Querer proteger os filhos dos desafios da vida, das doenças e das decepções é vontade unânime entre pais e mães. Nem sempre é possível prevenir certas adversidades, porém a ciência tem sido cada vez mais eficiente nesse aspecto. O método de seleção de embriões a partir da fertilização in vitro vem se mostrando eficaz na prevenção de síndromes e doenças genéticas das próximas gerações. “É normal que pessoas que têm essas doenças e desejam ser mães se preocupem em não transmitir a mesma alteração genética para os descendentes”, afirma o oncologista clínico Rodrigo Guindalini.
Segundo o 14º relatório do SisEmbrio (Sistema Nacional de Produção de Embriões), divulgado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2021, houve a realização de 45.952 ciclos de fertilização in vitro no país. No mesmo ano, foram congelados 114.372 embriões, demonstrando aumento em comparação com os 88.503 de 2020.
A técnica de fertilização in vitro, que teve o primeiro sucesso em 1978, na Inglaterra, é muito utilizada por casais com dificuldade de engravidar e tem sido procurada cada vez mais por famílias que apresentam doenças genéticas. O processo é regulamentada pela Anvisa e é usado apenas para questões de saúde, nunca estética.
Fertilização in vitro (FIV)
Segundo o médico especialista em reprodução humana Antônio César Paes Barbosa, para a análise e a seleção de embriões, é necessária a realização de um processo de reprodução assistida. “Ele é composto de várias fases, começando com a super indução da ovulação, passando pela punção ovariana, procedimento realizado em ambiente cirúrgico e habitualmente com anestesia do tipo sedação”, explica.
Após a obtenção dos óvulos, inicia-se o processo de fertilização em laboratório, sendo o mais comum a FIV, que consiste na fecundação do óvulo com o espermatozoide em um mesmo recipiente, formando embriões que serão observados, selecionados e transferidos para o útero materno, dando continuidade à gestação.
Diagnóstico Genético Pré-Implantacional (PGD)
O oncologista clínico Rodrigo Guindalini explica que, ao atingir uma fase de desenvolvimento, o embrião passa pela retirada de algumas células desse embrião para fazer o teste específico. “Quando o embrião já está mais desenvolvido, na fase chamada de blastocisto, é o momento em que você faz a investigação para saber se ele tem ou não a alteração genética”, detalha.
É importante que o embrião tenha chegado nessa fase de desenvolvimento para que se possa fazer a retirada das células, o chamado Diagnóstico Genético Pré-Implantacional (PGD), sem prejudicá-lo. A partir disso, descobre-se se há ou não a presença da alteração genética e, então, faz-se a seleção dos embriões que não a possuem. “Se o embrião herdou a alteração genética, ele tem uma chance, se vier a se desenvolver em bebê, de manifestar a doença”, diz Rodrigo.
O que diz o Conselho Federal de Medicina (CFM)
“Todos esses procedimentos são regulamentados pelo e pelo governo, por meio da Anvisa, não sendo permitido o descarte de embrião saudável e viável”, afirma Antônio César. Contudo, é importante ressaltar que a seleção de embriões só é permitida em questões de saúde, não sendo autorizado o procedimento para preferências estéticas, como cor dos olhos, do cabelo e outros traços físicos.
Segundo o Código de Ética Médica, aprovado pela Resolução CFM nº 1.931/2009, e as normas éticas presentes na Resolução nº 1.957/2010, também do CFM, é proibido também a seleção do sexo do embrião, a não ser quando se visa evita doenças ligadas a cromossomos sexuais.
Quais doenças podem ser evitadas?
De acordo com Guindalini, o método de seleção de embriões é um grande avanço para a prevenção de diversos tipos de cânceres genéticos. O oncologista explica que, hoje, são conhecidos mais de 100 genes que estão atrelados à predisposição hereditária de algum tipo de câncer. O procedimento de seleção de embriões vai depender do gene que está presente em uma determinada família.
“Quando você tem uma paciente em que é detectada uma alteração genética, presente desde o nascimento, essa mutação provoca um aumento de risco de algum câncer. Como a Angelina Jolie, que nasceu com uma alteração genética que aumentava o risco de desenvolver câncer de mama e ovário”, exemplifica Rodrigo. Além do câncer, o método ajuda na prevenção de diversas outras doenças causadas por genes dominantes ou recessivos. São algumas delas:
- Fibrose cística: distúrbio das glândulas, que provoca excesso de mucos nos pulmões.
- Doença falciforme: provoca a formação de glóbulos vermelhos anormais.
- Doença de Tay-Sachs: doença rara que degenera progressivamente o sistema nervoso central, levando a óbito.
- Doença de Huntington: condição em que ocorre o rompimento das células nervosas do cérebro ao longo do tempo.
- Acondroplasia: desenvolvimento anormal dos ossos, configurando-se em nanismo.
- Síndrome de Marfan: transtorno do tecido conjuntivo, que afeta o coração e provoca o desenvolvimento de membros longos.
- Síndrome do cromossomo X frágil: pode desencadear diferentes níveis de comprometimento cognitivo.
Palavra do especialista
Como a seleção de embriões vem ganhando espaço na ciência e na medicina?
No passado, era um procedimento extremamente caro, em que poucos centros estavam aptos para fazer. O processo todo que envolve essa seleção de embriões, hoje, está muito bem desenvolvido em várias partes do país. Os laboratórios do Brasil e todos que trabalham com fertilidade estão propondo uma estratégia a um preço muito mais acessível do que no passado. O que vem acontecendo é o aumento da discussão e da procura. Quando você conversa com pessoas que trabalham com isso em países desenvolvidos, percebe que eles usam muito mais esse tipo de estratégia. A gente enxerga que ainda é subutilizada no Brasil. Mas é um ponto ainda muito difícil de ser abordado na nossa sociedade. E alguns desses tabus precisam ser quebrados, porque a gente não está fazendo nenhuma estratégia de melhoramento da espécie, não é nada disso, mas, sim, tentar evitar a doença para uma futura geração.
Como o procedimento representa avanço nessas áreas?
Já há a estratégia de fertilização em vitro há muitos anos. O que não existia — e o que foi desenvolvido e refinado nos últimos anos — era a possibilidade de exame genético em uma quantidade de material de DNA muito pequena. Você não pode, na hora em que vai fazer uma biópsia, tirar uma quantidade enorme de células de um embrião porque machuca o embrião e o inviabiliza. Você tem que trabalhar com quantidade muito pequena de DNA para fazer esses exames. E esse tipo de tecnologia vem agora se transformando em algo mais acessível. As tecnologias evoluíram demais nas últimas décadas, a ponto de você conseguir oferecer um tipo de teste complexo, que é realizado numa pequena quantidade de DNA, mas com altíssima precisão, por um preço acessível.
Como o maior conhecimento genético possibilita a seleção de embriões?
Hoje, conhecemos muito mais sobre as doenças genéticas, e todo ano você tem uma série de genes novos que estão associados a doenças. Antigamente, a gente conhecia dois genes que aumentavam o risco de câncer de mama, BRCA1 e BRCA2. Hoje, já conhecemos 15 genes que transpõem o câncer de mama. Então, uma pessoa que fez uma avaliação como essas há 15 ou 20 anos tinha a opção somente de ter a investigação de dois genes. Se ela fizer hoje, é uma investigação mais completa. Esse conhecimento, em paralelo, não necessariamente associado ao processo da fertilização in vitro, fez com que ampliássemos as possibilidades para a seleção de embriões.
Rodrigo Guindalini é oncologista clínico da rede Oncologia D’Or.
(*)Com informação do Jornal CB