Piada nas redes sociais na semana passada após ser citada pelo presidenciável Cabo Daciolo (Patriota) no primeiro debate presidencial na TV, a União das Repúblicas Socialistas da América Latina, ou simplesmente Ursal, é uma obra de “ficção” criada há 17 anos pela socióloga e professora universitária aposentada Maria Lucia Victor Barbosa.

A pesquisadora disse ao Jornal Folha de São Paulo ter inventado o termo Ursal em 2001 como uma ironia, uma crítica a um encontro do Foro de São Paulo em Havana que ocorreu naquele ano. Na ocasião, participaram da reunião do grupo, que reúne partidos latino-americanos de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o então ditador cubano, Fidel Castro, entre outros.

No evento, Lula fez um discurso veemente contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), dizendo ser um projeto de anexação que os Estados Unidos queriam impor, afirmando que seria o fim da integração latino-americana.

Em artigo publicado na internet em 9 de dezembro de 2001 intitulado “Os Companheiros”, que foi reproduzido em alguns blogs à época, a professora escreveu: “Mas qual seria, me pergunto, essa tal integração no modelo Castro-Chávez-Lula? Quem sabe, a criação da União das Republiquetas Socialistas da América Latina (URSAL)?” — em tom de deboche, ela utiliza o termo Republiquetas, em vez de Repúblicas.

A partir daí, diz a professora, a sigla começou a se espalhar na blogosfera e fugiu a seu controle.  A professora afirma que pessoas telefonavam para ela para saber se a tal união existia mesmo, e ela explicava que era uma invenção. “Eu falava para as pessoas ‘não passa isso’ [adiante], mas não teve jeito, de repente espalhou”, diz ela.

Na internet, a referência mais antiga encontrada para a Ursal é o artigo de Maria Lucia. Cinco anos depois, em maio de 2006, a Ursal já era tratada como um fato em artigo do filósofo Olavo de Carvalho, papa do conservadorismo brasileiro, para o Jornal Diário do Comércio.

Maria Lucia diz que ficou surpresa ao ver sua piada citada por Cabo Daciolo no debate da Band. “Isso é meu, olha onde foi parar, eu fiquei boba”, afirmou. No encontro, na última quinta, 9, Daciolo se dirigiu a Ciro Gomes (PDT) e perguntou a ele, “um dos fundadores do Foro de São Paulo”, o que teria a dizer sobre o plano da Ursal. Ciro responde que não é fundador do Foro e que desconhece a sigla.

Formada pela Universidade Federal de Minas Gerais, a socióloga não declara em quem vai votar para presidente, mas diz que na juventude era de esquerda. “Todos éramos de esquerda, eu achava lindo o Fidel Castro”, disse. “Aí, você me pergunta, ‘o que mudou então?’ Vou parafrasear Paulo Francis: Eu era criança e cresci.”

Hoje a professora aposentada se diz adversária ferrenha do PT porque começou a perceber “que não ia dar certo, como não deu”. E disse que já perdeu coluna em jornal por censura a seus artigos.

Maria Lucia tem alguns livros publicados, entre eles “O Voto da Pobreza e a Pobreza do Voto – a Ética da Malandragem” (Zahar, 1988) — que ela considera seu principal. É autora ainda de “Contos da Meia-Noite”, que, ela brinca, é para ser lido até esta hora, nunca depois.

A ex-professora da Universidade Estadual de Londrina agora se dedica a estudar as redes sociais e seus algoritmos, que ela denomina de “o quinto poder”.  “A mídia é o quarto poder e as redes sociais, sem dúvida, estão se tornando o quinto poder. Veja o caso de Jair Bolsonaro. Ele não tem partido, não tem dinheiro, não tem nada, mas é muito favorecido pelas redes. É um poder paralelo”, afirma ela.

A reportagem procurou a assessoria de Cabo Daciolo para comentar as observações da socióloga, mas não conseguiu falar com ele.

Com informações do Jornal Folha de São Paulo