Quase 9 em cada 10 municípios brasileiros viram seu aumento do percentual de votos inválidos crescer no segundo turno da eleições presidenciais deste ano em relação ao pleito de 2014. Segundo levantamento do Jornal Folha de São Paulo, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre as 5.570 cidades do país, o aumento dos votos brancos e nulos ocorreu em 4.913 (88%) na segunda etapa do pleito deste ano, contra 1.789 em 2014, 2.985 em 2010 e 1.453 em 2006.

O crescimento disseminado ocorreu tanto no caso dos votos brancos quanto dos nulos e em todas as regiões do país, embora de forma mais marcante no Sudeste e no Sul e menos intensa no Nordeste. Enquanto no Sudeste e no Sul quase a totalidade dos municípios registrou alta nos brancos e nulos, no Nordeste essa parcela foi de 70% do total. Tanto no Centro-Oeste quanto no Norte, 90% das cidades tiveram expansão.

Segundo especialistas, esse comportamento indica que muitos eleitores não se sentiram representados nem pelo PT de Fernando Haddad nem pelo PSL de Jair Bolsonaro, eleito presidente na votação do domingo, 28. “O grau de polarização dessa eleição é uma hipótese plausível para explicar o aumento do voto inválido. Uma parcela dos eleitores teve a percepção de que o voto no Bolsonaro era inadmissível, mas, por outro lado, detestava o PT”, diz o cientista político Fábio Wanderley Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Segundo o cientista político Jairo Nicolau, da UFRJ, que pesquisa tendências no padrão de votos inválidos, os dados de primeiros turnos são mais apropriados para analisar o comportamento do eleitor. “No primeiro turno, há mais candidatos e, portanto, o eleitor tem mais escolhas”, afirma. Na primeira etapa da votação presidencial deste ano, os votos brancos e nulos somaram 8,8%, abaixo dos 9,6% do primeiro turno de 2014 e próximo dos resultados de 2006 e 2010.

A fatia ficou abaixo do apontado inicialmente pelas pesquisas de opinião, provavelmente em consequência de um movimento do que analistas chamam de voto útil. Já no segundo turno do pleito de 2018, a fatia de votos inválidos atingiu 9,6% no Brasil como um todo, acima dos cerca de 6% das outras cinco disputas em duas etapas ocorridas desde a redemocratização.

Do total de votos inválidos contabilizados no último domingo, 7,43% foram nulos e 2,14% brancos. Assim como Reis, Nicolau acredita que o aumento das duas modalidades de voto na segunda etapa da votação deste ano pode ter refletido a percepção de falta de opção por uma fatia maior dos eleitores, no contexto da polarização política mais intensa: “É provável que a agenda mais à direita do Bolsonaro e as propostas mais à esquerda do PT não contemplassem os eleitores mais alinhados com o centro, que não se sentiram representados por nenhum dos dois.”

Em 786 dos 5.570 municípios brasileiros, o percentual apenas dos votos nulos — sem considerar os brancos — foi igual ou superior a 10% do total no segundo turno. Em 2014, somente 24 cidades, a maior parte delas no estado do Rio de Janeiro, haviam atingido ou ultrapassado esse patamar. Entre os municípios com votos nulos acima de dois dígitos em 2018, 584 estão em Minas Gerais, 161 em São Paulo e 22 no Rio de Janeiro.

A cidade que ocupou o primeiro lugar do ranking nesse recorte foi Córrego Fundo, no oeste de Minas, onde o percentual chegou a 19,6%, um aumento de 15,1 pontos percentuais em relação ao segundo turno de 2014. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, os municípios com mais votos anulados foram respectivamente, Cássia dos Coqueiros, na região metropolitana de Ribeirão Preto, com 13,6%, e Trajano de Moraes, no centro fluminense, com 14,1%.

Na capital paulista, a fatia de nulos mais do que dobrou em relação ao segundo turno de 2014, passando de 5,5% para 11,2%. Em Belo Horizonte, o percentual cresceu de 3,7% para 8,9%. Na contramão do movimento, na cidade do Rio de Janeiro, os votos nulos caíram em relação ao total, passando de 11,2% para 9%.

No caso dos votos brancos — que historicamente representam uma fatia menor do que os nulos no Brasil —, a parcela de municípios com taxas muito elevadas também subiu no segundo turno deste ano. Entre os 5.570 municípios do país, 99 registraram um percentual de votos brancos acima de 4%, por exemplo. No segundo turno do pleito presidencial de 2014, isso havia ocorrido em apenas uma cidade.

As localidades com taxas de votos em branco muito altas na segunda etapa desta eleição se concentram nas regiões Sudeste e Sul. Segundo Nicolau, os padrões e as mudanças de tendências de votos brancos e nulos também podem estar associados a fatores como tamanho dos municípios, seu nível médio de escolaridade e de renda. O ideal, segundo ele, é que mesmo análises quantitativas cuidadosas que explorem possíveis relações de causalidade sejam complementadas por pesquisas de opinião com os eleitores que invalidaram seu voto.

Para o cientista político da UFRJ, o aumento na fatia de votos nulos e brancos no segundo turno da eleição presidencial deste ano, embora estatisticamente significativo, não foi avassalador. “Confesso que eu esperava um crescimento maior por causa da polarização”, diz.

Ele ressalta que a eleição de deputados no início de outubro não refletiu o mesmo grau de insatisfação sugerido pelo nível alto de votos inválidos registrado nas disputas municipais há dois anos. Para Nicolau, é preciso esperar novos ciclos de votação para uma análise sobre o desengajamento dos eleitores.

Com informações do Jornal Folha de São Paulo