Às vésperas da convenção nacional do partido, que ocorre no próximo domingo, 5 de agosto, o PT parece ter deixado de lado a mágoa com os “golpistas” e tem firmado várias alianças que beneficiam parlamentares e políticos do Nordeste que votaram ou defenderam o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016. Com isso, petistas locais de peso estão sendo rifados a contragosto da disputa em nome de alianças com caciques de partidos nos estados.

O termo “golpista” foi usado e reafirmado diversas vezes por lideranças petistas durante eventos para classificar quem apoiou o impeachment de Dilma. Em Minas, em outubro de 2017, Lula chegou a dizer que estava “perdoando os golpistas”, mas afirmou que eles “fizeram essa desgraça” para o país. Agora, em ao menos quatro estados nordestinos, apoiadores da “desgraça” citada pelo ex-presidente devem apoiá-lo e se coligar com petistas – o que em muitos casos tem gerado insatisfação de boa parte da base histórica do partido.

PE: governador que exonerou deputados para votarem contra Dilma

A maior queda-de-braço entre direção nacional e diretório regional tem se verificado em Pernambuco. Na quarta-feira, 1ª, a executiva do PT decidiu se aliar ao PSB no estado e retirar a candidatura de Marília Arraes ao Governo para apoiar a tentativa de reeleição de Paulo Câmara. O governador pernambucano já sinalizou voto em Lula em 2018, mas em 2016 era um crítico ferrenho ao governo Dilma e exonerou os quatro secretários que estavam afastados da Câmara para votarem pelo impeachment da ex-presidente. À época, houve grande crítica do PT local ao governador.

A situação, porém, parece distante de uma solução. A convenção estadual do partido nessa quinta, 2, decidiu manter a candidatura de Marília, à revelia do consenso nacional, e o partido tem até o dia 15 de agosto (limite para registro de candidaturas) para decidir o que fazer. De quebra, a candidata posou ao lado do senador Humberto Costa, que tentará a reeleição e defendeu o acordo com o PSB.

Procurado pela reportagem do Portal Uol Notícias ainda na quarta, ele disse que não gostaria de comentar sobre a decisão da executiva nacional por não fazer parte dela e por não ter votado. Marília discordou desde o início do acordo com os socialistas. “Ficou provado que esse núcleo do PSB de Pernambuco não tem força para fazer o partido apoiar Lula. O que ele nos oferece é um não apoio, e sinceramente não via outra opção par eles”, disse à reportagem. “É uma candidatura que não é mais de Marília Arraes: ela é da base do PT e que tem um apoio massivo da sociedade de Pernambuco. Eu não tenho o direito de recuar e colocar a candidatura numa mesa, como moeda de troca a preço de banana”, atacou.

CE: apoio a Eunício e espaço para Cid Gomes

No Ceará, outro caso que chama a atenção é o do senador José Pimentel, que ainda luta para não ser obrigado a desistir da candidatura à reeleição e abrir espaço para o ex-governador Cid Gomes (PDT) e para o presidente do Senado, Eunício Oliveira, que também tenta se reeleger. O governo do Estado é comandado por Camilo Santana (PT), que tenta a reeleição e costurou as alianças controversas, mesmo à revelia do partido. Santana é uma “cria” da família Gomes e ficou em saia justa entre as candidaturas de Lula e Ciro Gomes (PDT) à Presidência.

A voz que costuma falar pelo grupo historicamente contrário à ligação do PT cearense com os Gomes é a deputada federal Luizianne Lins – que apresentou recurso ao PT nacional nessa quinta-feira pedindo reconsideração da decisão local. “Primeiro, acreditamos que o partido não pode diminuir de tamanho, e temos uma vaga no Senado já ocupada. E segundo é que o Brasil está nesse descontrole porque fomos vítimas de um golpe trabalhado da maioria da Câmara, e numa nova legislatura temos que ter uma ampla maioria para, no caso de conseguirmos eleger o presidente Lula, ter uma base de sustentação com a cara do povo brasileiro”, afirmou.

Neste caso, a saída de Pimentel da disputa não é vista com bons olhos pela executiva nacional, já que não há aproximação entre o partido e Eunício – que votou pelo impeachment de Dilma, mas tem declarado apoio a Lula. No último dia 30, a presidente nacional do PT, senadora Gleisi Hofmann (PR), publicou no Twitter uma nota dizendo que “o PT não decidiu apoiá-lo, nem o apoiará.” A decisão sobre o recurso será tomada nesta sexta, 3.

