No último ano, 41% dos imóveis comprados na planta no Brasil foram devolvidos às construtoras pelos compradores. Os números assustam, e as causas podem ser inúmeras: atraso na obra, negativa de financiamento e perda de emprego do comprador são alguns deles. Segundo a advogada Paula Farias, especialista em direito imobiliário, somente no escritório dela, na Grande Florianópolis, as ações para rescisão de compra de imóveis cresceram 80% em 2016. Sem entendimento firmado, o valor retido pela construtora em casos de distrato (rescisão do contrato) fica a cargo da justiça. Mas um pacto entre representantes dos consumidores e da classe empresária, que está em vias de ser aprovado, deve fixar esse valor
“Hoje no país tramitam dois projetos que tratam o assunto de forma distinta. Um deles, de autoria do Deputado Russomano, traz a retenção de 10% do valor já pago por parte da construtora em caso de desistência e requerimento de distrato. O segundo, por sua vez, menciona a retenção de 25% do valor já pago pelo imóvel, acrescidos de multa de 5% do valor do contrato”, explica a advogada.
Ao encontro dos projetos, no dia 19 de janeiro a Secretaria Nacional do Consumidor mediou um embate entre representantes do setor da Construção Civil e de defesa do consumidor em busca de um acordo sobre o assunto, mas sem sucesso. “De um lado temos as construtoras que investiram o valor já pago pelo comprador naquele imóvel; de outro temos o cliente, que, por não chegar a ter as chaves do imóvel, defende a devolução do valor investido”, afirma Paula.
A falta de um entendimento sobre o tema pegou Renato de surpresa. Ele (sobrenome suprimido a pedido do entrevistado) havia negociado a compra de um imóvel na planta e pagou R$ 10 mil a título de arras (entrada). Porém, após três semanas precisou rescindir o contrato ? que envolvia ainda mais R$20 mil para finalizar a entrada e um saldo a ser financiado. “A construtora reteve todo o valor pago e se negou a conversar comigo sobre o assunto”.
Para ele, uma lei pode ser benéfica para ambos os lados: “Entendo uma retenção que compense o vendedor pelo tempo trabalhado, o custo de o imóvel não ser negociado ou vendido para outra pessoa naquele período, ou ainda a valorização, dependendo do tempo em que o imóvel ficou reservado para um comprador. Mas não considero correta uma retenção de valores desproporcionais”.
Ações das construtoras sobem na bolsa ? Enquanto o distrato é discutido entre as partes envolvidas e no Congresso com os projetos de lei, a queda da taxa de juros faz com que as ações das construtoras se valorizem. Para o consultor de investimentos imobiliários Ricardo Rosa, “a taxa Selic baixando em 0.75%, chegando a 13% ao ano, trouxe novas possibilidades para o mercado imobiliário, valorizando as empresas da área”, comenta ele. As ações das construtoras subiram 190% nesse meio tempo. “Acredito que, quando houver uma regulamentação sobre o distrato, as ações subam ainda mais, pois as construtoras terão mais garantias quanto ao valor recebido”, explica.
“Os distratos em grande parte se dão em duas situações: baixa capacidade financeira do comprador, que se agravou com a crise; ou investidores menos experientes que acreditavam que teriam liquidez para revender facilmente o imóvel até mesmo antes do término da obra e nunca pensou que teria que receber as chaves e honrar com as prestações”, explica André Bueno, sócio da Clamber Investimentos (afiliada à XP Investimentos em Florianópolis/SC). Ele diz que, analisando o cenário atual, o comprador está mais receoso. “O crédito está muito mais restrito e a lei do distrato vai fazer com que as construtoras tenham uma maior previsibilidade no caso de imprevistos”.
Sobre comprar ou não, André é enfático: “Compre o que seu bolso consegue suportar” Para ele, provavelmente a lei, quando aprovada, deixará a regra clara e ficará relativamente pior para o consumidor. “Você saberá quanto irá receber no caso de um distrato. Hoje a justiça geralmente beneficia o comprador, então para quem vai fazer um distrato a decisão de hoje aparenta ser melhor que a que virá”, conclui.
Fonte Estadão Conteúdo