A penúria fiscal do governo está estrangulando rapidamente a capacidade de prestação e execução de serviços da União, que passou a faca nos orçamentos dos ministérios na primeira metade do ano e agora não tem fôlego financeiro para rever integralmente os cortes. Como resultado, o INSS estuda fechar parte de suas 1.563 agências em todo o Brasil. As Forças Armadas reduziram o investimento no monitoramento das fronteiras e só têm em caixa verba para dois meses de custeio de suas atividades. Faltam técnicos para a fiscalização dos alimentos que vão para as mesas de brasileiros e estrangeiros pela Agricultura. E a pasta das Cidades já negou ajuda a duas grandes prefeituras para urgentes projetos sociais.

 

Os efeitos do arrocho fiscal são sentidos em praticamente toda a Esplanada dos Ministérios. De forma geral, as informações sobre os problemas enfrentados pelos órgãos públicos têm sido reveladas por funcionários que pedem para não ser identificados, associações e sindicatos de servidores. Por exemplo, embora a pasta não confirme oficialmente, entidades de classe afirmam que o Ministério do Trabalho já reduziu em vários postos o horário de atendimento à população de 12 horas para oito horas. Outro relato é que o Itamaraty só conta com recursos até o mês que vem para manter as embaixadas e outras representações brasileiras no exterior.

SEM VERBA PARA DESPESAS ESSENCIAIS

As Forças Armadas também não escaparam da tesoura. Com o corte de R$ 6 bilhões no orçamento da Defesa, programas estratégicos foram afetados e mesmo o custeio — como combustíveis de aeronaves — está prejudicado. Segundo uma fonte graduada do Ministério da Defesa, estão “muito sacrificados e praticamente parados” os programas de desenvolvimento de submarinos e de investimento na vigilância das fronteiras. E a verba para arcar com despesas essenciais, como o rancho dos soldados, acaba ao fim de agosto.

No caso do INSS, o ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, alertou o Ministério do Planejamento de que estuda fechar postos de atendimento se o governo não liberar mais dinheiro nas próximas semanas. O MDS teve um corte de R$ 5,1 bilhões para R$ 2,8 bilhões no começo deste ano.

Já o Ministério das Cidades teve suas verbas orçamentárias reduzidas de R$ 14,2 bilhões para R$ 7,7 bilhões. Essa pasta foi procurada por duas prefeituras, de São Paulo e Fortaleza, que pediram ajuda para a construção de abrigos para população de rua. Mas não encontraram dinheiro.

No caso do Ministério da Agricultura, que teve um corte de R$ 1,8 bilhão no segundo bimestre, uma das áreas mais atingidas é a de fiscalização animal e vegetal. A falta de controle especializado dos alimentos foi uma das principais reclamações dos grandes compradores de carne brasileira. A estimativa do ministério é que há necessidade de contratar mais mil fiscais agropecuários.

O grito de alerta partiu, primeiro, no mês passado, do Ministério da Justiça, que sofreu um contingenciamento de R$ 4,3 bilhões para R$ 2,4 bilhões. A Polícia Federal suspendeu a confecção de passaportes, e a Polícia Rodoviária Federal anunciou que reduziu o volume de operações nas estradas. Segundo uma fonte, poucos são os programas preservados. Um deles é o Fundo Nacional Penitenciário, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo técnicos do governo, a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev) também enfrenta dificuldades orçamentárias. Em nota, a empresa explica que depende dos contratos firmados com seus clientes, entre eles, órgãos públicos.

“Dificuldades no suprimento de dotações orçamentárias dos clientes governamentais da Dataprev poderão acarretar dificuldades na regularidade de recebimentos e restrições no fluxo de caixa da empresa”, diz a Dataprev em nota.

O Meio Ambiente (Ibama) pena com um corte de R$ 977 milhões para R$ 446 milhões. Servidores afirmam que a fiscalização está sendo prejudicada, com falta de dinheiro para transportes e pagamento de itens básicos, como luz, água e internet.

O secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Ronaldo da Silva, disse que a situação no Incra, vinculado ao MDS, e no setor ambiental é preocupante. O corte de recursos, destacou, atinge diretamente o serviço de fiscalização.

— No Incra, o cenário é de terra arrasada — disse o sindicalista, lembrando que, além do problema de verba, falta força de trabalho, diante das aposentadorias que não estão sendo repostas.

As pastas de Educação e Saúde sofreram cortes de, respectivamente, R$ 5 bilhões e R$ 6,4 bilhões. Os dois ministérios dizem que, apesar dos contingenciamentos, vêm conseguindo manter suas atividades sem prejuízos. Especialistas, no entanto, já veem impacto dos cortes no dia a dia.

Segundo Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, desde que o ex-ministro da Fazenda do governo Dilma Joaquim Levy apertou as contas, na tentativa de fazer um ajuste fiscal, os repasses do governo federal aos estados e municípios para compra da merenda escolar começaram a atrasar. E perduram por causa do ajuste mais austero do governo Temer sobre políticas sociais:

— O governo do Levy tinha três tipos de gastos: A, B e C. O A eram os irrevogáveis; o B, os intermediários; e o C, os que podiam ser cortados. E a educação foi um deles. O (presidente Michel) Temer veio e radicalizou com a PEC do teto de gastos. A economia não pode estar apartada da sociedade.

INVESTIMENTOS: QUEDA DE 46%

Até a Confederação Nacional da Indústria (CNI) reclama do contingenciamento. Ao divulgar, ontem, a primeira edição de seu boletim “Fato Econômico”, a CNI destacou que os gastos com a Previdência e o funcionalismo público estão prejudicando áreas prioritárias para a população, como saúde, educação e investimentos.

De acordo com a entidade, os números mostram que os gastos com investimentos tiveram uma queda real de 46% de janeiro a maio deste ano em relação ao mesmo período de 2017. “Essa queda distancia ainda mais o país da taxa de investimento necessária para alavancar o crescimento”, analisa a CNI.

Preocupada em evitar que a meta de déficit primário de R$ 139 bilhões para este ano seja superada e, ao mesmo tempo, sem recursos extras para manter a máquina em funcionamento, a equipe econômica está tentando antecipar para esta semana o relatório de avaliação bimestral de receita e despesa — quando pretende descontingenciar parte dos R$ 39 bilhões do Orçamento da União que estão bloqueados. Os números ainda não estão fechados, mas fontes falam entre R$ 3 bilhões e R$ 5 bilhões. A data prevista para o anúncio era, inicialmente, 22 de julho.

O Ministério do Planejamento está aguardando o resultado da arrecadação federal em junho e a revisão das projeções de indicadores econômicos como Produto Interno Bruto (PIB) e inflação. Além disso, a aprovação e sanção da lei que autoriza o uso dos precatórios, de pelo menos R$ 8,6 bilhões, permite que o governo abra um pouco a torneira, evitando assim a paralisação da máquina. O assunto foi discutido ontem entre os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira.

Crédito do Jornal Globo