Bomba. A novidade parecia vir de cima. Como uma brincadeira de ataque. Não só do desenho fustigado feito das nuvens, como se fossem moldados a mão. No tempo invernoso de início do ano, a novidade surge em temporais tão rápidos que, em poucos instantes, transformam a areia em barro.

Depois de seis anos sem chuvaradas permanentes no sertão, a boa-nova seria um minuto, uma hora a mais de água no corpo, no campo, no rio. O sertanejo chama de inverno o que é raro. O tempo das águas é como um estrondo. A família de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, se assustou com a chuva que poderia deixar a vida sem chão.

Oitenta anos depois da ficção, o sertão também tem novos caminhos reais. Em pleno semiárido nordestino, o tempo das águas ajuda a encontrar soluções para quando não houver nuvem no céu. Por ser vital conviver com a natureza tão seca, novidades vêm de cima, do lado, de baixo. Uma delas é uma bomba de semente.

Alunos da rede pública de Juazeiro do Norte e do Crato, no estado do Ceará, transformaram a brincadeira de lançar bombinhas criando um estilingue maior. A bomba – feita de 20% de barro, 80% de esterco e com a semente de alguma árvore escondida no centro – é lançada em algum lugar desmatado.

Nessa época mais molhada, as sementes fixam melhor no chão, conforme explica a coordenadora do projeto, a permaculturista Ana Cristina Diogo, que fundou uma organização não governamental (Juriti), que promove bem mais do que uma brincadeira de jogar bombinhas na floresta. Ela explica que recuperar a mata nativa em regiões sertanejas, como a do Cariri (CE), é fundamental para preservar o solo e, por consequência, recursos hídricos na Chapada do Araripe.

“É um trabalho de conscientização simples a partir da semente. Buscamos caminhos para sermos guardiões. Fazemos lançamentos em áreas degradadas. Uma experiência que pode mudar o mundo. Crianças e adolescentes ressignificam, assim, sua relação com a natureza”, disse Ana Cristina Diogo.

A ideia é que as crianças passem a conversar em casa e entre elas. Aprendam que o pai da ideia foi um japonês Masanobu Fukuoka (morto em 2008), que fez história com o cultivo por meio de “bombas” na Tailândia e em alguns países africanos. No século 21, os filhos de “fabianos” e “vitórias”, agora com nome e ideal, querem espalhar a novidade na mesma velocidade que semeiam as plantas.

Os próprios jovens junto com estudantes universitários da região criaram um programa na internet para promover conscientização em relação ao meio ambiente, o Vem me Ver. Com vinheta de abertura e entrevistas, as notícias são como bombas de cidadania e sonhos.

Fruto e cobertura morta

Outro exemplo é do agricultor pernambucano Pedro Gonçalves da Silva, hoje com 65 anos, que chegou ao Ceará como vaqueiro, mas resolveu aproveitar cursos gratuitos para trabalhar no campo. Criou 13 filhos ao apostar em hortas orgânicas. A família inteira mora no mesmo terreno, em casas de taipa que eles ergueram com os próprios braços.

Já pensou até em ir embora, tais foram os prolongados períodos de estiagem. No entanto, aprendeu a conviver com a falta de chuva a partir da reutilização da água e com coberturas de plantas mortas nos corredores que ajudam a manter a umidade nas hortas de arroz e milho. Com um detalhe: nada de veneno nas plantas.

A filha de Pedro, a professora e pedagoga Joana Ferreira Gonçalves, de 35 anos, em um turno, espalha a ideia de preservação, na outra parte do dia, cuida da plantação. “A gente tem que diminuir o consumo e reutilizar a água, como a do banho. Nós passamos a plantar em pneus, usamos cobertura morta. Essa ideia de não usar agrotóxico protege todo o meio. Isso tudo começou com a minha mãe”, conta.

Dona Bia, que morreu há dois anos, foi a incentivadora de não usar agrotóxico e de preservar mais a água, uma visão mais completa do habitat. “Envolvemos a comunidade inteira e não só a família. Banimos veneno de vez. Fizemos o ecossistema acontecer. Atraímos a joaninha, por exemplo, que se alimenta do pulgão, praga da plantação. A gente conscientiza os vizinhos, as escolas. As crianças tocam muito os pais”, relata a professora.

“Tudo o que você plantar aqui dá, mesmo com pouca água”, complementa. Joana, inclusive, criou os próprios defensivos por meio de experimentações (usa de urina de vaca até pimenta) e inspirações em cursos oferecidos pela prefeitura e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) na região.

Estratégia está também na horta do agricultor Francisco Salustiano da Silva, de 32 anos. Ele já colocou o pé na estrada atrás da chance de plantar uva. Saiu de Juazeiro, na Bahia, para a xará cearense Juazeiro do Norte onde implementou o que aprendeu. “Para a uva, não precisa de muita água. É uma fruta adaptada para o semiárido. Nós usamos a cobertura morta e molhamos duas vezes na semana, é o suficiente”. O resultado da plantação ele vende na cidade. Os agricultores da região trabalham com gotejamento e microaspersão de água para gastar menos, a exemplo do que ocorre em outras regiões e países de prolongadas estiagens.

Partindo para o sertão central do Ceará, estado com maior porção de semiárido do Brasil, o cenário cinza e de cactáceas faz com que moradores e produtores criem soluções diferentes. Cataventos para bombear a água com a força do vento, e não de um motor, fazem parte do cenário.

À beira da estrada, uma pequena hortinha suspensa no rumo de Quixeramobim. Francisco Silva, de 45 anos, e o filho, Antônio, de 20, plantam hortaliças em estrutura improvisada acima do chão com irrigação a partir de um poço de aluvião. Com menos terra, a ideia é utilizar menos água. “Estamos há muito tempo sem uma chuva mais forte”, diz o pai. O cultivo é para a própria família. Os ganhos, por sua vez, vêm do trabalho em uma fazenda para criar gado.