Uma perícia nos recibos entregues à Justiça pelos advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode indicar se os documentos foram produzidos na mesma época, disse ao UOL nesta quinta-feira (28) o presidente da APCF (Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais), Marcos Camargo.

Segundo notícia publicada pelo jornal “O Globo”, o empresário Glaucos da Costa Marques, dono de um apartamento alugado pela família de Lula em São Bernardo do Campo (SP), afirmou ter assinado todos os recibos de aluguel de 2015 em um único dia. O imóvel fica no mesmo andar do apartamento em que Lula vive.

No contrato de aluguel apresentado pela defesa de Lula, a locatária do imóvel é a ex-primeira-dama Marisa Letícia, falecida em fevereiro. Segundo denúncia da força-tarefa da Operação Lava Jato no MPF-PR (Ministério Público Federal no Paraná), o apartamento foi comprado com dinheiro da Odebrecht por Costamarques, que seria um laranja, como propina a Lula, e não há comprovação do pagamento do aluguel. A vantagem indevida seria uma contrapartida a suposta atuação de Lula para beneficiar a Odebrecht em oito contratos com a Petrobras.

“Em um documento como esse, você pode fazer uma avaliação da impressão, de suas características e marcas, para tentar avaliar, por exemplo, uma reprodução similar dos recibos; se saíram da mesma fonte, mesma tinta, mesmo padrão”, explicou Camargo. “Isso pode levar a uma avaliação de que [a impressão] foi sequencial ou não, se foram produzidos na mesma época.”

Segundo o presidente da APCF, o envelhecimento do papel é outra característica que pode indicar a época de um documento, assim como a tinta usada. Neste último caso, é necessário fazer uma análise química da composição da tinta, o que pode mostrar também sua degradação.

Outro procedimento de perícia é o confronto de assinaturas, para verificar se as que estão presentes nos recibos foram feitas pelas pessoas indicadas nos documentos.

Segundo Camargo, praticamente todas as unidades da Polícia Federal têm capacidade de fazer boa parte da perícia necessária, mas uma análise química mais aprofundada provavelmente só poderia ser feita no INC (Instituto Nacional de Criminalística), em Brasília.

O prazo padrão para uma perícia na Polícia Federal é de 30 dias, disse o presidente da APCF, mas o tempo exato vai depender da quantidade e das condições do material, assim como das análises necessárias. “Só o perito que receber o material vai poder dizer o prazo”, afirma Camargo.

Segundo “O Globo”, Costamarques disse ter recebido e assinado os recibos por meio do contador de Lula, João Muniz Leite, a pedido de Roberto Teixeira –advogado e amigo do ex-presidente–, quando estava internado no Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista, em novembro de 2015.

Os comprovantes apresentados pela defesa de Lula referem-se ao período de agosto de 2011 a novembro de 2015. De acordo com o jornal, a defesa de Costamarques avalia ajuizar uma petição na 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, revelando a forma como os comprovantes foram assinados e ainda solicitando imagens do circuito interno do hospital para comprovar as visitas feitas a Costamarques por Leite e Teixeira –o empresário ficou hospitalizado entre 22 e 28 de novembro de 2015.

Se comprovada fraude, o ato pode ser classificado como tentativa de obstrução da Justiça por parte de Lula e seus advogados.

O uso do imóvel pelo petista e sua família é investigado pela Lava Jato na mesma ação em que o ex-presidente é réu sob suspeita de receber propina da Odebrecht por meio de um terreno onde seria construída a sede do Instituto Lula. Costamarques também é réu no processo.

Costamarques é primo do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, e disse à Justiça que comprou o imóvel justamente a pedido de Bumlai. Segundo Costamarques, o pecuarista disse que não queria que “alguém estranho” ocupasse o apartamento.

O imóvel já era usado por Lula durante seus mandatos como presidente (2003-2010) e era alugado pelo governo sob a justificativa de que era necessário para garantir a segurança do petista. O imóvel foi colocado à venda em meados de 2010, depois do falecimento do antigo dono.

Em depoimento a Moro, Costamarques confirmou ter firmado o contrato de aluguel em 2011 com Marisa Letícia, mas disse que só passou a receber o pagamento em novembro de 2015, após a prisão de Bumlai, tendo recebido “calote” durante quase cinco anos. Apesar disso, afirmou ter declarado à Receita Federal todos os valores.

Entre os recibos entregues pela defesa de Lula a Moro, dois têm datas que não existem: 31 de junho e 31 de novembro.

Crédito do Jornal O Estadão