O valor mensal pago pelos consumidores as operadores de planos de saúde pode dobrar, segundo especialistas, com as novas regras definidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para planos com coparticipação ou franquia. Nos planos de coparticipação, o usuário arca com uma parcela do custo a cada consulta, exame ou procedimento. A nova regra limita o valor a ser pago às operadoras por estes serviços. No caso de contratos individuais, a fatia máxima é de 40%; no dos coletivos, de 60%. Além destes limites, a regra estabelece tetos mensais e anuais para estes gastos.
A mudança afeta um grande universo de usuários. Atualmente, 52% dos 47 milhões de contratos de planos de saúde têm coparticipação ou franquia. Esses instrumentos já estavam previstos na lei 9.656/1998, mas não tinham regulação, o que, segundo a ANS, poderia acarretar custos ainda maiores que os previstos nas novas regras. Especialistas em defesa do consumidor afirmam, porém, que o percentual limite autorizado pela ANS é muito alto e pode levar a endividamento dos usuários. As empresas dizem que seria possível reduzir a mensalidade. As regras entrarão em vigor em 180 dias e valerão apenas para contratos novos.
No caso do plano individual, o teto é o valor da mensalidade. Ou seja, quem paga R$ 500 por mês pode ter de arcar com até mais R$ 500 a título de franquia ou coparticipação em procedimentos. No caso dos planos coletivos — tomando-se por base também uma mensalidade de R$ 500 —, o usuário pode ter de arcar com mais R$ 750, ou seja, seu gasto mensal chegaria, no limite, a R$ 1.250.
A ANS definiu ainda limites de gastos anuais com coparticipação. Se o plano for individual, o somatório das parcelas referentes a exames e consultas está limitado a R$ 6 mil em um ano (equivalentes à soma de 12 mensalidades). Se for um plano coletivo, o limite é de R$ 9 mil no mesmo período, porque o teto da ANS leva em conta 18 mensalidades. Tudo que for acima destes limites deve ser pago pela operadora de saúde.
A ANS estabeleceu ainda que uma série de procedimentos — 250, no total — ficará isenta de coparticipação ou franquia. Estas isenções incluem, por exemplo, consultas com médicos generalistas e exames preventivos, além do tratamento de doenças crônicas e de câncer. Até agora, as isenções eram determinadas pelas próprias operadoras. Mas elas terão direito a indicar o local onde os pacientes farão os exames e tratamentos isentos.
Entidades temem endividamento do consumidor
Segundo pesquisas feitas pela ANS, os planos com franquia e coparticipação costumam ter mensalidade, em média, 20% menor que os demais. “Poder cobrar até o dobro da mensalidade é muita coisa, mesmo com o limitador anual. Ao contratar um plano de saúde, a pessoa já escolhe aquele cuja mensalidade consegue pagar, sem comprometer outras prioridades”, diz a advogada Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em Saúde do Idec.
Paulo Miguel, diretor executivo do Procon-SP, também considera o percentual alto. “Queria saber se a ANS fez alguma avaliação sobre a capacidade de reserva financeira dos usuários de planos de saúde para saber se eles têm condição de arcar com esses custos. Esse percentual é absurdo e pode levar ao endividamento do consumidor”.
O diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS, Rodrigo Aguiar, pondera, no entanto, que, no caso dos planos coletivos empresariais, que são a grande maioria, o consumidor nem sempre arca com o total da mensalidade, que é paga pelo empregador. Ele ressalta que, para que sejam incluídos nos contratos percentuais acima de 40%, será necessária a anuência do sindicato ao qual os funcionários estejam ligados. Embora admita que, com a crise, é provável que prevaleçam percentuais mais altos.
“Perdemos cerca de três milhões de usuários com a crise, fruto do fechamento de postos de trabalho e de suspensão de oferta do benefício por empresas. Hoje, os planos de saúde são o segundo maior custo administrativo das empresas, só perdendo para a folha de pagamento. Pode ser que os funcionários achem vantajoso pagar um percentual maior de coparticipação do que não ter o benefício”, diz Aguiar.
Ele afirma que foram feitas pesquisas para apontar qual percentual levaria a uma racionalização do uso dos planos, evitando o que ele chama de desperdícios. “Esse percentual não tem como objetivo financiar a prestação do serviço, mas ser um moderador do uso. A regulação traz proteções. Chegaram a nós relatos de usuários de planos que deviam mais de R$ 30 mil à operadora. Pela nova regra, a dívida não se acumularia assim”.
Embora fosse a favor de um teto de 30% para a coparticipação, a defensora Patrícia Cardoso, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública, vê como um avanço a limitação da exposição financeira do consumidor.
Para Solange Beatriz Mendes, presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), porém, o ideal seria não ter um teto para a coparticipação. Mas considera que as regras trazem mais segurança. Ela aponta, no entanto, um desafio para operadoras e consumidores. “A informação precisa ser acessível para o consumidor, inclusive a tabela de preços das empresas. O consumidor terá de fazer contas e entender qual é o seu perfil de uso para decidir se contrata um plano com ou sem coparticipação e franquia”.
O presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), Reinaldo Scheibe, avalia que as empresas precisarão de pelo menos um mês para analisar o impacto das novas regras. Ele acredita que a adoção da coparticipação pode reduzir as mensalidades entre 30% e 40%.
“Nos planos tops, que incluem hospitais de ponta, essa redução pode ser menor. Mas operadoras de pequeno e médio porte, com bom relacionamento com hospitais, em que não seja tão intensivo o uso de tecnologia, podem conseguir uma diminuição maior”, argumenta Scheibe, que também acredita que o pagamento por parte do usuário pode reduzir a repetição desnecessária de exames.
Com informações do Jornal O Globo