O Brasil tem acompanhado a popularização do uso de moedas virtuais. O Bitcoin, moeda virtual mais popular do mundo, por exemplo, já atingiu a marca de 1 milhão de adeptos no Brasil. As moedas virtuais, com potencial para alavancar o mercado financeiro nacional, por outro lado, cria um grande desafio para as autoridades que atuam no combate à corrupção.

A complexidade dos sistemas utilizados para produzir moedas virtuais, e a proteção, utilizada para garantir a isonomia das transações, pode servir como uma ferramenta perfeita para quem pretende lavar dinheiro ou esconder o verdadeiro patrimônio dos órgãos públicos.

No começo deste mês, a Receita Federal e a Polícia Federal prenderam, pela primeira vez, uma organização criminosa que utiliza bitcoin para enviar dinheiro ilegal para o exterior. Em um desdobramento da Operação Lava-Jato, no Rio de Janeiro, as autoridades descobriram criminosos que fraudavam licitações para o fornecimento de pães em presídios. Ao analisar os computadores dos envolvidos, investigadores descobriram pelo menos quatro operações com bitcoin que enviaram R$ 300 mil ao exterior.

Operações fraudulentas por meio de moedas virtuais podem estar ocorrendo neste momento. O sistema atrai criminosos por ser mais difícil de rastrear que os métodos tradicionais. Operações usando contas bancárias no Brasil ou no exterior precisam do intermédio de uma instituição financeira, reconhecida pelo governo brasileiro ou do País em que esteja instalada. Todas as movimentações são registradas, mesmo que sejam utilizadas identidades falsas. Já no mercado virtual, as transações também são registradas. Mas os dados de quem são os donos das contas ou carteiras de mineração são sigilosos e protegidos por criptografia.

Um tipo de crime cada vez mais comum é o ataque usando um ransonware. Esse vírus sequestra dados de computadores pessoais, órgãos públicos e de empresas. Os criminosos exigem o resgate em bitcoins, pois o destino do dinheiro não pode ser localizado.

O bitcoin utiliza a criptografia P2P, ou seja, de ponta a ponta, onde só quem tem acesso às informações são os envolvidos na transação. É a mesma tecnologia utilizada por aplicativos de comunicação, como o WhatsApp. O advogado Ricardo Nicolette, especializado em moedas digitais, direito das coisas e da tecnologia da informação, destaca que o anonimato dos usuários é um facilitador para o uso do meio virtual para fraudes.

“As possibilidades com o bitcoin são praticamente infinitas. De fato, o sistema é extremamente complexo e seu rastreamento ainda é bem complicado de se efetivar. Na maioria dos casos, não é necessária qualquer identificação ou cadastro dos usuários que aderem à rede”, afirma.

O especialista alerta que até mesmo grupos terroristas utilizam o sistema para receber recursos. “Já existem sérios indícios de que o grupo terrorista Isis (Estado Islâmico), por exemplo, já efetivou transferências e recebeu doações. Em tese, tendo em vista o anonimato, a falta de órgão centralizador e a alta e complexa tecnologia, existe grande possibilidade para que a criptomoeda possa ser usada mais facilmente para lavagem de dinheiro e outros atos ilícitos”, completa.

Deepweb

Além da internet comum, essa em que você acessa as redes sociais, sites de streaming de vídeo e portais de notícias, existe uma camada mais profunda, onde só é possível entrar por meio de endereços direcionais. Por lá também ocorrem transações com moedas virtuais. Nesse espaço é mais difícil localizar quem esteja movimentando dinheiro e saber o fluxo dos recursos.

Mesmo com um espaço de armazenamento possivelmente menor que a internet comum, a chamada deepweb (internet profunda) reúne milhões de usuários no Brasil. Por lá, a moeda digital mais usada não é o bitcoin. Uma pesquisa, realizada pela empresa Recorded Future, que tem sede nos Estados Unidos, apontou que a monero, dash e a litecoin são as preferidas.

A mudança ocorre por conta da popularização do bitcoin e o alto custo das transações em decorrência da alta valorização da moeda. O levantamento analisou mais de 150 dos maiores mercados e fóruns da deepweb. Apesar das facilidades para o crime, a maior parte dos investidores em moedas virtuais utiliza o serviço de maneira adequada, sem infringir leis e regras monetárias. O professor Geraldo Marques, especialista em criptomoeda, afirma que um maior controle pode garantir tanto a segurança de todos os envolvidos quanto o cumprimento da legislação. “Como não existe uma instituição financeira que regulamenta, acaba sendo possível fraudar as regras. Mas isso não aumenta o volume de transações ilegais, lavagem de dinheiro. O bitcoin não é uma ferramenta para se lavar dinheiro. Mas é usada para isso por criminosos. A solução seria regulamentar. Toda pessoa que tem bitcoin tem que pagar o imposto. No Japão já se usa bitcoin para utilizar todo tipo de serviço”, destaca.

Como funciona

» Computadores com alta capacidade de processamento quebram códigos criptografados e produzem as moedas virtuais, como o bitcoin

» Esse processo é chamado de mineração. No Brasil mais de 1 milhão de pessoas realizam operações envolvendo bitcoin

» Até o momento, a Polícia Federal identificou duas organizações criminosas que usavam bitcoin para lavar dinheiro

» No exterior, essa prática também já foi identificada em países como Estados Unidos e Rússia

» Apesar da falta de controle, especialistas afirmam que esse tipo de transação pode ser realizada de maneira segura e deve crescer muito nos próximos anos

Com informações do Jornal O Correio Braziliense