Empreiteiras investigadas na Lava Jato poderão ter abatimento de até R$ 19 bilhões nos valores cobrados pelo governo federal, caso firmem acordos de leniência com o Executivo e contribuam com a apuração dos próprios ilícitos. O desconto é quase metade do que a Advocacia-Geral da União (AGU) requer das empresas e de seus executivos na Justiça, por meio de ações de improbidade administrativa, pelo esquema de cartel, corrupção e superfaturamento de obras da Petrobrás (R$ 39 bilhões, no total).
As construtoras reclamam que já fizeram acordo com o Ministério Público Federal (MPF) para pagar cifras menores e que, caso sejam condenadas, o desembolso do montante integral vai quebrá-las. O governo, no entanto, está disposto a aplicar dispositivo da Lei Anticorrupção, aprovada em 2013, que permite desconto significativo em caso de colaboração.
Dos R$ 39 bilhões requeridos, R$ 28,4 bilhões referem-se às multas aplicadas às empreiteiras, ou seja, às penalidades pelo envolvimento no esquema criminoso. A lei autoriza “perdão” de até dois terços desse valor, se houver acordo de leniência com o governo (até R$ 19 bilhões). São alvo das ações cerca de 30 empresas, entre elas Odebrecht, Camargo Correa, Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão, Mendes Júnior e UTC.
Danos. Só a menor parte do valor até agora reclamado pelo governo (R$ 10,6 bilhões) não pode, segundo a lei, ser negociada. Ela se refere ao ressarcimento dos danos causados aos cofres públicos (ou seja, às perdas provocadas pelo superfaturamento dos contratos). A legislação exige que esse montante seja integralmente pago, sem nenhum desconto.
“É um valor inegociável, por uma razão bem simples: é um recurso público. O gestor não pode abrir mão daquilo que é do povo. Senão, fica muito fácil negociar com o que é do povo e não ter de recompor na integralidade”, afirma a ministra-chefe da AGU, Grace Mendonça. Perdoar “aquilo que foi objeto de uma conduta ilícita”, segundo ela, teria a conotação de que “o crime compensa”.
A ministra pondera que, na perspectiva de acordo, não há risco de falência das empresas. Explica que, nas ações em que a Odebrecht foi acionada, o valor “inegociável” é de R$ 6 bilhões, perto do valor que a empreiteira e seu braço petroquímico, a Braskem, acertaram com o MPF no Brasil (R$ 5,3 bilhões).
Grace diz que, além do desconto das multas e da garantia de continuar contratando com o governo, as empresas poderão parcelar o ressarcimento. As prestações considerariam a capacidade de pagamento, baseada no faturamento.
A ministra chamou de irresponsáveis declarações do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, da Lava Jato, de que a AGU atrapalha a investigação ao ajuizar ações contra empreiteiras que já colaboram com o MPF. Em entrevista ao Valor Econômico, ele disse também que órgãos do governo não devem negociar acordos com as empresas, pois estão sujeitos a “influência política”.
Oito ministros do governo Michel Temer são alvo de inquéritos na Lava Jato.
Grace argumenta que a AGU cumpre uma imposição legal e que, se não agisse contra as empresas, seus integrantes poderiam responder por prevaricação. “Uma afirmação de que uma ação dessa ordem, que é legal, prejudica a Lava Jato, é irresponsável. Quando se tem uma interpretação dessa ordem, o que, na verdade, se afirma é que a AGU deixe de cumprir um dever de ofício. A lei é categórica e diz que a reparação do dano é integral.”
A ministra sustenta que a AGU tem atuado tecnicamente e que alegações sobre eventual ingerência política carecem de sustentação. “Essa afirmação tem de ser precedida de provas. Não é possível imputar a quem faz um trabalho legítimo, idôneo, sério, a pecha de irregularidade, corrupção, perseguição.”
Com informações O Estado de São Paulo