A queda inédita da cobertura das principais vacinas do Calendário Nacional de Vacinação, nos últimos dois anos, no Brasil, pôs o Ministério da Saúde em alerta. Segundo dados do Governo Federal, houve diminuição da cobertura vacinal – percentual da população vacinada – até em doenças consideradas já erradicadas no Brasil, como o sarampo e a poliomielite.
O caso da poliomielite, também conhecida como paralisia infantil, é o que mais chama a atenção: entre 2013 e 2017, o percentual de crianças vacinadas caiu de 100% para 77%. Outras vacinas como a tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) e a pentavalente (difteria, tétano, coqueluche, meningite tipo B e poliomielite) também despencaram a índices abaixo de 80%, mesmo após tendo chegado nessa década a coberturas consagradas de 100%.
Por trás destas quedas, diante de alertas sobre o risco da volta da poliomielite e de epidemia de sarampo em algumas regiões do país, paira uma dúvida: o que de fato é falta de vacinação e o que se explica por problemas no registro dos dados das doses aplicadas. Uma troca do sistema nacional de dados sobre vacinação no Ministério da Saúde em 2010, mas que só começou a ser usado pelos municípios de forma ampla em 2016, trouxe problemas a muitas cidades e é um dos principais responsáveis pela queda de cobertura de vacinas registrada no Brasil nesses últimos dois anos.
Por falta de estrutura ou de treinamento, muitas prefeituras ainda não usam corretamente o programa, o que gerou um atraso no envio das informações de vacinação. É com base nesses dados que o Ministério da Saúde define as políticas e campanhas de vacinação. Se a criança não recebe a dose necessária, ou essa informação não é enviada no prazo correto, é como se houvesse faltado a vacinação e o município entra no sistema com menos gente protegida.
As prefeituras contestaram os dados. Já o Ministério da Saúde reconheceu possíveis erros, mas disse que a responsabilidade pelo envio de informações é dos municípios e estados. Mesmo com as falhas, dizem ter havido menor procura pelas vacinas. O Calendário Nacional de Vacinação do Ministério da Saúde inclui atualmente 19 vacinas gratuitas – todas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os especialistas consultados pela reportagem do Portal Uol Notícias defendem o sistema público de vacinas e rechaçaram a ideia de que movimentos antivacinação sejam responsáveis pela queda na cobertura.
Os profissionais também não apontaram que a causa seja a falta de doses em postos – exceto alguns casos pontuais e classificados historicamente como normais. Segundo apurou o Portal Uol Notícias com estados e municípios, boa parte dos casos de baixa cobertura se referem, na realidade, a falhas no preenchimento ou na implantação do novo sistema adotado para contabilidade, o Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização (SI-PNI).
Hoje, em torno de 60% das secretarias municipais de Saúde usam o programa para informar dados ao ministério – a partir deles é feito o mapa da cobertura vacinal no país. O novo sistema permite a identificação de nome e moradia do vacinado, e não apenas do local onde foi realizada a vacinação. Isso gerou necessidade de uma maior informatização nos postos e gerou mais trabalho aos servidores, o que atrasou muitos envios de informações.
Ministério apontou 312 municípios com baixa cobertura
O Portal Uol Notícias procurou alguns dos 312 municípios registrados pelo Ministério da Saúde com cobertura vacinal abaixo de 50% de poliomielite e com potencial risco de volta da doença. A presença na lista assustou os responsáveis pelos programas nas cidades e todos os municípios procurados pela reportagem questionaram os dados do governo federal.
Em Itabira (MG), o percentual informado pelo PNI foi de 1,87% de crianças vacinadas, quando a prefeitura afirma que o número correto é de 83%. Segundo o município, o problema ocorreu em decorrência de conflito na exportação dos dados do sistema próprio da Secretaria Municipal de Saúde para o programa do ministério. “Para solucionar o problema, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais e a Secretaria Municipal decidiram zerar a base de dados do governo federal, o que ocorreu em 21 de junho de 2018”, informou.
Muitos outros casos similares ocorreram em todas as regiões do Brasil. Em Gilbues (PI), por exemplo, o ministério contabilizou 5,38% de crianças vacinadas, enquanto o percentual do município ficou em 85,87%. Osório (RS) aparece na lista do ministério com percentual de 37,94% de vacinados, mas a secretaria local listou 94%. Já em Franca (SP), o percentual computado em âmbito federal foi de 24,1%, quando o município afirma ser de 66% o percentual correto.
