O Supremo Tribunal Federal (STF) julga nesta quarta-feira, 4, a partir das 14 horas, o recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra sua prisão na Operação Lava Jato. Numa semana em que o tribunal foi bastante pressionado, o que levou a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, a gravar um pronunciamento pedindo “serenidade” e respeito às divergências políticas, a segurança teve que ser reforçada no entorno do tribunal para o julgamento desta tarde.

Como pano de fundo ao recurso de Lula está a definição sobre se a pena de prisão pode ser iniciada após a condenação em segunda instância, e o STF recebeu, também nesta semana, manifestos de setores do Judiciário contrários e favoráveis à tese adotada pelo tribunal em 2016.

Se for derrotado, Lula poderá ser preso e verá reduzidas as chances de conseguir manter a candidatura à Presidência da República. Se obtiver sucesso, o ex-presidente poderá seguir recorrendo da condenação, o que levará a conclusão do processo para as últimas instâncias do Judiciário.

Livre, Lula também terá maior facilidade para se engajar na campanha eleitoral. Mas, para conseguir ter a candidatura autorizada, precisará travar uma nova batalha jurídica, dessa vez na Justiça Eleitoral, contra seu enquadramento na Lei da Ficha Limpa.

Condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-presidente cumpre os requisitos para ser considerado um candidato ficha suja e ficar proibido de disputar eleições. A Justiça Eleitoral permite que um candidato participe da campanha, e até receba votos, enquanto o caso não é julgado em definitivo pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O julgamento de hoje no STF, no entanto, não tem o poder de autorizar a candidatura de Lula. Isso deverá ser discutido em um novo processo no TSE. A semana do julgamento também está sendo marcada por manifestações contra e a favor do ex-presidente.

Nessa terça-feira, 3, grupos favoráveis à prisão de Lula convocaram atos em mais de 100 cidades brasileiras. O maior protesto ocorreu em São Paulo, com participação de mais de 40 mil pessoas, segundo a Polícia Militar, na avenida Paulista. Lá e no Rio, os principais alvos de pressão foram os ministros do STF, principalmente Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Integrantes do MBL chegaram a afirmar que pedirão o impeachment de ministros que aceitarem o habeas corpus de Lula.

Os principais atos em defesa do ex-presidente estão marcados para esta quarta-feira. Em Brasília, parte das vias estarão bloqueadas, e uma barreira será montada para separar manifestantes favoráveis e contrários ao petista.

Na segunda-feira, 2, o STF recebeu dois abaixo-assinados de grupos contrários e favoráveis à prisão em segunda instância. Juízes e membros do Ministério Público entregaram um documento a favor da medida. No texto, eles afirmam que a regra não se aplica apenas ao caso do ex-presidente, e que uma mudança na decisão do STF implicaria na “liberação de inúmeros condenados, seja por crimes de corrupção, seja por delitos violentos, tais como estupro, roubo, homicídio etc”, afirma o abaixo-assinado.

Associações de advogados, defensores públicos e juristas também apresentaram um texto ao gabinete dos ministros do STF, este contrário à prisão nessa fase do processo. “Ninguém, absolutamente ninguém, será considerado culpado enquanto não houver esgotado todos os recursos”, diz trecho do documento. “Gostemos ou não, a Constituição da República consagrou o princípio da presunção de inocência”, afirma o texto.

O documento tem o apoio de entidades como o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), e Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia (ABJD).

O julgamento também mobilizou um dos principais atores da Lava Jato. O coordenador da Operação no Ministério Público Federal (MPF) de Curitiba, Deltan Dallagnol, classificou esta quarta-feira como “Dia D da luta contra a corrupção” e anunciou que acompanhará o julgamento no STF “em jejum, oração e torcendo pelo País”, disse, em uma rede social.

O que será julgado?

O recurso da defesa de Lula é um pedido de habeas corpus para que ele possa recorrer contra sua condenação em liberdade. O ex-presidente foi condenado em julho do ano passado pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, por corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo um apartamento tríplex. A acusação dizia que a OAS teria reformado e reservado o imóvel para Lula. A defesa do ex-presidente sustenta que ele nunca usou o apartamento e que a condenação ignorou provas de sua inocência.

Contra a condenação por Moro foi apresentado recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre. Em janeiro, os três desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 confirmaram a condenação de Lula e aumentaram a pena de prisão do ex-presidente de 9 anos e 6 meses para 12 anos e 1 mês.

Na última semana, a 8ª Turma negou por unanimidade novo recurso da defesa de Lula. Com isso, se não houver mais recursos ao TRF-4, pode ter início o cumprimento da pena do ex-presidente. A defesa de Lula pede ao STF que ele só possa ser preso depois de julgados todos os recursos judiciais possíveis no processo.

Além do TRF-4, é possível recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao próprio STF. Como argumento, a defesa sustenta que a Constituição Federal só permite a prisão após o chamado “trânsito em julgado”, quando não cabem mais recursos de uma decisão judicial.

STF e 2ª instância

A discussão jurídica é a mesma travada pelo STF em outras duas ações que estão pendentes de julgamento. Atualmente, a partir de três decisões de 2016, o STF autoriza que uma pessoa condenada por um tribunal de segunda instância, como o TRF-4, possa começar a cumprir a pena de prisão. Essas decisões foram tomadas com o placar apertado de seis votos a cinco entre os 11 ministros do tribunal.

A defesa de Lula aposta na mudança de posicionamento de ministros do STF para conseguir evitar a prisão do ex-presidente. O ministro Gilmar Mendes, que votou favorável à prisão após segunda instância, tem dado declarações que indicam uma possível mudança no seu posicionamento.

Outro voto decisivo deve ser o da ministra Rosa Weber. Ela votou contra a prisão após segunda instância em 2016, mas, desde então, tem adotado a posição da maioria definida naquele julgamento, em sinal de respeito ao entendimento do tribunal. Como o processo de Lula trata apenas do caso específico do ex-presidente, a ministra pode tanto decidir manter o critério de seguir o que foi decidido em 2016 quanto escolher votar de acordo com seu entendimento da questão.

Argumentos em disputa

No centro do debate sobre a questão está a interpretação do conceito de trânsito em julgado do processo e a definição sobre a partir de qual momento um investigado pode ser considerado culpado, o chamado princípio da presunção de inocência.

A Constituição Federal afirma que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. De forma similar, o Código de Processo Penal diz que, exceto por flagrante ou prisão provisória, ninguém poderá ser preso a não ser “em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado”.

Os defensores da prisão após a segunda instância afirmam que o cumprimento da pena a partir desse momento do processo não afronta a Constituição e o princípio da presunção de inocência porque, depois de uma dupla condenação, já haveria um nível razoável de certeza sobre a culpa do investigado.

As posições contrárias à prisão após a segunda instância defendem que o texto da Constituição e do Código de Processo Penal são claros ao exigir o trânsito em julgado para determinar a culpa do investigado e o cumprimento da pena de prisão.

Com informações do Uol Notícias