Três anos depois de deflagrada a primeira etapa da Operação Lava Jato, em março de 2014, as empreiteiras envolvidas encontram cada vez mais dificuldades para se manter de pé. Mesmo com cortes radicais na estrutura para se adequar à nova realidade de receitas, as empresas não conseguem reagir, atropeladas pela grave crise na imagem e pela recessão econômica. Algumas decidiram “hibernar” os negócios até que o cenário melhore. Isso significa desativar praticamente toda a área de construção. Outras estão em recuperação judicial, sem muitas perspectivas de sair. E há ainda aquelas que decidiram focar os negócios em países distantes.

Enfrentam essa situação construtoras que até o início da Lava Jato estavam entre as 15 maiores empresas do setor, como Carioca, Mendes Júnior, Galvão Engenharia, Constran (UTC) e OAS. As quatro maiores da construção – Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Queiroz Galvão – também estão com grandes dificuldades para se recuperar, mas ainda têm gordura para queimar e um pouco mais de obras para concluir.

Na maioria das construtoras, porém, a carteira de projetos se deteriorou rapidamente no último ano e deve continuar assim em 2017. Segundo relatório da agência de classificação de risco Fitch Rating, conforme executam os melhores projetos, as empreiteiras ficam com outros que estão com pagamentos atrasados ou em ritmo lento. Isso enfraquece as expectativas de fluxo de caixa e de recuperação.

A Carioca Christiani-Nielsen, por exemplo, viu sua carteira de obras praticamente desaparecer de 2014 pra cá. Só no primeiro ano sob o efeito da Lava Jato a empresa perdeu 22% das receitas. No ano passado, a situação piorou, com a recessão econômica e a crise no Rio. Fontes ligadas ao grupo afirmam que a empreiteira praticamente fechou a construtora até que as condições melhorem. Ou seja, está tocando apenas as obras contratadas, e com poucos funcionários.

No fim do ano passado, o grupo demitiu o presidente da construtora e todos os diretores. Em atividade desde 1947 – quando começou a atuar no subúrbio do Rio em obras de urbanização –, a empresa foi fundada por Ricardo Backheuser e estava sendo tocada pelo filho Ricardo Pernambuco. Envolvido na Lava Jato, ele foi afastado do grupo, que agora é comandado pelo irmão Eduardo Backheuser. Com a situação financeira delicada, o grupo, que tem concessões rodoviárias e de saneamento, colocou ativos à venda para reforçar o caixa, afirmam fontes.

Em nota, a companhia afirmou que tem procurado, ao longo dos últimos anos, adequar-se a uma nova realidade de mercado. Mas que isso não significa, até o momento, “a decisão de abandonar qualquer área de atividade ou alienação de quaisquer ativos”.

Desmonte. Situação semelhante vive a Constran, do grupo UTC. No início deste ano, o presidente João Santana, que trabalhou durante sete anos na empresa, deixou o cargo. Dos proejtos que a construtora mantinha em carteira, os maiores estão com problemas, a exemplo da Linha 6 do Metrô de São Paulo, cujas obras estão suspensas por desequilíbrio no contrato.

De 2014 para 2015, as receitas da construtora caíram pela metade, de R$ 1,3 bilhão para R$ 758 milhões, segundo dados do ranking da revista O Empreiteiro. Esses números, no entanto, se deterioraram drasticamente no ano passado, afirmam fontes do setor. Em todo o grupo, mais de 20 mil trabalhadores foram demitidos desde 2013 – ou seja, corte de 74% do quadro de funcionários.

Na construtora, houve um desmonte. Ficaram apenas algumas pessoas para resolver contratos ainda em andamento, segundo fontes do setor. Antes da Lava Jato revelar o maior escândalo de corrupção do País, a Constran vinha subindo rapidamente no ranking de construtores. De 2013 para 2014, ganhou quatro posições e alcançou a 13.ª posição. No ano seguinte, no entanto, já havia caído para a 18.ª colocação. Procurada, a empresa não quis comentar o assunto.