“A Vigilância Epidemiológica continua levantando as planilhas dos últimos anos e repassando novamente à secretaria estadual e ao Ministério da Saúde os informes atualizados e reais”, disse a prefeitura. Em Riachinho (TO), a Secretaria de Saúde informou que a cobertura está acima dos 70%, mas o ministério aponta o percentual em 7,58%. O problema, disse o município, ocorreu na instalação do novo sistema do ministério, que resultou em atraso do envio dos dados.
O que diz o governo?
Segundo Denise Castro, assessora do Programa Nacional de Imunização em Alagoas – onde 50% dos municípios usam o novo sistema –, o novo método é “maravilhoso”, mas o período de adaptação gerou problemas no cadastro percebidos em municípios do estado. “Agora nós sabemos quem é vacinado, antes se fazia um xis em um mapa apenas com a idade. Apesar de bom, isso dificultou [a rotina], porque leva mais tempo, precisa de um computador na sala”, explica. “Visitamos e vimos casos de municípios que estavam com dados a serem digitados, aí tem o caso do computador quebrar e ter de fazer manual até consertar. Tudo isso dificulta.”
Procurado, o Ministério da Saúde reconheceu possíveis erros nos dados e afirmou que cabe a municípios e estados avisar à pasta “caso ocorra algum problema de compatibilidade dos sistemas do município com o Ministério da Saúde”. Para o ministério, os dados são cruciais “para que a pasta tenha a real situação das coberturas das vacinas ofertadas no Calendário Nacional de Vacinação”.
“Para os que têm sistemas próprios de informação online, deve ser feita a migração dos dados para o SI-PNI. Caso haja divergência nos dados após a migração, cabe aos gestores locais informar ao Ministério da Saúde para a correção de possíveis erros”, informou. Sobre a falta de implantação em algumas cidades, a pasta defende que haja a informação detalhada dos pacientes vacinados.
“Aos municípios que ainda não possuem salas de vacinas com SI-PNI implantado, o Ministério da Saúde orienta para que atualizem constantemente o sistema de doses aplicadas e para que façam a adesão ao SI-PNI o quanto antes, pois somente com o sistema nominal é possível identificar os locais com bolsões de pessoas suscetíveis a doenças evitáveis por imunização”, completou.
Falta de visibilidade de doenças
Para a presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Isabella Ballalai, apesar de o novo sistema estar em “período de transição e subnotificar dados vacinações”, há uma queda na cobertura notada nos últimos anos. Ela atribui isso a uma falta de percepção social do risco de doenças já extirpadas do país.
“O que aparentemente é o maior motivo é não vermos mais essas doenças. São gerações que não viram sarampo, pólio, como ocorreu em outros momentos da história, e levam isso com despreocupação, sem medo, e relaxam em relação à vacina”, diz.
A presidente da instituição afirma que o antivacinismo no Brasil está longe de ser um problema significativo, como nos EUA e na Europa. “Lá fora eles têm isso mais estruturado. Na França, pesquisa mostra que 41% da população não acredita na segurança das vacinas, enquanto no Brasil a percentagem é de 4%”, diz.
“Aqui, não há medo vacina. Quando há um surto, todo mundo corre para o posto. A gente se previne quando vê o risco, é da natureza humana”, completa. Ballalai defende o calendário vacinal brasileiro como um dos melhores do mundo “Aqui tem quase todas as vacinas que são importantes”, sinaliza.
Segundo a assessora do PNI em Alagoas, Denise Castro, um outro fator que pode explicar a queda é o aumento nas vacinas nos últimos anos. “A criança tem que fazer 11 vacinas. Um bebê de dois meses, por exemplo, tem de tomar três injetáveis e uma oral, e aí o pai pede duas e diz que as outras duas vêm depois. Isso vai atrasando o calendário”, afirma.
Na nota enviada ao Portal Uol Notícias, o Ministério da Saúde também aponta a desinformação sobre doenças como fator importante na queda apontada pelo sistema. “O sucesso das ações de imunização – que teve como resultado a eliminação da poliomielite, do sarampo, da rubéola e síndrome da rubéola congênita – tem causado em parte da população e – até mesmo em alguns profissionais de saúde – a falsa sensação de que não há mais necessidade de se vacinar. No Brasil, ainda há um desconhecimento individual sobre a importância e benefícios das vacinas”, finaliza o comunicado.
Com informações do Portal Uol Notícias