social teve alta: as mulheres casadas. Entre homens, a taxa de renda caiu 5,6% entre 2015 e 2017; entre as mulheres essa taxa ficou praticamente estável, com leve alta de 0,4%. Entre as mulheres casadas, porém, houve uma alta de 17,9%.
“Isso ocorreu muito por necessidade. Quando o chefe da família passou a ter uma redução de salário, perdeu o emprego, as mulheres entraram no mercado. E a jornada e o salário delas aumentou”, diz. “Todos perderam, mas os pobres perderam mais. Os principais perdedores são os jovens, as pessoas com pouca educação, os chefes de família, as pessoas do Norte e Nordeste. Esses perderam mais que a média”, completa.
Segundo o estudo, os estratos que tiveram as maiores perdas na renda foram jovens de 15 a 19 anos (-20%); pessoas com até oito anos de estudo (-11,6%) e os moradores do Nordeste (-6,4%).
Bebê nunca provou iogurte
Na casa de Josicleide dos Santos, 26, as contas do mês passado ainda estão a ser pagas. O marido dela, Leandro Teixeira dos Santos, 29, está desempregado há cinco anos – foi demitido após a falência da empresa em que trabalhava. A salvação eram os bicos como pedreiro, mas o serviço acabou devido à crise.
“Há quatro meses que não aparece serviço e a gente está numa situação que só piora. Hoje vivemos do que ele pesca na lagoa e com contas a pagar. Isso nunca aconteceu quando ele tinha emprego fixo”, conta Josicleide, que mora no povoado de Barra Nova, em Marechal Deodoro (região metropolitana de Maceió).
A única renda fixa na casa é o Bolsa Família, que paga R$ 230. “É desesperador ver que não posso mais oferecer os alimentos de antes à minha família. Um iogurte que podíamos comprar, minha filha de 10 meses nunca provou porque não temos dinheiro. O que compramos para o mês é o básico, arroz, feijão e cuscuz”, diz Leandro.
A artesã Lúcia Teixeira da Silva, 56, faz redes e sacolé para vender pela vizinhança. Sem emprego, é assim que sustenta três filhos adolescentes que moram com ela. Ela conta que teve 10 filhos e uma delas a ajuda a pagar o INSS para um dia se aposentar. “Já fiz faxina, mas as pessoas não estão mais chamando. Recebo R$ 130 do Bolsa Família e não dá para nada. A gente só faz uma refeição por dia”, relata.
Bolsa Família só paga água e luz
Em meio às dificuldades, a ajuda voluntária é sempre bem-vinda. Na comunidade Sururu de Capote, no bairro do Vergel do Lago, na periferia de Maceió, a distribuição de sopa diminui a fome de pelo menos 400 famílias diariamente. A sopa é distribuída às 17h, mas a fila começa a se formar já às 15h. O trabalho voluntário é feito pelo grupo espirita Nosso Lar.
Na última quarta-feira, 5, Marise da Silva Santos, 39, estava na fila para pegar garantir o jantar dela e dos três filhos. “Eu venho dia sim, dia não. Pego uma quantidade para dois dias. Muitas vezes, a sopa é o único alimento da gente. O preço das coisas aumentou e não dá mais para comprar a mesma quantidade de antes. Recebo R$ 80 de Bolsa Família e isso só dá para pagar água e luz”, revela.
Já a freira italiana Joana Ambrosio mantém um abrigo em Marechal Deodoro para receber crianças e adolescentes em situação de risco. Ela conta que todos os meninos que chegam ao abrigo têm fome porque as famílias não podem dar todas as refeições. “Eles pensam que aquela vai ser a única refeição e comem demasiadamente com medo de não ter o que comer depois. Mas logo começam a se adaptar às três refeições e os três lanches que são oferecidos diariamente aqui.” Atualmente o abrigo mantém 26 crianças e adolescentes.
Com informações do Portal Uol Notícias