Enquanto a economia comemora a criação de 35.612 postos formais de trabalho, a construção civil tenta se recuperar da recessão vivida pelo setor depois que as principais empreiteiras que atuavam no país foram envolvidas na operação lava-jato. Segundo dados do Mistério do Trabalho, a construção civil fechou 12.857 postos no ano passado.

Um estudo elaborado pela Fundação Getúlio Vargas, calcula que a Lava Jato deve ter um impacto negativo anual de 3,63 pontos percentuais sobre o PIB entre 2015 e 2019. O cálculo leva em conta as reduções nos investimentos da Petrobras e no faturamento do setor de construção. “Haveria uma subtração de R$ 284,2 bilhões no valor bruto da produção da economia, a perda de 3,64 milhões de empregos no mercado de trabalho, a redução de R$ 44,7 bilhões na massa salarial da economia e R$ 18,7 bilhões a título de impostos deixariam de ser arrecadados”, diz o relatório.

Para o professor da FGV e sócio da GO Associados, Gesner Oliveira, “a operação teve um peso decisivo na forte queda dos investimentos em produção, com mais da metade de seu montante concentrado na construção civil”. Para a coordenadora de Estudos de Construção Civil do FGV/IBRE, Ana Castelo, a Lava Jato foi apenas uma das causas que levaram a construção civil à crise atual. “Essa retração teve diversos motivos. O quadro de déficit fiscal com cortes de gastos do governo e o fim do ciclo de crescimento imobiliário também tiveram forte influência na paralisação dos projetos”.

O estudo revela que a era “pré-Lava” Jato foi marcada por um crescimento acelerado no mercado de construção civil. Obras bilionárias saíram do papel enquanto pipocavam vagas de trabalho para engenheiros na construção de estádios, rodovias, terminais de aeroportos, usinas e projetos para a Copa do Mundo e a Olimpíada.

Construtoras como Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Engevix caminhavam para a diversificação de negócios, entrando em segmentos além da construção, como saneamento, indústria naval e administração de aeroportos. Quando a Lava Jato eclodiu, elas tinham uma carteira de obras para tocar e contavam com crédito barato para concluir os projetos.

Com a reputação manchada, o crédito secou e não demoraram a aparecer problemas de caixa. Com o cenário sombrio, as empresas mudaram de postura. Os planos de crescimento deram lugar aos planos de sobrevivência, com foco em entregar obras que já tinham. Se, no passado, fizeram lances ousados em leilões de infraestrutura, agora ficam de fora das principais disputas no país.

Classificação

Em meio a novas revelações envolvendo empreiteiras da Lava Jato, as agências de classificação de risco rebaixaram as notas de crédito das principais envolvidas. A Odebrecht, por exemplo, passou a ser classificada pela Fitch como um risco de crédito “muito alto” e “algum tipo de inadimplência provável”.

Sem recursos disponíveis, algumas das empreiteiras começaram a vender ativos para tentar dar fôlego ao caixa. A Odebrecht tem planos de vender R$ 12 bilhões em ativos. A Engevix vendeu sua fatia nos aeroportos de Brasília e São Gonçalo do Amaral. A Camargo Corrêa vendeu sua participação na Alpargatas e na CPFL para fazer caixa.

Em casos mais extremos, não houve saída e o único caminho foi pedir recuperação judicial. Ao menos quatro das nove maiores construtoras que tem executivos que são réus na Lava Jato seguiram esse caminho – OAS, Galvão Engenharia, Schahin e Mendes Júnior. As demissões no setor foram inevitáveis, também agravadas pelos problemas fiscais que paralisaram grandes obras. A OAS, por exemplo, que tinha 120 mil funcionários antes da Lava Jato, hoje tem 35 mil.

IMPACTO

O encolhimento das empreiteiras impactou a economia. Em 2016, o PIB da construção civil recuou 5,2% sobre o ano anterior, agravando o desempenho já ruim da economia brasileira,  que encolheu 3,6% no período segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A atividade das construtoras formais no país recuou 18,2% em 2016, segundo índice medido pelo Sinduscon-SP.

O envolvimento das empresas na Lava Jato acabou deixando vago um espaço na concorrência por grandes projetos que antes não existia, acredita Oliveira, da Go Associados. “A oportunidade de aumentar a concorrência no segmento é uma possível herança da Lava Jato”, avalia o economista. Para ele, o momento é oportuno para a chegada de empresas internacionais e brasileiras de médio porte nas concessões que estão por vir, como o pacote do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), anunciado pelo governo no ano passado.

OPORTUNIDADES

Para o presidente do Sinduscon-SP, José Romeu Ferraz Neto, as médias e pequenas empresas de construção civil têm condições de assumir as obras de infraestrutura no país. “Todos os profissionais que fizeram essas obras anteriores continuam aqui, não perdemos toda nossa inteligência”, diz. Para Ana Castelo, da FGV, exigências regulatórias ainda desfavorecem a entrada de companhias menores nas grandes disputas por obras públicas.

Os estrangeiros, por sua vez, já demonstraram forte interesse em atuar no setor. A nova rodada de leilões dos aeroportos foi disputada somente por grupos internacionais, deixando de fora as grandes empreiteiras do país, protagonistas nos leilões anteriores.

 “O grande ganho da Lava Jato está associado a uma melhora da concorrência e da relação das empresas com o setor público, mas houve um custo inegável em produção e emprego para o país”, considera Oliveira. Para Ana Castelo, da FGV, a crise da construção civil já chegou ao fundo do poço. A nova fase de crescimento do setor, acredita, deve ser comandada pela área de infraestrutura, ao contrário do ciclo anterior que foi concentrado pela área imobiliária. “Infraestrutura é um segmento que leva mais tempo para começar a deslanchar”.

A pesquisadora diz que as grandes empreiteiras não sairão necessariamente de cena. Uma hipótese é que a cúpula destas empresas seja remodelada para viabilizar a continuidade no mercado. “As grandes empresas envolvidas na operação tem uma experiência e conhecimento que não podem ser desprezados”, acredita.

O lado positivo da crise política gerada pela Lava Jato, diz o presidente do Sinduscon-SP, serve para dar um novo parâmetro de qualidade para o setor. “As empresas estão reforçando seus programas de compliance e códigos de ética”, lembra. Empresas como Odebrecht, Camargo Corrêa e Engevix anunciaram reforços na sua estrutura gerencial para melhorar a ética na empresa. Elas investiram em estruturas de compliance para tentar recuperar sua credibilidade e manter seus negócios.

Para Gesner, da Go Associados, a recuperação do setor de construção não será simples. “O mercado de infraestrutura demora a mostrar sinais de retomada”.

 

Fonte: G1