O Dia 28 de agosto foi consagrado como o Dia Nacional de Combate ao Escalpelamento, o que ocorre quando o couro cabeludo é arrancado de forma brusca. A situação pode decorrer de ato de tortura ou de um acidente, o que costuma ser registrado na região Amazônica, devido ao uso do transporte fluvial, muitas vezes de embarcações feitas artesanalmente, por ribeirinhos. Entre 2000 e 2016, foram registrados 243 casos na Capitania dos Portos da Amazônia Oriental (CPAOR), organização da Marinha do Brasil, que atua na região do Pará, Piauí e Maranhão. O número vem caindo a cada ano. Até agora, 2017 registrou apenas um caso, que é a de maior incidência. Em 2016, foram seis. No ano anterior, dez.

O capitão dos Portos da Amazônia Oriental, José Alexandre Santiago da Silva, atribui a redução às políticas que foram desenvolvidas após a aprovação da Lei 11.970, de 2009, que tornou obrigatório o uso de proteção no motor, eixo e partes móveis das embarcações, de forma a proteger os passageiros e tripulações. Entre essas políticas está a troca ou cobertura do chamado motor de centro, que costuma ficar exposto nas embarcações, o que aumento o risco de acidentes. Segundo o Ministério da Defesa, foram instaladas 3.600 calhas protetoras entre 2009 e 2015.

Na região abrangida pelo CPAOR, em 2014, a Marinha colocou, gratuitamente, 312 coberturas de eixos de motores. Em 2016, foram 127. Neste ano, foram apenas 24, especialmente nos municípios da região de Belém e da Ilha de Marajó, grande foco de registro dos casos.

“O número vem reduzindo não porque deixamos de atuar, mas porque a demanda vem caindo. Felizmente, essas embarcações estão deixando de existir ou estão substituindo o motor”, explicou José Alexandre.

A CPAOR discute com a Secretaria de Educação do Pará a inserção do tema, de forma transversal, nos currículos do ensino fundamental, de forma a difundir conhecimentos sobre formas de prevenção. A Capitania também realiza fiscalizações periódicas nas embarcações.

Vítimas

Desde 2013, a situação é acompanhada pelo Ministério Público Federal no Amapá (MPF-AP). Como resultado da ação do órgão, benefícios foram conquistados para as vítimas. “Uma vez constatado, em procedimento extrajudicial, que tais pessoas se enquadram em situação de extrema vulnerabilidade social, foi recomendado ao Ministério do Desenvolvimento Social que as reconhecesse como pessoas com deficiência, para fins de recebimento do benefício de prestação continuada previsto na Lei nº 8.742/93. O MDS acatou a recomendação”, disse o procurador Regional dos Direitos do Cidadão no Amapá, Rodolfo Lopes. Já medidas reparadoras, como a realização de cirurgias plásticas, ainda têm sido negligenciadas, conforme avaliação do procurador.

A maior parte das vítimas, 65%, é criança. Os adultos em faixa produtiva representam 30%. Já os idosos, 5%. Em relação ao gênero, 95% das pessoas que sofrem com o escalpelamento são mulheres. O uso de cabelos longos e soltos é um dos motivos que explica essa diferença. O acidente é dramático, pois arranca todo ou parte do couro cabeludo, inclusive orelhas, sobrancelhas e parte da pele do rosto e pescoço, levando a deformações graves e até a morte.

O relato de Joice, de sete anos, ilustra a situação. “Eu me abaixei e o motor pegou. O eixo do motor pegou o meu cabelo. Eu desmaiei imediatamente. Eu fui me abaixar para pegar a vasilha para tirar água. Foi escalpe total, porque aí pega tudo”. Além de todo o couro, ela perdeu uma orelha. Esses e outros relatos foram registrados pela Associação de Mulheres Ribeirinhas e Vitimas de Escalpelamento da Amazônia (AMRVEA), que agrega 140 vítimas. Muitas delas sofrem, além dos traumas físicos e psicológicos, preconceito, por isso a associação tem atuado para reinserir as mulheres em espaços de trabalho, por meio de cursos profissionalizantes.

Com informações Agencia Brasil