O acordo de recuperação fiscal que o Estado do Rio de Janeiro negocia com o governo Michel Temer enfrenta um impasse jurídico para ser homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que pode até inviabilizá-lo. A área jurídica do governo já alertou a equipe do presidente de que há riscos legais se o plano for feito sem aprovação do Congresso Nacional, o que não seria permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O acordo envolve renegociação da dívida do Rio e contragarantias do Tesouro Nacional para empréstimos bancários.
Segundo fontes jurídicas do próprio governo federal ouvidas pela reportagem, há uma corrente forte que avalia que o Supremo não pode “atropelar” a LRF, o que abriria um precedente perigoso. Os artigos 35 e 37, que vedam o refinanciamento de dívida para financiar direta ou indiretamente despesas correntes e a captação de recursos a título de antecipação de receita de tributo, são considerados os mais preocupantes. A afronta a outros artigos da lei também está sendo considerada.
Desde que começou a ser construído um acordo de emergência para o Rio, o governo tenta buscar uma saída jurídica para o acordo transferindo a responsabilidade de sua aprovação para o STF. Procurado, o Ministério da Fazenda não negou o impasse jurídico. A Fazenda informou que, junto com a Advocacia-Geral da União, estuda a viabilidade de um ajuste fiscal e financeiro do Estado do Rio. “O resultado desse trabalho será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal para a decisão final do caso”, diz a resposta enviada ao jornal. Uma fonte da governo acredita que esse impasse será superado.
Pedaladas
Desde a condenação das pedaladas no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, a cautela é grande em relação a interpretações da LRF. Na época, a AGU tentou emplacar a ideia de que a prática de atrasos no pagamento a bancos públicos não se tratava de uma operação de crédito, o que é vedado pela LRF. Mesmo assim, a ex-presidente foi condenada e perdeu o cargo.
O governo do Rio aposta na tese de “excepcionalidades” diante do estado de calamidade financeira, e a homologação do acordo pelo STF serviria justamente para afastar questionamentos jurídicos. Isso ajudaria o Estado em duas questões: primeiro, para vencer a proibição de contratação de novos empréstimos quando o limite de endividamento de 200% da Receita Corrente Líquida (RCL) é ultrapassado. Hoje, o nível do Estado do Rio está em 201,94%.
A própria LRF prevê que, em estado de calamidade pública, os governos ficam dispensados de cumprir os prazos para se enquadrar novamente e de respeitar as demais disposições previstas em caso de violação aos limites – entre elas, a vedação a novas operações de créditos. Ou seja, a própria lei permite a concessão de novos empréstimos a Estados ou municípios desenquadrados, desde que a calamidade seja reconhecida pelo Legislativo. A Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) aprovou o estado de calamidade financeira no início de novembro.
Na segunda questão, o governo fluminense entende que o aval do STF afasta questionamentos jurídicos em relação à proibição, também pela LRF, de contratação de empréstimos para pagar despesas correntes, o que inclui salários. O Rio negocia, desde a semana passada, a obtenção de um novo financiamento para quitar salários atrasados, um passivo que está em torno de R$ 4 bilhões entre as folhas de dezembro do ano passado e do 13.º.
O governo fluminense argumenta, no entanto, que essa autorização especial valeria apenas para o âmbito do acordo, ou seja, não poderia ser usada outras vezes por futuros governantes que quisessem obter crédito para pagar salários e, eventualmente, dar aumentos. Isso continuaria vedado pela LRF.
Em relação à antecipação de receitas futuras que seriam obtidas com royalties de petróleo, o Executivo do Rio entende que a questão já está pacificada, uma vez que o Estado já fez operação semelhante (a chamada securitização) em anos anteriores.
Segurança
As vedações da LRF são o principal motivo para União e Estado do Rio buscarem a homologação do acordo no STF, pois é necessário dar segurança jurídica e blindar a negociação de eventuais questionamentos jurídicos. “É uma situação excepcional, a gente tem de pensar no direito constitucional de maneira mais ampla. Para tentar tirar o Rio da situação de falência em que se encontra, só com os afastamentos desses parâmetros da LRF”, disse uma fonte do governo fluminense.
A principal crítica é que a LRF, embora seja um instrumento importante de controle das contas públicas, não prevê situações graves como a enfrentada pelo Estado do Rio. Por isso a necessidade de convencer o STF a dar o aval.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.