Duas propostas do pré-candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro (PSL), para o sistema penitenciário contrariam decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF). Nessa quarta-feira, 6, Bolsonaro afirmou, em sabatina de pré-candidatos promovida pelo Jornal Correio Braziliense, que a atual superlotação dos presídios brasileiros é um problema “de quem cometeu o crime” e defendeu acabar com as audiências de custódia.
Atualmente, o Brasil tem uma taxa de superlotação nas cadeias de 197,4%, o que significa que existe quase o dobro de detentos em relação ao número de vagas. A audiência de custódia consiste na apresentação do preso a um juiz em até 24 horas após a prisão. O objetivo é que a Justiça possa verificar as condições da prisão, como, por exemplo se houve maus tratos ao preso, e determinar se juridicamente há a necessidade de manter o suspeito encarcerado ou se ele pode responder ao processo em liberdade.
As audiências de custódia são apontadas como uma forma de evitar a superlotação das cadeias e a prática de abusos pelas forças policiais. “Eu acho que a chance de alguém que pratica um furto ficar detido é zero junto com a audiência de custódia. Tem de acabar com isso. E não vem com essa historinha ‘ah, os presídios são cheios e não recuperam ninguém’. É problema de quem cometeu o crime”, disse Bolsonaro.
Ao defender o fim das audiências de custódia e sugerir que a superlotação nas cadeias não seria uma preocupação do presidente da República, as afirmações do pré-candidato do PSL contrariaram duas decisões do STF em julgamentos recentes. Em setembro de 2015, o STF determinou que os juízes e tribunais de todo o país realizem as audiências de custódia em até 24 horas após a prisão. “Como se sabe, a prisão provisória, que deveria ser excepcional, virou regra, ficando os indivíduos meses ou anos detidos, provisoriamente, sem exame adequado das razões da prisão”, afirmou no julgamento o ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo.
O ministro do STF foi favorável à adoção das audiências de custódia em todo o país. “A providência conduzirá, de início, à redução da superlotação carcerária, além de implicar diminuição considerável dos gastos com a custódia cautelar – o curso médio mensal seria, aproximadamente, de R$ 2.000”, disse Marco Aurélio.
A decisão foi tomada numa ação movida pelo PSOL sobre a situação do sistema penitenciário. Nesse mesmo julgamento, o STF também decidiu proibir o governo de contingenciar os recursos do Fundo Penitenciário Nacional(Funpen), que é usado para investimentos no sistema penitenciário, como por exemplo para a construção e reforma de presídios. A medida foi adotada para evitar que investimentos do Estado nos presídios deixassem de ser realizados.
Os ministros também entenderam que a situação do sistema penitenciário brasileiro violava direitos fundamentais dos presos e representava um “estado de coisas inconstitucional”. “A violação da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial autoriza a judicialização do orçamento, sobretudo se considerado o fato de que recursos legalmente previstos para o combate a esse quadro vêm sendo contingenciados, anualmente, em valores muito superiores aos efetivamente realizados, apenas para alcançar metas fiscais”, disse Marco Aurélio.
Em outro julgamento, em fevereiro de 2017, o STF voltou a analisar a situação do sistema penitenciário e definiu que é “dever do Estado” manter nos presídios “os padrões mínimos de humanidade” e que o preso que permanecer encarcerado em situações degradantes de superlotação terá direito a receber indenização por danos morais do governo. A realização das audiências de custódia voltou a ser defendida pela atual presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, em sessão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de fevereiro.
A ministra afirmou que a prática evita a detenção por tempo superior ao exigido por lei e afirmou ser necessário “atuar cada vez mais para realizar as audiências de custódia, para que nem todo aquele que seja preso tenha de ficar preso e por tanto tempo”, ela disse.
Com informações do Portal Uol Notícias