Se for implementada da maneira como está, a proposta de reforma tributária do candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro vai provocar um rombo anual de R$ 27 bilhões, segundo cálculos feitos a pedido do Jornal Folha de São Paulo pelo economista Sergio Gobetti.
Como a Lei de Responsabilidade Fiscal não permite a redução de impostos sem a criação de compensações, o caminho mais provável para zerar as contas é por meio de corte de subsídios para empresas e de deduções no Imposto de Renda de Pessoa Física.
A proposta de reforma de Bolsonaro, feita pelos economistas Paulo Guedes e Marcos Cintra, está baseada em quatro pilares: isenção de Imposto de Renda para quem ganha até cinco salários mínimos (R$ 4.770); adoção de uma alíquota única, de 20%, para as demais faixas de renda; tributação das empresas, que hoje vai de 24% a 34%, em 20%; e aplicação da mesma alíquota de 20% para o pagamento de dividendos, o lucro distribuído para acionistas de empresas.
Atualmente, não paga IR quem ganha até R$ 1.903,98 por mês, já descontada a contribuição para a Previdência. As empresas pagam impostos quando distribuem dividendos, mas não as pessoas que recebem.
A adoção de uma alíquota única seria uma reviravolta histórica para um país que adota uma tabela progressiva para a renda, baseada na ideia de quem ganha mais deve pagar mais impostos.
Na prática, porém, não é o que ocorre. Os pobres pagam muito mais impostos do que os ricos por causa da taxação do consumo, não da renda. É por isso que há um consenso entre os dois candidatos de que é preciso corrigir a distorção, em parte, alterando a tributação sobre a renda.
O candidato do PT, Fernando Haddad, quer aumentar a progressividade, com a criação de uma alíquota de 35% e taxar os que chama de super-ricos, aqueles que ganhos entre 40 e 60 salários mínimos mensais (R$ 38,2 mil a R$ 57,2 mil). Só a taxação dos super-ricos renderia R$ 80 bilhões, na estimativa de economistas do PT, o que evitaria rombos.
Os dois candidatos, porém, têm um ponto em comum: a isenção para quem ganha até cinco salários mínimos, proposta criticada até por economistas petistas como o ex-ministro Nelson Barbosa por beneficiar quem não precisa de subsídio, na interpretação dele. Bolsonaro adotou uma política liberal que foi moda há 30 anos: a da alíquota única.
Segundo as contas de Gobetti, a isenção até cinco salários mínimos e a adoção da alíquota de 20% no imposto de pessoas físicas geraria perdas de R$ 69 bilhões. A mesma alíquota para as empresas provocaria uma queda de R$ 34 bilhões na arrecadação. Já a tributação dos dividendos traria ganhos de R$ 76 bilhões. O resultado é uma perda de R$ 27 bilhões ao ano.
“É uma proposta positiva, mas não dá para arriscar perder receita na conjuntura atual. Não dá para aumentar o desequilíbrio fiscal”, diz Isaías Coelho, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), onde também é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos Fiscais.
Coelho defende o corte de subsídios para empresas para evitar o rombo. No ano passado, as renúncias fiscais atingiram R$ 237,4 bilhões, o equivalente a 4% do Produto Interno Bruto (PIB). Entre 2011 e 2017, o governo federal aprovou 298 desonerações tributárias. Esse mesmo governo deve gastar neste ano R$ 141 bilhões a mais do que arrecada.
Gobetti aponta que há convergência entre a proposta de Paulo Guedes e mudanças que estão sendo implementadas em países como França, Reino Unido, Chile e Noruega. “A ideia de reduzir o imposto para as empresas e tributar dividendos na pessoa física é praticamente um consenso hoje. Economistas do PT defendem isso. As divergências existem sobre o modo de fazer isso, se de forma progressiva ou com alíquota única”, afirma.
O motivo dessa convergência foi a redução de impostos para empresas nos Estados Unidos, de 35% para 21%, feita pelo presidente Donald Trump. As empresas brasileiras pagam hoje entre 24% e 34% de impostos. Sem a redução, as empresas instaladas no país perderiam competitividade no mercado externo, uma visão comungada por economistas de Bolsonaro e do PT.
Há, porém, críticas duras à adoção da alíquota única de 20% por Bolsonaro. Fernando Gaiger Silveira, pesquisador do Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea), diz que a proposta de Guedes e Cintra é primária porque vai na contramão das discussões internacionais.
“Não faz sentido adotar uma alíquota única de Imposto de Renda num país tão desigual como o Brasil”, afirma. Segundo ele, países que adotaram esse tipo de política, como a Estônia e a Hungria, tinham populações com renda mais homogênea porque haviam acabado de deixar o bloco soviético, nos anos 1990.
Silveira vê risco de a proposta retirar renda da classe média em um momento em que o consumo precisa ser estimulado. Também afirma que a taxação sobre dividendos é exagerada. “O que a gente precisa fazer é aumentar a progressividade dos impostos dos mais ricos e diminuir o imposto das empresas”, afirma.
Há um outro empecilho, segundo ele, para a adoção da alíquota única. Como a progressividade está inscrita na Constituição, teria de haver uma reforma constitucional para adotar a medida. Não será fácil aprovar essa mudança, na visão de Silveira, porque vai ficar claro que a classe média que apoiou Bolsonaro será uma das perdedoras com a mudança.
O economista Marcos Cintra, que está detalhando a proposta tributária de Bolsonaro com Guedes, diz que não haverá perdas de arrecadação. “Não vai haver rombo. Ainda estamos trabalhando no modelo a ser apresentado.” Ele disse que não teve tempo de checar os dados obtidos pela Folha e que não poderia confirmar nem rebatê-los.
Em 25 de setembro, em entrevista à rádio Jovem Pan, Bolsonaro disse que não via problemas com eventuais rombos. “A União perderia arrecadação, sim, mas o gás que você daria para as empresas, para os comerciantes, produtores rurais, para empregar gente, desonerando a folha de pagamento, compensa e muito”, afirmou. Segundo ele, a mudança seria feita “sem sacrifício para ninguém”.
Com informações do Jornal Folha de São Paulo