A biologia de homens e mulheres nem sempre segue linhas paralelas. Exemplo disso é o que ocorre com alguns hormônios mais comuns entre eles ou elas. Do lado feminino da história, substâncias como o estrogênio deixam de ser produzidas aos poucos, em meados da quinta década de vida. Neste momento, conhecido como menopausa, a mulher deixa de ovular e menstruar, o que impossibilita uma gestação pelos meios naturais. Entre os homens, porém, não ocorre um processo parecido. A testosterona, o hormônio masculino relacionado à fabricação dos espermatozoides, entre outras funções, costuma seguir uma constante por toda a vida, com pequenas variações, mesmo após os 50, 60 ou 70 anos.
Seguindo esse raciocínio, portanto, o termo “andropausa” — que ganhou popularidade como uma maneira de explicar uma espécie de “menopausa masculina”, com um eventual corte na geração de testosterona a partir de uma certa idade — não faz sentido lógico, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Mas vale uma ponderação: há casos em que, por uma série de fatores, a queda da testosterona é mais aguda do que o esperado. Esses quadros, conhecidos como hipogonadismo masculino, têm critérios de diagnóstico e tratamento bem definidos. Recentemente, as orientações para lidar com a deficiência do hormônio masculino passaram por uma série de mudanças, com o objetivo de inibir o consumo excessivo de testosterona como anabolizante, para fins estéticos em homens ou mulheres.
O mito da andropausa
“Qualquer explicação sobre a andropausa precisa começar com o fato de que ela não existe”, diz o médico Alexandre Hohl, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEm).
“Essa palavra é um neologismo criado a partir do conceito de menopausa, cuja origem vem do latim: meno tem a ver com menstruação e pausa serve para explicar uma interrupção. Ou seja, a menopausa é a paralisação da menstruação”, explica.
“A partir daí, alguém teve a infeliz ideia de criar o conceito de andropausa, que só gera diagnósticos equivocados e usos desnecessários de testosterona”, lamenta Hohl.
O médico Luiz Otávio Torres, secretário-geral da Sociedade Brasileira de Urologia, concorda.
“Andropausa é um termo errado, que não faz sentido”, diz.
Hohl explica que, ao longo da vida, o homem não passa por algo parecido a uma menopausa, como ocorre com as mulheres.
“Biologicamente, o homem tem, sim, uma diminuição progressiva da produção de testosterona, principalmente a partir dos 40 ou 50 anos. Mas se ele for um adulto saudável, provavelmente chegará aos 60, 70 ou até 80 anos com níveis adequados desse hormônio, sem a necessidade de qualquer intervenção ou reposição”, esclarece ele.
Essa redução progressiva e natural do hormônio masculino, que é produzido pelos testículos, fica na taxa de 1,2% ao ano a partir dos 40 ou 45 anos.
“Ou seja, o homem pode até ter uma redução da testosterona, mas ele não deixa de produzir hormônios como acontece com a mulher”, resume Torres.
Mas essa queda hormonal pode ser potencializada por outros fatores — como o diabetes ou a obesidade.
Em indivíduos que são portadores dessas ou de outras doenças crônicas, os níveis de testosterona podem diminuir numa intensidade maior do que o esperado. Chama-se essa condição de hipogonadismo masculino.
Existem outros fatores que podem estar por trás dessa redução, como doenças que afetam a hipófise (a estrutura do cérebro responsável por regular a fabricação da testosterona lá nos testículos) ou os próprios órgãos reprodutores masculinos.
Há ainda indivíduos que, por fatores genéticos e endócrinos, não desenvolvem os processos relacionados à puberdade. Com isso, eles não passaram pelo crescimento do pênis, dos testículos e dos pelos no corpo.
Mas quando os médicos suspeitam de um quadro de hipogonadismo?
A saga pelo diagnóstico
Hohl ressalta que, segundo as diretrizes mais recentes, a medição dos níveis de testosterona não é algo que deve fazer parte dos exames de rotina.
“Não há motivos para incluir a avaliação desse hormônio no check-up”, avalia ele.
“Essa condição só passa a ter alguma importância clínica quando vem acompanhada de sintomas”, reforça Torres.
O hipogonadismo masculino passa a ser uma possibilidade, portanto, a partir da presença de manifestações clínicas — que podem ser divididas em três grupos principais.
“O primeiro deles é representado por aquele homem que chega ao nosso consultório com 20 e poucos anos e não teve o desenvolvimento do pênis e dos testículos. Esse é o diagnóstico mais fácil de fazer”, diz o endocrinologista.
O segundo envolve a presença de um sintoma bastante sugestivo. “São os incômodos relacionados à esfera sexual, como a dificuldade para ter ereções e/ou a redução da libido”, diz Torres.
“Alguns também relatam uma diminuição no orgasmo ou algum problema para ejacular.”
