O Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu investigar possível favorecimento de empreiteiras alvo da Operação Lava Jato no Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU). A corte constatou que, sem amparo legal, o órgão do governo deixou de abrir ou paralisou processos de apuração da responsabilidade das empresas envolvidas nos esquemas de corrupção da Petrobrás e de outros órgãos públicos. Os ministros também questionam a pasta por, supostamente, negociar nos acordos de leniência – espécies de delações premiadas de pessoas jurídicas – ressarcimento mais baixo que o valor efetivamente desviado dos cofres públicos.

Os integrantes da corte afirmaram que os atos do ex-ministro interino e ex-secretário-executivo da CGU no governo de Dilma Rousseff Carlos Higino Ribeiro de Alencar estão no foco das apurações. Ele foi o responsável por autorizar a paralisação de vários processos. O Estado apurou que a corte também vai averiguar medidas de outros gestores que possam, eventualmente, ter favorecido as investigadas na Lava Jato. O caso ficará sob relatoria do ministro Walton Alencar.

Higino foi exonerado da secretaria-executiva da CGU em agosto, dois meses após o atual ministro da pasta, Torquato Jardim, nomeado pelo presidente Michel Temer (PMDB), assumir. Em sua gestão, ele teve sucessivos embates com ministros do TCU sobre a forma de conduzir os acordos de leniência. O caso chegou a ser levado ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A abertura de processos de responsabilização é uma obrigação prevista na Lei Anticorrupção, de 2013, que prevê penas altas para as empresas quando a investigação comprova ato lesivo à administração pública. Conforme o TCU, o Ministério da Transparência determinou a suspensão desses procedimentos e, em outros casos, não os instaurou, sob o argumento de que as empresas manifestaram interesse em fazer acordos de leniência, confessando a própria participação nos ilícitos e acertando o valor da restituição ao erário. No entanto, a corte sustenta que, pela legislação e o decreto que a regulamenta, de 2015, isso só pode ocorrer quando o acordo é efetivamente celebrado.

Tempo. Os auditores do tribunal, que fizeram uma inspeção na pasta em novembro, constataram uma situação “indevidamente” benéfica às empreiteiras. Enquanto as investigações não andam, elas se livram da apuração dos ilícitos e, em consequência, das eventuais sanções. Continuam, assim, autorizadas a fazer novos negócios com o poder público por tempo indeterminado – em caso de conluio e fraude a licitações, como ocorreu na Lava Jato, a principal penalidade aplicada pelo governo é a proibição de participar de licitações. Paralelamente, as tratativas dos acordos têm se arrastado indefinidamente, sem que o erário seja restituído. Como são prorrogadas a cada 180 dias, algumas já têm dois anos.

O assunto foi discutido pelos ministros do TCU numa sessão sigilosa, na última quarta-feira, 22, na qual foi anunciada a investigação sobre os atos do Ministério da Transparência. Segundo relatos colhidos pelo Estado, a suspeita é de que as medidas foram tomadas em consonância com “interesses privados”.

Na sessão de quarta-feira, os ministros também apreciaram processo, relatado por Walton, sobre o acordo de leniência da UTC, cujo acionista principal, Ricardo Pessoa, foi um dos primeiros delatores da Lava Jato. Eles decidiram que o Ministério da Transparência terá de reabrir investigação contra a empresa e fazer outros ajustes na negociação. A principal preocupação é quanto ao valor de ressarcimento em discussão com a empreiteira. O TCU estima que o prejuízo causado pela construtora nos processos da Petrobrás supera R$ 1,6 bilhão. Contudo, a pasta negocia pagamento de cerca de cerca de R$ 500 milhões. A empresa, por sua vez, ofertou cerca de R$ 350 milhões.

Numa outra decisão, tomada na semana anterior, os ministros determinaram que a Transparência investigue a Aceco TI. A empresa, fornecedora de salas-cofre para o governo federal, propôs um acordo de leniência em março do ano passado, no qual manifestou o interesse de relatar o envolvimento de seus executivos em possíveis ilícitos. Nenhum processo de responsabilização havia sido instaurado.

Desde dezembro de 2014, o Ministério da Transparência anunciou a abertura de 29 processos de responsabilização contra empresas investigadas na Lava Jato, dos quais oito foram concluídos. Em cinco casos, as empreiteiras foram punidas com a declaração de inidoneidade, que as impede de participar de licitações. Em outros três, os casos foram arquivados por falta de provas. Mais 21 continuam existindo, estejam suspensos ou não. Em 12 desses casos, a pessoa jurídica alvo da apuração negocia acordo de leniência.

Defesas. O Ministério da Transparência informou, em nota, que decisão do TCU  está sob análise da Advocacia-Geral da União (AGU), “a quem cabe decidir” sobre recorrer ou embargá-la. A Transparência não se pronuncia sobre o conteúdo dos acordos de leniência, pois, conforme a Lei Anticorrupção, eles tramitam sob sigilo. Alguns dos questionamentos do Estado não foram respondidos.

Higino disse que não há qualquer irregularidade na suspensão dos processos de responsabilização. “Tenho absoluta convicção de que os procedimentos adotados por todos os ministros foram absolutamente de acordo com a lei”, declarou. Ele disse que todas as paralisações foram autorizadas seguindo orientação das comissões de investigação, formadas por servidores de carreira, nomeadas para tocar os processos. “Em nenhum momento, nenhuma norma foi violada.”

Sobre o andamento dos acordos de leniência, Higino acrescentou que, em algumas situações, a pasta teve de aguardar as investigações da Lava Jato. Caso adiantasse as negociações, informou, poderia haver prejuízo às apurações na esfera criminal. “O ‘timing’, muitas vezes, foi acordado com o MPF (Ministério Público Federal).”

O ex-secretário alegou também que, quando o governo negocia um acordo, as empresas apresentam provas dos ilícitos que cometeram. Caso não se chegue a um entendimento ao final das tratativas, o processo de responsabilização é reaberto. Porém, não podem ser usados os dados apresentados pela pessoa jurídica no acordo que não vingou.

O ministro Walton Alencar, procurado em seu gabinete e por e-mail, não respondeu à reportagem.

Com informações O Estado de São Paulo