O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luís Felipe Salomão concedeu medida liminar para suspender a ordem de reintegração de posse da área hoje ocupada pelo acampamento Zé Maria do Tomé, em Limoeiro do Norte (CE). A decisão, de 21 de dezembro de 2018, atende a pedido de tutela de urgência em recurso especial protocolado pela Defensoria Pública da União (DPU) no STJ no dia 13 do mesmo mês.

Desde 2014, cerca de 200 famílias de agricultores familiares vivem na ocupação, que fica na região do Perímetro Irrigado do Jaguaribe, na Chapada do Apodi, no município de Limoeiro do Norte. O terreno é de propriedade da União e tem o uso regulado pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). Com apoio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), os acampados exigem o cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em 2010 pelo Dnocs e a destinação da área a famílias de pequenos agricultores.

No dia 21 de novembro passado, a Polícia Militar chegou a tentar cumprir o despejo das famílias, mas foi acordada a suspensão da ação após negociação entre lideranças do acampamento e oficiais da PM, com mediação da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas de Direitos Humanos (COPDH) do Governo do Estado. À época, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informou que haveria “a necessidade de um planejamento mais aprofundado para que o cumprimento da ordem judicial acontecesse de forma tranquila”.

No pedido, a DPU solicitou que fosse suspensa a ordem de imissão de posse determinada pelo juízo da 15ª Vara Federal do Ceará até o término da análise de mérito do recurso principal feito ao STJ. A petição foi protocolada em dezembro pelos defensores públicos federais Esdras dos Santos Carvalho, titular do 5º Ofício Superior Cível em Brasília, e Eduardo Nunes de Queiroz, na função de defensor nacional de Direitos Humanos.

O requerimento da DPU foi acompanhado de documentos de entidades de defesa de direitos humanos, como o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), a Cáritas Brasileira Regional Ceará e o Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar, da Assembleia Legislativa do Ceará. Todas as entidades indicavam preocupação com os riscos à integridade das famílias ocupantes da área em litígio. Também atestava que o Governo do Estado estava envolvido na mediação do conflito para buscar uma solução pacífica.

Antes, ainda no final de novembro de 2018, o defensor público federal Edilson Santana, que estava à frente da Defensoria Regional de Direitos Humanos da DPU no Ceará, já havia realizado pedido semelhante à 15ª Vara Federal no Ceará. O defensor alertava que havia avanço nas “medidas institucionais para a mediação do conflito”, sobretudo desde agosto de 2018, após reuniões promovidas pela Ouvidoria Estadual de Direitos Humanos, órgão vinculado à COPDH.

Com teor semelhante, no pedido feito ao STJ, os defensores reforçaram a necessidade de suspender qualquer medida compulsória de retirada das famílias ocupantes para “priorizar alternativas concretas para a conciliação”. Após muitos anos de ocupação da área, o Dnocs celebrou um TAC em 2010 com o objetivo de regularizar a situação dos posseiros, no âmbito da ação civil pública em andamento na 15ª Vara Federal da Justiça Federal no Ceará (Processo nº 0005095-16.1999.4.05.8101).

Entenda o caso

A implementação do Perímetro Irrigado da Chapada do Apodi iniciou-se no final dos anos 1980, atingindo centenas de famílias de pequenos agricultores rurais da região. Em julho de 2010, o MPF e o Dnocs assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para regulamentar a ocupação e promover a regularização fundiária do Projeto de Irrigação.

No TAC, o Dnocs se comprometeu a, em um prazo de 180 dias, garantir a destinação de mil hectares a pequenos irrigantes, viabilizando a desapropriação necessária e realizando cadastramento georreferenciado de uma área calculada em 3.350 hectares. A área seria destinada à Associação dos Ex-irrigantes do Projeto de Irrigação Jaguaribe – APODI e a pequenos produtores rurais a serem inseridos na exploração da área.

No entanto, passados mais de quatro anos dos compromissos assumidos pelo Dnocs no TAC, sem o implemento das obrigações admitidas pelo órgão federal, famílias de pequenos agricultores das comunidades da Chapada do Apodi montaram o acampamento Zé Maria do Tomé para fazer cessar diversos conflitos na região, marcados por grilagens de terras públicas no perímetro irrigado Jaguaribe/Apodi e pela expulsão de pequenos agricultores do perímetro.

Em abril de 2010, a situação já havia sido agravada com a execução de Zé Maria do Tomé, em Limoeiro do Norte, líder camponês que lutava contra a pulverização de agrotóxicos e a grilagem de terras públicas na região do Jaguaribe. Ele dá nome à ocupação organizada pelo MST em Limoeiro do Norte.

Depois de mais de oito anos de descumprimento do TAC, o Dnocs pede o despejo das famílias que ocupam o território, apesar de a área relativa ao perímetro irrigado estar desobstruída desde 2014, não tendo qualquer impedimento ao direito de ir e vir nem falta de fornecimento de água para o Projeto.

Além disso, em março de 2015, o Dnocs criou um Grupo de Trabalho Interministerial para viabilizar um projeto de assentamento de famílias de pequenos agricultores na área e que ampliava a destinação de terras dos mil hectares previstos no TAC de 2010 para 1.700 hectares.

COM DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO