Uma nova proposta de reforma da Previdência, capitaneada pelo economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, e com elaboração técnica coordenada pelo especialista na área Paulo Tafner, já chegou às mãos dos integrantes do atual e do futuro governo. A proposta propõe uma revolução no sistema previdenciário.
Entre as medidas listadas estão a criação de uma renda mínima para idosos —benefício universal sem limite de contribuição ou comprovação de renda; a instituição da Previdência dos militares; a criação de fundos de pensões nos estados, com a retira do gasto com inativos da folha de pagamento estadual; além da previsão de equiparação das previdências pública e privada em pouco mais de uma década.
Aprovado em sua totalidade, o novo regramento vai economizar R$ 1,3 trilhão em dez anos — o equivalente a quase o triplo da economia prevista pela última versão de reforma apresentada pelo governo Michel Temer. Fraga encomendou o trabalho inicialmente para entregá-lo ao apresentador Luciano Huck, quando ele ainda cogitava ser candidato à Presidência. Com a desistência de Huck, manteve o projeto para dar uma contribuição a quem vencesse a eleição presidencial. “Já encaminhamos a proposta ao presidente eleito, e o seu destino é uma decisão interna da equipe dele”, diz Fraga. “Mas o resultado ficou acima das minhas expectativas: simplifica, elimina distorções e injustiças do atual sistema, trazendo mais economia que a proposta atual.”
A primeira medida da nova regra é retirar da Constituição os benefícios previdenciários, que passam a ser detalhados em lei complementar. A ideia é dar flexibilidade a eventuais futuras mudanças, que podem se tornar necessárias de acordo com o envelhecimento da população. Na tentativa de reorganizar todos os regimes em pouco mais de dez anos, a nova regra unifica todo o sistema atual (INSS, servidores públicos, professores e rural), estabelecendo uma idade mínima comum para a aposentadoria: 65 anos tanto para homens quanto para mulheres ao fim do período.
O ponto de partida do sistema é a instituição de uma renda mínima universal para pessoas acima de 65 anos equivalente a 70% do salário mínimo no primeiro ano. Os reajustes são feitos com base na inflação anual e não será preciso contribuir para ter direito ao benefício. “Para receber esse benefício básico, basta provar que está vivo e tem 65 anos”, diz Tafner. Para receber acima desse valor, será preciso contribuir com o sistema previdenciário. A partir de um ano de contribuição, um pequeno percentual é adicionado ao valor mínimo e assim sucessivamente até a aposentadoria.
Segundo a proposta, com 15 anos de contribuição, uma pessoa que ganha R$ 1.000 se aposentaria com um benefício equivalente a 88% da média das contribuições. Para atingir 100%, seria preciso contribuir por 40 anos. A renda mínima substitui o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que garante um salário mínimo para aqueles idosos com renda familiar de até um quarto do salário mínimo, independentemente de contribuição.
Nesse sentido, a nova regra universaliza o benefício. Em contrapartida, diferentemente do BPC, que garante o mínimo, o novo benefício se restringirá a 70% dele. O desenho tem ainda regras de transição. A exigência dos 65 anos vai levar dez anos para servidores públicos e trabalhadores rurais, 12 anos para os trabalhadores do setor privado e 15 anos para os professores. A proposta tem diferenças fundamentais com relação à que está no Congresso. Após idas e vindas, o último desenho previa idade mínima para aposentadoria de 65 para homens e 62 para mulheres e um tempo mínimo de contribuição de 15 anos.
Tafner, que atua como pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da Universidade de São Paulo (USP), contou com uma equipe de especialistas para redigir a proposta. Estão no grupo Leonardo Rolim, ex-secretário de Previdência e consultor da Câmara; os pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Rogério Nagamine e Miguel Foguel; o ex-pesquisador do Ipea Marcelo Pessoa; Pedro Nery, consultor do Senado; e Sergio Guimarães, economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Segundo economistas, a reforma da Previdência é considerada peça fundamental para reorganizar o Orçamento. Em 2019, as contas públicas vão entrar no sexto ano de déficit primário e há pouco espaço para o reequilíbrio, já que boa parte dos gastos é obrigatória. Em 2017, o gasto com o INSS foi de R$ 558 bilhões.
Contas individuais
A proposta de reforma da Previdência patrocinada pelo economista Armínio Fraga estabelece um regime de contas individuais de aposentadoria — a chamada capitalização — para todos os nascidos a partir de 2014. O novo regime de capitalização nasce com o cuidado de incluir apenas aqueles que chegarão ao mercado de trabalho em 15 anos ou 20 anos, de forma a não descapitalizar o sistema atual, de repartição. Isso porque, no regime de repartição, as contribuições vão para uma conta comum em que os mais jovens financiam a aposentadoria dos mais velhos e o governo entra para cobrir eventual insuficiência.
