Veja

Aperta o cerco a Temer
Edição 2576 – 04/04/2018

A prisão de amigos do presidente leva a investigação dos portos para a porta do Palácio do Planalto

De nada adiantou a tentativa do governo de intimidar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, relator do inquérito que apura se empresas pagaram propina em troca de um decreto sobre portos assinado pelo presidente Michel Temer. Por decisão de Barroso, a Polícia Federal prendeu na quinta-feira 29 o advogado José Yunes e o coronel João Baptista Lima Filho, ambos velhos amigos de Temer e suspeitos de atuar como laranjas do presidente.

A PF também prendeu Wagner Rossi, que presidiu a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) com aval de Temer, e o empresário Antonio Celso Grecco, dono da Rodrimar, empresa suspeita de distribuir propina a assessores presidenciais em retribuição à edição do decreto. Houve ainda ordem de prisão contra quatro acionistas do Grupo Libra, que já teve diversos de seus interesses na área de portos atendidos por aliados do presidente. O cerco judicial está se fechando, e a leva de prisões é um indicativo de que o presidente Temer pode enfrentar uma nova denúncia antes de disputar a reeleição.

Isto é
Edição 2519

Serão todos soltos?

Chegou a hora “do grande acordo nacional com o Supremo, com tudo”?

Ao julgar o mérito do habeas corpus do ex-presidente Lula, o STF decide nesta semana se o crime compensa ou não no Brasil. Caso a impunidade prevaleça, a Corte consagrará o “acordão” previsto pelo senador Romero Jucá
Entre os que podem se beneficiar do “princípio Lula” estão corruptos como o ex-deputado Eduardo Cunha, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, o ex-ministro Antônio Palocci e o ex-diretor da Petrobras, Renato Duque. Cunha já foi condenado por receber propinas de US$ 1,5 milhão.

É investigado por irregularidades não só na Petrobras, mas também na Caixa Econômica. Palocci é apontado como interlocutor da Odebrecht junto ao PT. Tinha uma conta de propina em seu nome. Movimentou mais de R$ 128 milhões em recursos ilícitos. Sérgio Cabral é recordista de processos na Lava Jato. São 21 – sendo que em 16 já houve sentença. As penas, somadas, chegam a 100 anos de prisão, por liderar um esquema de corrupção que lesou por anos os cofres do Rio e levou o estado a uma situação de calamidade pública. Ex-diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque também ostenta condenação quase secular: 73 anos e 7 meses de cadeia.

No cenário desolador, o ex-ministro José Dirceu, punido com quase 42 anos de prisão, pode nem voltar à cadeia. Condenado em segunda instância, ele aguarda julgamento de embargos infringentes pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. É o último passo antes da execução da pena – o que pode não acontecer se o STF decidir a favor de Lula. Até mesmo quem ainda não foi condenado poderá buscar o mesmo recurso no futuro, como os ex-ministros Geddel Vieira Lima e Henrique Alves, investigados por crimes de corrupção. Geddel foi preso após a Polícia Federal encontrar mais de R$ 51 milhões em um apartamento em Salvador, na maior apreensão de dinheiro em espécie da história da PF.

O próprio Lula contabiliza inúmeras pendências jurídicas para além do caso do tríplex do Guarujá. Na Justiça Federal do Paraná, ele responde a outros dois processos, por recebimento de propinas na reforma no sítio de Atibaia, pela compra de um terreno para o Instituto Lula e aluguel de um apartamento em São Bernardo. No Distrito Federal, são mais quatro ações penais por crimes como obstrução à Justiça, tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Há ainda duas denúncias pendentes de análise da Justiça. Uma delas é a do “quadrilhão do PT”, que aponta Lula como o grande líder de uma organização criminosa que desviou milhões de reais dos cofres públicos.

Mesmo fora da Lava Jato, o “princípio Lula” já deu demonstrações claras de seu alcance deletério. Em Brasília, um homem acusado de ter roubado um automóvel foi solto na terça-feira 27 – um pedido do promotor Valmir Soares Santos. Ele alegou que, se Lula não pode ser preso por um atraso da Justiça, aos demais cabe o mesmo destino. É o efeito erga omnes, que em latim significa “vale para todos”.

