Cerca de 5% dos pacientes de covid-19 progridem para a forma grave da doença, o que inclui o desenvolvimento de pneumonia severa e síndrome do desconforto respiratório agudo. Embora, eventualmente, essas manifestações surjam no início da enfermidade, nem todos os pacientes vão evoluir a ponto de entrarem para as estatísticas de intubações e óbitos. Saber quem é mais propenso aos estágios críticos é fundamental para orientar o tratamento, e pesquisadores buscam, no sangue, a resposta para essa questão.
Cientistas da Universidade George Washington anunciaram, ontem, a descoberta, no plasma de pacientes, de cinco biomarcadores — substâncias que indicam alguma alteração no organismo — que estão associados a risco maior de piora clínica e morte. Segundo o artigo, publicado na revista Future Medicine, essas informações ajudarão os médicos a prever melhor os prognósticos, orientando os tratamentos mais indicados para cada caso.
“No início da pandemia, quando começamos a tratar os primeiros pacientes de covid-19, vimos muitos melhorarem ou piorarem, mas sem saber o que determinava essa diferença”, conta Juan Reyes, coautor do estudo e professor de medicina na instituição. “Alguns estudos iniciais publicados por médicos chineses indicavam que certos biomarcadores estavam associados a maus prognósticos. Queríamos confirmar se isso poderia se aplicar a nossos pacientes aqui, no Hospital Universitário.”
Um dos trabalhos aos quais Reyes se refere foi divulgado em maio por pesquisadores de Wuhan, considerada o epicentro da epidemia na China. O estudo identificou que a alteração nos níveis de duas substâncias — desidrogenase láctica (LDH) e proteína C-reativa — e dos linfócitos (um tipo de célula de defesa) detectados no sangue de pacientes predizem com 90% de acurácia o risco de morte. Os resultados basearam-se no estudo de quase 500 amostras de internos no Hospital de Wuhan. “Do ponto de vista patológico, é extremamente valoroso revelar a relação entre os biomarcadores e a taxa de mortalidade”, disse, na ocasião, Wangh Zhongyuan, um dos autores do artigo.
Na pesquisa de Washington, que avaliou amostras de sangue de 299 pessoas internadas no Hospital Universitário entre 12 de março e 9 de maio, os cientistas encontraram outros biomarcadores. Dos pacientes testados, 200 apresentavam, além do LDH e da proteína C-reativa, níveis anormais de ferritina, IL-6 (molécula inflamatória) e dímero D (fragmento proteico proveniente de coágulos). Taxas elevadas dessas substâncias foram associadas a inflamação e distúrbios hemorrágicos. Quem apresentava esse perfil tinha maior risco de admissão na UTI, de ser intubado e de morrer. As probabilidades mais elevadas de óbito ocorreram quando o nível de LDH foi superior a 1.200 unidades por litro, e de dímero D, maior do que 3 microgramas por mililitro.
Atualmente, os médicos determinam o risco de progressão da doença e morte por covid-19 com base na idade e em certas condições médicas preexistentes, como estado imunocomprometido, obesidade e doenças cardíacas. A realização de um exame de sangue simples para pacientes internados no departamento de emergência e a tomada de decisões com base em biomarcadores poderiam ajudar ainda mais nas escolhas clínicas, diz o primeiro autor, Shant Ayanian.
“Esperamos que esses biomarcadores ajudem os médicos a determinar com que agressividade precisam tratar pacientes, se um paciente deve receber alta e como monitorar aqueles que estão indo para casa, entre outras decisões clínicas”, afirma.
Inflamação
A presença elevada da IL-6 no sangue também foi um biomarcador associado a risco maior de mortalidade por covid-19 em um estudo do Instituto Nacional de Saúde e de Pesquisa Médica (Inserm) da Universidade de Paris, na França. Trata-se de um tipo de citocina, substâncias produzidas para lutar contra infecções, mas que, em excesso, promovem inflamações celulares descontroladas. A resposta exagerada desse tipo de fator imunológico já foi relacionada ao dano pulmonar e à síndrome do desconforto respiratório agudo, característicos dos quadros graves de covid-19.
