O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, participou hoje (12) de uma palestra em Belo Horizonte durante o Seminário de Ciências Penais da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), instituição da qual é ex-aluno. Ele destacou a importância da cooperação jurídica internacional para as investigações criminais conduzidas pelo Ministério Público Federal (MPF).

Durante sua fala ao público, Janot ressaltou que, no âmbito da Operação Lava Jato, o Brasil encaminhou 136 pedidos de cooperação internacional a 33 países. Ao mesmo tempo, foram recebidas 70 solicitações de 26 países. “Não adianta esconder bens ou valores fora do Brasil. A cooperação internacional hoje é tão estreita que nós vamos descobrir. Também não adianta fugir do Brasil, fugir da jurisdição brasileira. Nós conseguiremos que a lei brasileira alcance também estes cidadãos”, disse.

Sem citar o nome do ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB), ele mencionou a cooperação com as autoridades da Suíça que fundamentou a denúncia contra o parlamentar. “Tivemos um caso específico de um réu no STF, atualmente condenado e preso em Curitiba. Era um caso difícil. A Suíça começou a investigação e recebemos deles a documentação completa. Fizemos alguns ajustes e apresentamos a denúncia. Esse processo gerou inicialmente o afastamento do mandato parlamentar e depois a condenação”.

Por meio da cooperação, o Ministério Público da Suíça havia identificado contas no país em que Eduardo Cunha depositou recursos envolvidos em esquemas ilegais. A Justiça do país europeu autorizou o bloqueio destes valores. Em março, o juiz Sérgio Moro condenou Cunha a 15 anos e quatro meses de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

De acordo com dados apresentados pelo procurador-geral, a cooperação internacional permitiu repatriar US$250 milhões, o que equivale a aproximadamente R$785 milhões. Cerca de R$500 milhões foram restituídos à Petrobras e outros R$270 milhões ao governo do estado do Rio de Janeiro.

Outro exemplo de cooperação citado por Janot foi a extradição do ítalo-brasileiro Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil condenado por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro na Ação Penal 470, o mensalão. Ele fugiu para a Itália, mas teve o pedido de extradição autorizado pelo governo italiano, mesmo tendo dupla nacionalidade.

Janot também apresentou ao público dados da Operação Lava Jato. Segundo ele, já foram autorizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), 150 quebras de sigilo fiscal, 215 quebras de sigilo bancário, 147 quebras de sigilo telefônico, 34 quebras de sigilo telemático, cinco quebras de sigilo dados, 19 sequestros de bens e quatro sequestros de valores. Foram cumpridos até o momento 917 mandados de busca e apreensão autorizados em decisões de primeira instância e também do STF.

Delação premiada

A parte final da palestra do procurador-geral foi dedicada para esclarecimentos em relação à delação premiada, que foi considerada por ele como um instrumento poderoso que possibilitou chegar à situação atual das investigações. “O colaborador não é um dedo-duro. Ele ajuda a Justiça a desvendar organizações criminosas, confessa seus crimes e indica os coautores. E assim ele tem direito a uma premiação. Há toda uma construção jurídica, dentro do regramento legal e com um controle do judiciário”, avaliou.

Para ele, não é correto dizer que os órgãos de controle prendem os réus para forçá-los a delatarem. “A colaboração tem que ser espontânea. Não somos nós que chamamos o réu para colaborar, a iniciativa tem que partir dele. O advogado dele é quem nos apresenta a proposta”, argumentou.

Segundo Janot, dos 160 acordos de delação premiada já homologados no âmbito da Lava Jato, 136 foram feitos com pessoas em liberdade e apenas 24 com pessoas detidas. Ele disse ainda que a delação é um mecanismo que favorece ao réu e, por isso, não pode haver tratamento discriminatório entre quem está preso e quem não está.

Judiciário fortalecido

Janot registrou alguns episódios dos últimos anos que teriam contribuído para que as investigações do MPF ganhassem amplitude. Ele citou a aprovação da Lei de Acesso à Informação e a criação da TV Justiça, que tornaram o controle social mais efetivo e permitiram que os brasileiros acompanhassem e compreendessem o funcionamento do Judiciário. “Os julgamentos passaram a integrar a agenda do cidadão. Uma vez o procurador-geral do Chile me contou que estava no Rio de Janeiro e ficou impressionado quando viu pessoas em um bar tomando cerveja discutindo um processo judicial com a mesma intensidade que antes discutiam sobre futebol”.

O procurador-geral também considerou que o processo do mensalão alterou o paradigma do Judiciário e fortaleceu o discurso de que a lei é para todos. Ele lembrou ainda das jornadas de junho de 2013, quando milhares de brasileiros saíram às ruas em protesto. “Entre diversas pautas difusas, surgiram os questionamentos à Proposta de Emenda Constitucional 37, que buscava proibir o Ministério Público de realizar investigações em matéria penal. A perspectiva que nós tínhamos era de que ela seria aprovada com um apoio avassalador. E com as manifestações, o que seria uma derrota certa se transformou numa rejeição da proposta. Foram 430 votos contrários e apenas 9 favoráveis”, lembrou.