A decisão da Câmara dos Deputados de incluir no novo Refis a renegociação de dívidas decorrentes de crimes de corrupção provocou reação no Congresso. O relator da medida provisória (MP) do Refis no Senado, senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), afirmou ao GLOBO neste sábado que não vai aceitar o texto aprovado pelos deputados. Segundo ele, caso a Câmara não retire esse tipo de débito do programa, o Senado o fará.
“O texto da MP foi modificado no artigo 1º, incluindo a possibilidade de renegociação de dívidas com a Procuradoria-Geral da União (o que inclui valores a serem pagos por pessoas que fecharam acordo depois de serem flagradas em esquemas de desvio de dinheiro público), mas eu não vou compactuar com essa malandragem. Eu posso derrubar essa medida e farei isso. O texto vai ser devolvido à Câmara”, disse.
A MP do Refis perde a validade no dia 11 de outubro. O texto-base já foi aprovado pela Câmara, mas ainda é preciso votar 18 destaques. Isso deve ocorrer na terça-feira. Depois disso, a proposta segue para o Senado. Questionado sobre a possibilidade de a MP acabar perdendo a validade antes de ser totalmente votada no Congresso, Oliveira afirma que é preferível que a MP caia então.
O líder da minoria na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), disse que as alterações na MP feitas pelo relator na casa, deputado Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG), servem apenas para beneficiar grandes devedores e são uma forma de o governo tentar conseguir apoio para barrar a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente Michel Temer.
“Essa e outras mudanças foram feitas para segurar a denúncia da PGR. Se ela passar assim, o Temer que vete tudo. Essa é a MP do transatlântico, é maior do que o oceano”, disse Guimarães.
O líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), disse que as mudanças feitas por Cardoso na MP fogem ao objetivo original do Refis e que não serão aceitas nem pela sociedade nem pelo Congresso:
“Esse é o entendimento do DEM, e os demais partidos deveriam ter a mesma posição. Há total incompatibilidade do texto com o propósito original da MP. Isso não pode prosperar.
Líderes e integrantes do governo afirmam que as alterações de Cardoso — ele próprio interessado nas benesses do Refis para incluir dívidas de empresas de sua família — servem como incentivo ao não pagamento de dívidas tributárias e não tributárias.
Além de beneficiar corruptos, a MP ampliou descontos em juros e multas dos débitos renegociados e permitiu uma ampla utilização de prejuízos fiscais para abatimento dos valores. A previsão de arrecadação para este ano, que era de R$ 8,8 bilhões, passou para R$ 3,8 bilhões depois que o texto-base recebeu o aval da Câmara.
Tanto que os técnicos do governo admitem que os ganhos de receita obtidos com os leilões de usinas da Cemig e de blocos de petróleo e gás serão consumidos pelas perdas com o Refis. No caso das usinas, o governo teve um ganho extra de R$ 1,2 bilhão. Já os blocos de petróleo e gás renderam R$ 3 bilhões acima do esperado. No entanto, esses R$ 4,2 bilhões poderão ser anulados pela perda de R$ 5 bilhões com o Refis.
— O relator retirou da medida provisória o artigo que vedava essa possibilidade (de parcelamento de dívidas de corrupção). Diante de tantas mudanças, seria melhor que a MP perdesse a validade — afirma um integrante da área econômica, lembrando que o Ministério da Fazenda tem tentado, sem sucesso, barrar as ações do relator.
Esse técnico admite que parte do próprio governo deixou Cardoso ir adiante nas modificações para não desagradar ao Congresso. O vice-líder do governo na Câmara, Beto Mansur (PRB-SP), afirmou que o Refis trata de um escopo grande de dívidas, e, portanto, fica difícil separar o que pode ou não ser incluído no programa. Segundo o deputado, a equipe econômica está torcendo para que a MP caia, mas isso deixaria o Palácio do Planalto numa situação ruim em relação ao Legislativo.
“Para fazer um Refis, às vezes o governo tem que simplesmente tapar o nariz e ir adiante”, afirmou Mansur. O deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) considerou “revoltante” o texto do Refis aprovado pelo plenário da Câmara. Ele disse que a oposição, Rede e Psol, devem fazer obstrução para tentar evitar a conclusão da votação.
Na semana passada, foi votado o texto principal, mas ainda faltam vários destaques apresentados à proposta. O governo tem interesse em aprovar alguns para reforçar pontos do Refis.
“É um absurdo completo o que foi aprovado. Há um jogo de chantagem e conveniências entre a base do governo e o Poder Executivo, de que não pode vetar nada num momento em que Temer precisa de votos para barrar a denúncia contra ele. Tentar parcelar dinheiro da corrupção? O que é isso? Perderam todos os parâmetros. Vamos faz a mais dura obstrução possível”, disse Molon.
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), fez questão de dizer que a mudança no texto da MP do Refis foi feita no início do processo, ainda durante a discussão na Comissão Mista, formada por deputados e senadores.
O relator mudou todo o texto original da MP 783, editada pelo governo, e criou um verdadeiro impasse que durou semanas. Cardoso fez 23 textos diferentes, até chegar à emenda aprovada em plenário na semana passada. O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), não quis se manifestar sobre o texto da Câmara. E disse que está aguardando a MP chegar ao Senado.
Com informações O Globo