Os pesquisadores franceses imaginaram que, nesses pacientes, haveria também uma produção excessiva do interferon tipo 1 (IFN), uma substância natural que regula o sistema imunológico. Eles ficaram surpresos ao descobrir que, ao contrário, nos pacientes mais graves, houve redução da atividade do IFN 1. A detecção, no sangue, de baixos níveis desse modulador foi associada também à maior mortalidade.
Segundo o estudo, publicado na revista Science, respostas distintas do IFN 1 podem caracterizar diferentes estágios da doença, com a baixa produção antecedendo o agravamento clínico e a transferência dos pacientes para as UTIs.
“Portanto, a deficiência de IFN do tipo I pode ser uma bioassinatura de formas graves de covid-19 e identificar uma população de alto risco”, afirma, por meio da assessoria de imprensa do Inserm, Frédéric Rieux-Laucat, principal autor do artigo. “Esses resultados sugerem ainda que a administração de IFN-alfa /beta (forma sintética do interferon, produzida em laboratório) combinada com terapia anti-inflamatória direcionada à IL-6, ou corticosteroides como dexametasona, nos pacientes mais graves, poderia ser uma via terapêutica a ser avaliada para formas graves da doença”, diz.
Mais detalhes sobre a replicação
Pesquisadores dos departamentos de Biologia Celular e Química e de Microbiologia Médica do Centro Médico da Universidade de Leiden (LUMC), na Holanda, trabalham juntos desde o primeiro surto de Sars, em 2003 para entender melhor o mecanismo de replicação dos coronavírus, grupo de micro-organismos do qual o Sars-CoV-2 faz parte. Eles concentram-se na remodelação da estrutura celular e nos danos causados pelo vírus à célula infectada.
Em um artigo anterior, mostraram que os coronavírus convertem estruturas de membrana das células infectadas em compartimentos aparentemente fechados, nos quais o material genético viral, o RNA, é copiado.
“Essas organelas de replicação são cercadas por uma camada de membrana dupla e, provavelmente, oferecem as melhores condições para o processo de cópia do genoma viral. Elas também podem permitir que o vírus se esconda de certas respostas imunes celulares”, diz o líder do grupo, Eric Snijder.
O RNA de vírus recém-produzido carrega o código para produzir novas proteínas virais e, finalmente, precisa ser empacotado em partículas para que o patógeno se espalhe.
“Isso requer que o RNA seja exportado das organelas de replicação”, explica. Até agora, porém, os pesquisadores não sabiam como isso poderia acontecer.
Abertura
Em um novo estudo publicado na revista Science, o estudante de doutorado Georg Wolff e seus colegas usaram uma técnica avançada de microscopia eletrônica para analisar as organelas de replicação de coronavírus o mais próximo possível de seu estado natural.
“Para essa abordagem, chamada microscopia eletrônica de criogenia, as células infectadas foram rapidamente congeladas em nitrogênio líquido. Posteriormente, um feixe de íons foi usado para liberar uma camada de material celular fina o suficiente para tornar visível o conteúdo ainda congelado em alta resolução, usando um microscópio eletrônico”, detalha Wolff.
Isso acabou sendo uma boa jogada: eles descobriram que a membrana dupla da organela de replicação contém uma abertura.
“Essa abertura é formada por uma combinação de proteínas virais que forma um poro que permitiria a exportação do RNA”, diz. “Essa conexão recém-descoberta entre as organelas de replicação e o resto da célula (…) também oferece um novo ponto de partida para o desenvolvimento de medicamentos antivirais.” O bloqueio dessa abertura provavelmente inibirá ou interromperá a multiplicação de coronavírus.
Com essa descoberta, os cientistas encontraram uma das peças que faltavam no quebra-cabeça da replicação do coronavírus. Novos estudos vão mostrar como essa estrutura funciona e se é realmente um alvo útil para o desenvolvimento de inibidores.
(*)com informação do Correio Braziliense