Para evitar déficits, a proposta restringe os aportes feitos nas contas individuais. O futuro trabalhador não vai poder migrar todas as suas contribuições para a capitalização, mas apenas a porção que ultrapassar um teto intermediário, de cerca de R$ 3.800. Assim, a maior parte das contribuições segue no regime de repartição, sustentando aposentados do sistema geral. Segundo Paulo Tafner, coordenador da proposta, a lei prevê que trabalhadores mais antigos também entrem no regime de capitalização. “Mas vai depender de decisão do Executivo e de suas contas”, diz.
A ideia é que os bancos criem fundos específicos para receber as contas individuais. Para estimular a competição com as instituições financeiras, a proposta inclui ainda um fundo administrado pelo próprio INSS. O contribuinte poderá capitalizar até 25% dos depósitos do FGTS recebidos a partir do momento em que abrir sua conta individual. Feito isso, porém, terá de deixar o dinheiro na conta até se aposentar. No regime de repartição, há uma regra que inova: quem contribuir por mais de 40 anos recebe como prêmio o benefício acima do teto previdenciário, hoje em R$ 5.645,80 —Tafner admite que não ser trivial contribuir por tanto tempo.
A proposta avança ainda sobre categorias consideradas sensíveis, como servidores e militares. No caso destes últimos, são estabelecidas regras diferenciadas dentro de um regime próprio de aposentadoria —opção que enfrenta resistências da categoria. Grosso modo, diz Tafner, a proposta prevê que integrantes das Forças Armadas poderão se aposentar mais cedo, aos 45 anos, equiparando o regime brasileiro a boa parte dos países desenvolvidos.
Porém, também de acordo com esses países, o valor da aposentadoria seria menor. Se hoje é possível um militar se aposentar mais cedo com praticamente 100% do salário, a ideia é que esse percentual caia para algo ao redor de 40%, no caso de aposentadoria aos 45 anos, por exemplo. O período de transição dos militares será, contudo, bem mais longo. Enquanto a transição dos servidores públicos duraria dez anos, por exemplo, a dos militares se prolongaria por quase 20 anos. “É bom para o país que nossos soldados sejam jovens, pois os mais velhos podem não aguentar o combate. Então, a regra tem que permitir que o militar saia antes.”
Entre os casos específicos, os policiais militares também terão uma idade diferenciada: poderão se aposentar aos 60 anos —cinco anos antes do previsto no regime geral. Quanto aos servidores públicos, eles seguirão o regime geral, com um benefício que varia de acordo com o salário e o tempo de contribuição. Para os servidores já aposentados, muda a alíquota de contribuição, que hoje é de 11%, podendo chegar aos 14%.
O aumento é uma colaboração pelo fato de terem benefícios mais vantajosos para os quais muitos não contribuíram proporcionalmente. Tafner lembra que o esforço para equacionar os déficits da Previdência dos servidores hoje se concentram sobre ativos e os inativos que ganham acima do teto. A ideia, diz o economista, é criar uma contribuição extraordinária, que poderá ser acionada para cobrir eventuais déficits e será cobrada até de quem ganha abaixo do teto.
“Como nos estados e nos municípios a grande maioria dos servidores ganha abaixo do teto, acaba não contribuindo quando se aposenta. Agora, vão ter que contribuir com 8% toda vez que existir déficit”, diz Tafner. Essa contribuição será progressiva, de acordo com o benefício de aposentadoria, e segundo a decisão dos governos estaduais ou municipais. Na nova proposta, as mães também ganham alguma vantagem sobre a regra geral.
Embora as mulheres se aposentem com a mesma idade dos homens (65 anos), a mães somarão um ano a mais de contribuição para cada filho —limitado a três crianças. Segundo Tafner, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) está pronta, junto com a exposição de motivos e um conjunto de quatro leis complementares —um calhamaço de mais de 400 páginas. Questionado sobre a possibilidade de que sua proposta tenha que dividir os holofotes com a reforma de Temer, Tafner diz que os desenhos são diferentes. “A PEC do Temer põe tudo na Constituição, na nossa proposta a desconstitucionalização é geral. Mas, no mundo político, tudo é possível, eles dão nó em pingo d’água.”
Com informações do Jornal Folha de São Paulo