Esses problemas relacionados à saúde sexual podem ou não vir acompanhados de outros incômodos, como maior facilidade para fraturas, ondas de calor e a diminuição dos pelos no rosto, no tórax ou na região pubiana.
“A situação mais desafiadora se concentra no terceiro grupo, em que há uma suspeita leve e um alto risco para abuso na prescrição de testosterona”, avalia Hohl.
Isso porque as manifestações relacionadas à queda na testosterona nesses casos podem ser muito genéricas e acometem uma grande parcela da população masculina.
“Falamos aqui de desânimo, cansaço, mau humor, alteração do sono, fraqueza, perda de massa muscular, aumento de cintura abdominal, ganho de peso…”, lista o médico.
Para fazer o diagnóstico, portanto, é importante passar por uma boa consulta, em que o profissional de saúde avalia uma série de fatores para indicar (ou não) alguns exames de sangue.
“A dosagem da testosterona deve ser pedida nos homens que têm histórico de doença na hipófise ou nos testículos, uso contínuo de opioides ou corticoides, perda de peso associada à infecção por HIV, osteoporose ou fraturas de baixo impacto, infertilidade, queda de libido ou disfunção erétil”, detalha o ex-presidente da SBEm.
Há uma grande discussão entre sociedades médicas sobre quais são as quantidades de hormônio masculino que indicam uma deficiência ou uma situação normal.
Em linhas gerais, especialistas consideram valores abaixo de 300 ng/dl (nanogramas por decilitro) como uma situação que pode exigir uma reposição.
E aqui não basta retirar uma amostra de sangue, mandá-la para o laboratório e tomar uma decisão com base neste resultado: a coleta precisa ser feita no período da manhã (entre 6 e 10 horas), quando a produção de testosterona atinge o pico do dia.
Além disso, é importante repetir o teste uma segunda vez, para ter certeza que os valores encontrados representam a realidade.
Se, depois de todo esse processo, o médico entender que está diante de um quadro de hipogonadismo masculino, ele fará a prescrição da testosterona.
Há uma série de opções farmacêuticas à disposição, como doses injetáveis ou em gel, ou tipos com duração mais curta ou longa.
A escolha vai depender das características do paciente e da disponibilidade financeira.
Hohl destaca que a reposição da testosterona só faz sentido quando esse hormônio está em baixa no organismo.
“Do ponto de vista da saúde, não muda nada se o indivíduo tiver 500 ng/dl de testosterona e passar para 600 ou 800. Ele não vira um super-homem com esse aumento”, diz.
“Agora, se ele está com 250 ng/dl e passa para 500, por exemplo, a saúde dele pode melhorar e muito”, compara.
Cerco aos anabolizantes
Todo esse cuidado com relação à prescrição do hormônio masculino se deve ao fato de que o uso dele virou uma febre nos últimos anos. Muitas pessoas passaram a utilizá-lo para fins estéticos, como o ganho de massa muscular e a perda de peso.
Uma reportagem publicada pela Folha de S.Paulo aponta um crescimento de 45% na venda de versões farmacêuticas de testosterona entre 2019 e 2021 no Brasil.
A aplicação do produto nesse contexto, aliás, foi alvo de uma resolução publicada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em abril deste ano.
No texto, a entidade veda “o uso de esteroides androgênicos e anabolizantes com a finalidade estética, ganho de massa muscular e melhora do desempenho esportivo”.
“As terapias de reposição hormonal estão indicadas em caso de deficiência específica comprovada, de acordo com a existência de nexo causal entre a deficiência e o quadro clínico, ou de deficiências diagnosticadas cuja reposição mostra evidências de benefícios cientificamente comprovados”, diz a norma.
Hohl explica que, diante da nova regulamentação, o uso terapêutico da testosterona se resume a três grupos.
Primeiro, para homens com hipogonagismo. Segundo, para mulheres com um transtorno de desejo sexual hipoativo — uma condição bem descrita e restrita. E, terceiro, para homens transgêneros, com o objetivo de fazer a readequação de gênero.
O endocrinologista pondera que, se utilizada dentro dos critérios estabelecidos, a testosterona é eficaz e não traz prejuízos à saúde.
“Nesse sentido, precisamos também nos preocupar com o subdiagnóstico. Muitas pessoas têm preconceito e medo em relação ao uso da testosterona, pois acham que ela só é utilizada como anabolizante ou faz mal para a próstata”, aponta Hohl.
“Com isso, muitos homens que teriam indicação de fazer o tratamento deixam de procurar a orientação do profissional da saúde”, lamenta.
“Infelizmente, o homem não costuma ir ao médico de rotina, como as mulheres fazem com o ginecologista”, observa Torres.
“Portanto, quando temos a oportunidade de questionar nossos pacientes sobre como anda a saúde sexual deles, essa pode ser uma maneira de iniciar uma investigação sobre uma eventual queda nos níveis de testosterona neles”, conclui o médico.
(*)Com informação do CB