No caso, o homem estava preso aguardando a conclusão de perícias e o promotor entendeu que o suspeito não poderia ser prejudicado por um atraso do Estado, assim como aconteceu com Lula. Abriu-se a porteira. Mais presos se apressam em solicitar a mesma jurisprudência aplicada ao petista. “Do ponto de vista da defesa de outros acusados, o julgamento do habeas corpus vai representar um precedente”, disse à ISTOÉ o advogado Pedro Iokoi. A urgência em analisar o habeas corpus de um ex-presidente da República também amplificou o tom das críticas ao Supremo. “Nos sentimos envergonhados”, disse o desembargador Antônio Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Segundo ele, uma decisão a favor de Lula será uma afronta aos juízes de segundo grau.

Entre os magistrados, o juiz Sergio Moro é o maior entusiasta da prisão em segunda instância. Para ele, a cadeia após esgotadas todas as possibilidades de recursos gera impunidade, especialmente para criminosos poderosos, um dos poucos brasileiros em condições de contratar os melhores advogados do País para explorar as brechas da lei. “Seria ótimo esperar o julgamento até a última instância, mas no nosso sistema processual, extremamente generoso em recursos, isso representa um desastre.

Temos processos que se arrastam por décadas e crimes prescrevendo”, afirmou em entrevista ao Roda Viva. Somente na Vara Federal em que atua, a 13ª de Curitiba, há 114 pessoas cumprindo pena após condenações em segunda instância. Não somente condenados por corrupção. Também traficantes e pedófilos. Na Lava Jato, são 12 os condenados em segunda instância cumprindo pena. Diante da perspectiva de reversão do quadro, Moro tem enviado recados ao STF.

O posicionamento do juiz incomodou alguns ministros, como Marco Aurélio Mello: “Tempos estranhos em que um juiz de primeiro grau faz apelos a ministros do STF”. Tempos estranhos são aqueles em que os mimos e elogios de uma homenagem são mais importantes do que um exame de tamanha repercussão, como o do HC de Lula. Marco Aurélio foi o pivô da manobra protelatória da análise do HC na quinta-feira 22, que a empurrou para 4 de abril. Com viagem marcada para o Rio de Janeiro para receber uma comenda, ele defendeu a interrupção do julgamento. Como ele, mais quatro ministros estavam com passagens aéreas compradas para a mesma noite. Nos últimos dias, o ministro sentiu o pulso das ruas. Foi bombardeado por mensagens de protesto. Resultado: teve que excluir endereços de e-mail e mudar telefones.

Como se nota, todas as atenções estarão voltadas para a sessão de 4 de abril no STF. Por mais inacreditável que pareça ainda cogita-se um pedido de vistas de um ministro companheiro, o que jogaria para as calendas o julgamento definitivo de Lula. Se o petista sagrar-se vitorioso, o Supremo transmitirá uma mensagem negativa aos brasileiros. “No Brasil, o mundo jurídico não reage à altura dos erros do Supremo”, disse, certa feita, o ex-presidente do STF, Antonio Cezar Peluso. Não reagia. Hoje não só o mundo jurídico como a sociedade observa o tribunal, e suas decisões, com lupa. E, sim, promovem o contraponto à estatura da Corte. Que o STF não cometa o desatino de conferir um salvo conduto à classe política como um todo. É como diria Martin Luther King: “A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo o lugar”. Que seja feita Justiça

Época
Edição 1031
A outra Pílula Azul

O novo azulzinho
A PrEP está mudando o comportamento sexual de grupos de risco, sobretudo dos gays. Eles estão abandonando a camisinha, contribuindo para o aumento de doenças sexualmente transmissíveis

As noites de quinta-feira na Danger, uma conhecida casa noturna gay do centro de São Paulo, são dedicadas ao sexo. No palco, go-go boys fazem apresentações de striptease enquanto uma turba animada se esbalda na pista de dança. É numa saleta propositalmente lúgubre, do lado esquerdo do banheiro, conhecida por dark room, que a temperatura ferve. Ali, entre paredes e teto pintados de negro, iluminação fraca composta de luzinhas azuis, grupos de homens jovens e de meia-idade — de todas as raças e estratos sociais — reúnem-se para se masturbar, fazer sexo oral ou transar com parceiros conhecidos ou não — à vista de quem queira.

Numa madrugada recente, por volta de 1 hora da manhã, dez garotos se divertiam na sala escura. Encostados na parede, dois transavam sem preservativo. Num outro canto, uma dupla — um rapaz baixo, de cabelos espetados, e uma travesti de cabelos escuros, saia preta e blusa branca — também fazia sexo. Usava proteção. Havia quem apenas se beijasse, quem usasse drogas ou apenas exercitasse o voyeurismo.