AL: aliança antiga com Renan Calheiros e MDB

Em Alagoas, o PT segue com a história repetida há anos de apoiar o MDB, dominado pelo senador Renan Calheiros e agora também por Renan Filho – governador que tenta a reeleição sem adversários de peso da oposição. A chapa oficial ao governo e Senado deve ser quase um “puro sangue”, com três nomes do MDB – além dos dois Calheiros, o vice de Renan Filho deve ser novamente o emedebista Luciano Barbosa. O quarto nome que pleiteia vaga ao Senado é o ex-ministro de Temer Maurício Quintella (PR).

O descontentamento da base histórica do partido com a aliança ficou claro quando os Calheiros foram apresentados na convenção estadual do partido, no domingo passado, 29, e vaiados pelo público. Renan votou pelo impeachment e é do partido do presidente Michel Temer, ex-vice de Dilma, embora se oponha a ele dentro da própria legenda. “Nós nunca engolimos Renan, mas o aceitávamos. Entretanto, depois do impeachment, ele voltar a ser aclamado somente para aproveitar a popularidade do presidente Lula – sem o partido ter sequer o direito a uma indicação grande na chapa – é algo absurdo demais. De quebra ainda traz um ministro do governo que derrubou a Dilma. A militância está indignada, o partido nunca sair da saia dos Renans desestimula qualquer um”, relatou, sob anonimato, um petista com mais de 20 anos de filiação em Alagoas.

A resposta do núcleo petista veio pelo deputado federal Paulão, que tenta a reeleição com apoio dos Calheiros e disse, durante o evento, que as vaias foram localizadas e antidemocráticas. Paulão ainda relatou que o apoio à reeleição dos Calheiros foi definido com grande maioria na executiva do partido e que ambos apoiarão à candidatura do ex-presidente Lula.

PI: apoio a partido que votou contra Dilma e está com Alckmin

No Piauí, a senadora petista Regina Sousa também foi cortada da disputa, mesmo tendo demonstrado interesse na reeleição. Tudo foi feito para que o partido incluísse o senador Ciro Nogueira (PP), que busca a reeleição, na chapa do governador Wellington Dias (PT), que também busca se manter no cargo. Nogueira votou a favor do impeachment, preside o PP e costurou o acordo do seu partido e de outros integrantes do “Centrão” com a chapa presidencial de Geraldo Alckmin (PSDB-SP).

Como consolo, Sousa deve ser indicada a vice na chapa de Dias. Porém, em entrevista a uma emissora de TV piauiense na semana passada, admitiu que não era esse seu plano. “Estava trabalhando para reeleição de senadora. Ninguém tem a base social que eu tenho, estava organizando essa base bem direitinho, com a juventude, igrejas. Ia ser uma caminhada bonita, mas estou sendo chamada para uma missão do partido e vou aceitar”, disse, em tom de frustração.

“Incoerência com coerência”

Para a professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas, Luciana Santana, a estratégia do PT no Nordeste é uma espécie de “sacrifício” para tentar estancar a sangria de perda de cargos – como ocorreu nas eleições de 2014 e de 2016.

“É inegável que o PT não quer perder mais espaços de poder como o que vem acontecendo desde 2014 e que se agravou nas eleições municipais de 2016. E ao que parece, tem se dedicado a investir em alianças eleitorais que possam contribuir com a eleição de candidatos para a Câmara dos Deputados. Há claramente uma escolha que busca sua sobrevivência política, mesmo que para isso tenha que sacrificar nomes históricos ou cadeiras que poderia disputar para o Senado em alguns lugares”, avalia.

Segundo ela, a questão ideológica e os impactos do impeachment contam pouco na hora de decisões de candidaturas. “O objetivo é não perder mais poder e manter ou ampliar sua representação na Câmara. Mas a estratégia é arriscada e pode ampliar o desgaste interno do partido”, afirma. A cientista ainda acredita que, apesar de existir uma incoerência nas uniões com aqueles que o PT chamou por tantas vezes de “golpistas”, as eleições locais têm um perfil diferente da nacional e se justificam para o mundo político brasileiro.

“Existem subsistemas eleitorais estaduais que funcionam paralelamente ao sistema nacional. O discurso de Lula foca o golpe sofrido na arena nacional. Renan é do MDB, participou do ‘golpe’, mas é o principal cabo eleitoral de Lula em Alagoas, quiçá do Nordeste. É uma incoerência com coerência, ou seja, com objetivo eleitoral”, finaliza.

Com informações do Portal Uol Notícias