Equipes de saúde frequentemente se deparam com limitações no tratamento de pacientes com lesão cerebral traumática. Em um estudo, publicado na revista Cell Stem Cell, os pesquisadores identificaram uma proteína, TDP-43, que parece desencadear danos nos nervos logo após o trauma. Além disso, ao bloquear uma substância específica na superfície celular, foi possível corrigir a disfunção da TDP-43 e reduzir a mortalidade das estruturas nervosas tanto em células humanas quanto em camundongos. Os estudiosos também encontraram predisposição genética no desenvolvimento de doenças neurodegenerativas após lesões cerebrais.

“Não existe atualmente nada disponível que possa prevenir as lesões ou traumas cerebrais que resultam em danos aos neurônios”, afirmou, em nota, o autor correspondente, Justin Ichida, da Universidade do Sul da Califórnia. “A longo prazo, há uma forte correlação entre lesões cerebrais traumáticas e doenças neurodegenerativas, que podem ser fatais.”

Para compreender melhor o que ocorre durante o impacto, os cientistas desenvolveram organoides cerebrais, pequenos aglomerados de células neurais humanas do tamanho de uma cabeça de alfinete que mimetizam o funcionamento cerebral. As estruturas foram submetidas a pulsos ultrassônicos para simular lesões cerebrais traumáticas graves.

A equipe descobriu que o TDP-43, que normalmente edita o script genético —responsável por transportar as instruções do DNA para a produção de proteínas —, é perdido nos organoides lesionados, resultando na morte dos nervos. Em células saudáveis, o TDP-43 geralmente fica no núcleo. Contudo, após o dano, a proteína vaza, sendo incapaz de desempenhar sua função.

Questão genética

Os resultados indicaram que os neurônios de camadas mais profundas do córtex cerebral são especialmente suscetíveis a traumas, e a genética pode influenciar a progressão de neurodegeneração. Organoides derivados de pacientes com predisposição genética para essas condições mostraram resposta mais intensa à lesão, com maior presença de TDP-43 defeituoso. As descobertas ajudam a explicar por que algumas pessoas têm maior risco de desenvolver essas patologias após um dano.

“Realizamos testes em todos os genes do genoma humano para verificar se poderíamos reverter essa lesão suprimindo qualquer gene individual”, detalhou Ichida. A triagem teve sucesso ao identificar o KCNJ2, um gene que codifica a proteína do canal mecanossensorial na superfície celular. “Ao suprimir esse gene, conseguimos reverter todos os problemas associados à lesão e manter os neurônios vivos.”

Ao bloquear a atividade do KCNJ2 e de sua proteína, foi observado aumento na sobrevivência dos neurônios nos organoides. Resultados semelhantes foram vistos nos camundongos. O tratamento das estruturas lesionadas derivadas de pacientes com risco de doença neurodegenerativa usando bloqueadores da proteína KCNJ2 não apenas reduziu a morte neuronal, mas também minimizou o acúmulo de TDP-43 nas células.

Mário Dornelas, neurologista e neurocirurgião em Brasília, pontua que, apesar de a pesquisa estar em fase inicial, a prática clínica será impactada se criado um fármaco que influencie no KCNJ2, ou que proteja o cérebro de proteínas produzidas em lesões. “O estudo começa a desmistificar um tema polêmico na neurocirurgia, o traumatismo cranioencefálico. Uma vez instalado o trauma, a priori, é irreversível, agimos para prevenir lesões secundárias. O trabalho mostra justamente isso, há lesões preveníveis de imediato, como um hematoma. Você drena o hematoma, impede que outras células morram.”

Ichida espera aprimorar a prevenção, o diagnóstico e o tratamento dessas condições. Para ele, as descobertas irão ajudar na conscientização sobre riscos genéticos. Além disso, o TDP-43 poderá ser usado como marcador biológico para detecção e monitoramento de traumas no cérebro. 

Complexidade

“Apesar das vantagens, os modelos de trauma craniano em organoides enfrentam desafios, incluindo a replicação precisa da complexidade e heterogeneidade das lesões cerebrais traumáticas humanas, e a incorporação de elementos como vasculatura e imunidade inata, que desempenham papéis críticos na resposta do cérebro ao trauma. A variabilidade entre os organoides e a necessidade de métodos padronizados para induzir e avaliar o trauma são áreas que requerem atenção contínua da pesquisa. Os modelos representam uma ferramenta promissora que combina as vantagens da cultura tridimensional com a relevância fisiológica para o cérebro humano.”

(*)com informação do Jornal CB