Outra construtora que teve rápida ascensão no setor foi a Galvão Engenharia, que até 2014 era a 5.ª maior empreiteira do País, com faturamento de R$ 3,8 bilhões. Em 2015, a empresa entrou em recuperação judicial e, desde então, vem minguando dia após dia. A construtora tem poucas obras em andamento, e que estão sendo concluídas. Fontes próximas à empresa afirmam que se trata de contratos pequenos, como a reurbanização de favelas, cuja execução tem sido muito lenta. Para não configurar abandono de obras, a empresa mantém apenas uns poucos funcionários no local, disse um ex-funcionário.

A empreiteira ainda tem outro imbróglio para resolver: a concessão da BR-153, cujas obras estão paradas. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) havia decidido retomar a concessão. Mas, nos últimos dias, um novo investidor se mostrou interessado na concessão e teria feito uma proposta, afirmou uma fonte do setor. O dinheiro seria usado para honrar os compromissos dentro da recuperação judicial. “O problema é que não há novas obras para tocar. Assim, fica difícil se recuperar”, disse outra fonte ligada à empresa.

Cenário. De acordo com o relatório da Fitch, apesar do esforço do governo de realizar novos leilões de concessão, pouco se espera para 2017 em termos de projetos. Isso significa que será mais um ano de consumo das carteiras de obras. Segundo especialistas, o grande problema é que as empresas não podem deixar suas carteiras ficarem zeradas. Se não, a recuperação fica quase impossível.

“Uma empreiteira é como um escritório de advocacia. O que vale é o acervo técnico, as certificações para fazer obra. Se não conseguem novos projetos, sobra pouco para fazer”, disse um advogado que representa várias empresas de construção. Foi com base nesse acervo que a mineira Mendes Júnior vinha se recuperando de uma crise que quase fez a construtora falir na década de 90. Com o bom momento da economia brasileira, a empreiteira pegou carona no aumento dos investimentos em infraestrutura e conseguiu uma série de contratos.

Mas, com a Lava Jato, a empresa foi a primeira a ser considerada inidônea. Além de não poder participar de novas licitações públicas, a credibilidade ficou comprometida também com a iniciativa privada. Como dizem no mercado, a empresa “hibernou” à espera de uma melhora econômica. Em recuperação judicial desde o ano passado, cerca de 1,7 mil funcionários demitidos há mais de um ano reclamam de não ter recebido seus direitos até hoje. A empresa não tem conseguido nem entregar os balancetes mensais exigidos na recuperação judicial.

Inadimplência.  A crise das empreiteiras brasileiras tem afetado em cheio as associações que representam o setor de construção. Sem obras, com o caixa debilitado e atoladas em dívidas, não tem sobrado nem para pagar as contribuições que bancam as entidades de classe. Na Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro (Aeerj), o número de associadas caiu pela metade entre o segundo semestre de 2015 e janeiro deste ano. “Antes tínhamos 220 empresa adimplentes e hoje só 100”, afirma o presidente da associação Luiz Fernando Santos Reis.

Na Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas (Apeop), o cenário também não tem sido fácil. A inadimplência, que antes variava entre 5% e 10%, hoje está em 20%. Além disso, a associação não reajusta a mensalidade há dois anos, afirma o presidente da Apeop, Luciano Amadio. “Quando a situação aperta, eles cortam isso.” A associação também teve de reduzir a estrutura para adequar ao novo nível de receitas.

Amadio afirma que o setor vive a pior crise de sua história e que a recuperação vai levar, pelo menos, dez anos. Santos Reis concorda e diz nunca ter vivido uma crise tão violenta como a atual. Ele conta que dados do sindicato dos trabalhadores da construção do Rio de Janeiro mostram que o número de trabalhadores sindicalizados caiu de 40 mil em dezembro de 2015 para 2 mil funcionários em janeiro deste ano. “É uma situação muito grave.” Para um especialista em infraestrutura, que prefere não se identificar, a situação pode piorar com a quebra de muitas outras empresas do setor.

Com informações O Estado de São Paulo