A ideia do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ser retirado do Ministério da Fazenda e transferido para o Ministério da Justiça não foi bem vista pelos integrantes da Receita Federal. A medida deve ser tomada com a chegada do juiz federal Sergio Moro à superpasta da Justiça, como anunciado na última quinta-feira, 1º.
A Receita e o Coaf são “irmãos” debaixo do mesmo “guarda-chuva” da “família” Fazenda. No governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o então ministro Márcio Thomaz Bastos tentou a mesma coisa, mas houve resistência. Segundo o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), “uma fração do Coaf” estaria no Ministério da Justiça. “Você pode ter uma parte do Coaf lá dentro”, disse Bolsonaro, no final da tarde da última quinta. Os detalhes de como isso será feito ainda não foram definidos entre Moro e o futuro presidente, segundo o Portal Uol Notícias.
A reportagem do Uol apurou que o secretário da Receita, Jorge Rachid, se reuniu com auxiliares na quinta e, na conversa, manteve a posição de muitos auditores do órgão contrários à saída do Coaf da Fazenda. O Portal Uol conversou com alguns deles, que dizem que o trabalho do Fisco fica facilitado com a proximidade do Conselho. Isso porque a Receita tem as informações financeiras de todos os contribuintes. A área de inteligência do Leão usa essa proximidade com o Coaf para aumentar a eficiência da fiscalização.
O Uol pediu que a assessoria de imprensa esclarecesse a posição do órgão sobre a possível mudança e pediu uma entrevista com Rachid. A reportagem do Uol ainda acrescentou que tinha a informação de que o secretário era contra a mudança do Coaf. O Fisco disse apenas que não comentaria o caso.
Avaliações internas
Os auditores veem de forma positiva a chegada de Moro à Justiça. O diretor de Estudos da Associação Nacional dos Auditores da Receita (Unafisco), Mauro Silva, diz acreditar que o juiz, “se for coerente com sua perspectiva”, vai aumentar a fiscalização sobre autoridades e políticos conhecidos como “pessoas politicamente expostas” (PPE). No entanto, ele afirmou que, para isso acontecer, não é preciso retirar o Coaf de baixo do guarda-chuva da Fazenda.
Ele destaca que o Coaf e a Receita trabalham “em estrita colaboração” para troca de informações. “Até que ponto isso pode prejudicar?”, questiona Silva. “Se, mesmo saindo o Coaf da Fazenda, essa cooperação continuar e a lei for cumprida em relação à maior fiscalização da Receita sobre as PPE, então será positivo. A vinculação hierárquica do Coaf não é tão relevante.” Um auditor disse que haveria melhor coordenação do trabalho de investigação se o Conselho ficar sob a pasta da Justiça. Nesse caso, o Coaf daria ênfase ao monitoramento de lavagem de dinheiro, uma medida considerada positiva pelos fiscais.
Independência e ingerência
Já para o presidente do Instituto para Prevenção da Lavagem de Dinheiro (IPLD), o delegado Robinson Fernandes, da Polícia Civil de São Paulo, tirar o Coaf da Fazenda e transferi-lo para a Justiça não é algo que, sozinho, melhora a troca de informações. Ele lembra que a composição do Conselho com representantes de vários órgãos e sua independência em relação ao Ministério da Fazenda é o que lhe garante eficiência. “É difícil dizer se é bom ou ruim”, avaliou.
“Se for passado [para a Justiça], eu não vejo diferença.” Agora, se for para alterar a autonomia do Coaf e a composição, não mais de conselho, para viabilizar ingerência, aí a coisa muda de figura. Vamos ter mais integração e mais eficiência? Também é questionável. O Coaf já tem integração com os demais órgãos e ministérios.
Robinson Fernandes, presidente do IPLD Interlocutores do atual ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, disseram que ainda não é possível avaliar a situação porque sequer se sabe exatamente que formato será adotado. Bolsonaro falou em fazer uma cessão de “parte” do Coaf para a Justiça, mas sem explicar como. Um funcionário da Receita que atua na Operação Lava Jato lembrou que o Conselho é formado por poucas pessoas, todas cedidas de outros órgãos, e que Moro poderia reforçar esse time. Pelo modelo acertado entre Bolsonaro e o juiz, a pasta da Justiça vai coordenar não só Coaf, mas também Polícia Federal e Controladoria Geral da União (CGU).
Um experiente investigador da Receita enxerga que o formato que concentra poder de controle de vários órgãos nas mãos de um ministro permitiria, em tese, que investigações sensíveis pudessem ser impedidas. “Sempre vai ter [o risco de interferência], dependendo das pessoas que estão na coordenação. Mas tem que dar um voto de confiança”, ponderou, sob a condição de anonimato. “Rebaixamento” do CGU Dentro da Controladoria Geral da União, também há resistências. Reservadamente, três servidores contaram à reportagem que seria impossível fiscalizar o Ministério da Justiça sendo vinculado a ele. A Unacon, o sindicato dos auditores da CGU, divulgou nota expressando “preocupação” com o “rebaixamento” do órgão. “Importante recordar que a pasta já foi alvo de duas tentativas de desmonte”, diz a nota do sindicato dos servidores, mencionando ações nos governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).
Comunicações suspeitas
O Coaf é órgão de inteligência financeira, semelhante a outros espalhados pelo mundo. Foi criado em 1998. Ele recebe comunicações de operações suspeitas de lavagem de dinheiro de bancos, joalherias, corretoras de valores, transportadoras de valores e vários setores regulados. Um dos motivos que leva um banco a fazer uma comunicação é, por exemplo, um saque de mais de R$ 10 mil em dinheiro vivo ou quando o gerente identifica que um cliente é um traficante de drogas.
O papel do Coaf é fazer esse “filtro” e, a depender do caso, elaborar um Relatório de Inteligência Financeira (RIF). Esses relatórios são remetidos para órgãos como Polícia Federal, Ministério Público e Banco Central, que podem iniciar investigações criminais e administrativas a partir dali.
Com informações do Portal Uol Notícias