Dali a duas horas, contavam-se cerca de 30 pessoas na salinha. Um dos garotos que estava lá desde o início da madrugada já havia tido relações sexuais com quatro homens. Em apenas um caso com camisinha — a pedido do marido do sujeito, que lhe forneceu o preservativo. Durante horas e horas, a população flutuante — de maneiras e timing distintos — aproveitou o que a sala tinha de melhor a oferecer.

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Eram 5 da manhã quando dois seguranças altos e gordos, de camisa e calça pretas, entraram com a autoridade de uma tropa de choque, apontando um raio laser verde para o teto que lembrava a série de filmes Star wars. “Acabou, pessoal.” Pelo chão, entre latas e copos amassados, embalagens de pirulito e bebida ressecadas, contei apenas oito camisinhas usadas jogadas no chão.

O sexo sem proteção, infelizmente, ainda é uma prática comum entre os brasileiros — sobretudo os mais jovens. Uma pesquisa feita pela empresa Gentis Panel em 2016 indicou que 52% da população nunca ou raramente usava preservativo. O ibge perguntou a adolescentes, em duas ocasiões, se tinham se prevenido na última relação. Em 2012, 75,3% responderam “sim”. Três anos depois, foram 66,2%.

A consequência foi o aumento notável nos índices de contaminação pelo HIV — o vírus que causa a aids — e outras doenças sexualmente transmissíveis, principalmente entre o sexo masculino. De acordo com o Ministério da Saúde, entre garotos de 15 a 19 anos, o índice de detecção dos casos de aids quase triplicou: saltou de 2,4 por 100 mil habitantes, em 2006, para 6,7, em 2016. Entre os de 20 a 24 anos, mais que dobrou e está em 33,9 por 100 mil. O aumento entre os adultos de 25 a 29 anos foi menor, mas ainda assim expressivo: de 41,1 para 48,3. No caso das infecções sexualmente transmissíveis, como a sífilis, houve um aumento de 28% de 2015 para 2016 no país.

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Os números são assombrosos para um país que, em 1996, criou um paradigma no combate à aids ao universalizar o tratamento antirretroviral pelo SUS e tornar lei o orçamento para o combate à doença. Hoje, o Brasil oferece tratamento para mais de 500 mil pessoas e vem reduzindo há duas décadas o número de óbitos por aids. Mas, na prevenção, o país falhou.

Com o intuito de aumentar o combate à doença, surgiram opções para aqueles com comportamento sexual de risco — como quem tem muitos parceiros ou faz sexo sem proteção. Uma delas é conhecida como PEP, que passou a ser disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde em 2010. É como uma pílula do dia seguinte, que deve ser usada em até 72 horas após uma relação de risco ao longo de 28 dias. Ainda que eficaz, apresenta efeitos colaterais muito desagradáveis, como náuseas, diarreias e amarelamento dos olhos. No ano passado, a droga foi procurada por mais de 87 mil pessoas.

Nos últimos tempos, um novo medicamento se tornou tão popular entre os gays que em sites de relacionamento, como o Grindr (o maior deles, com quase 1,5 milhão de usuários, cerca de 20 mil inscritos no Brasil) e o Hornet (1 milhão de usuários), há uma categoria — assim como peso, altura, posição, porte físico — só para informar aos usuários do aplicativo que o indivíduo faz uso do remédio. A informação é considerada um selo de segurança, um tipo de garantia de proteção de que o sujeito está imune ao HIV.

Conhecido por PrEP, sigla de Profilaxia Pré-Exposição, consiste no uso diário, por pessoas não infectadas, de um comprimido azul-claro como o Viagra, chamado Truvada. Desde 2014, o medicamento era comercializado em algumas farmácias brasileiras e, em dezembro, passado passou a ser distribuído pelo SUS. Estudos mostram que sua eficácia na prevenção ao HIV pode chegar a 99%. Seus efeitos colaterais beiram o zero. O medicamento é composto de duas substâncias antirretrovirais — entricitabina e fumarato de tenofovir desoproxila — que têm a capacidade de bloquear o ciclo de multiplicação do HIV no organismo, impedindo a infecção. Entretanto, a droga é inútil na prevenção de outras doenças sexualmente transmissíveis.