Uma série de e-mails foram entregues pela defesa de Marcelo Odebrecht, ex-presidente do Grupo Odebrecht, nessa quarta-feira, 21, ao juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos julgamento da Operação Lava Jato em 1ª instância. Os e-mails, segundo o advogado de Marcelo, comprovariam que a empreiteira usou dinheiro de uma “conta corrente” de propinas para comprar um terreno supostamente destinado ao Instituto Lula, que cuida do acervo histórico do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
As conversas apresentadas, datadas de julho de 2010 até março de 2012, mostram como executivos da Odebrecht supostamente buscaram esconder as transações e se preocuparam em não expor a empresa como real compradora do imóvel. As mensagens também mencionam pessoas e empresas que teriam sido usadas como intermediárias da Odebrecht e de Lula na transação.
Odebrecht teve seu acordo de delação premiada validado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em janeiro de 2017. Segundo sua defesa, os e-mails só foram entregues agora porque, com o empresário em prisão domiciliar desde dezembro, ele enfim teve acesso ao conteúdo de um notebook apreendido pela Polícia Federal ainda em 2015.
Segundo a defesa de Lula, a apresentação dos e-mails é “extemporânea” e contém “vícios que poderão anular o processo”. Os advogados dizem que “Lula jamais solicitou ou recebeu a propriedade ou a posse de qualquer imóvel para o Instituto Lula” e negam que “qualquer recurso ilícito tenha sido direcionado a Lula”.
O empresário e o ex-presidente são réus em processo da Operação Lava Jato sobre a compra do terreno, no valor de R$ 12,4 milhões. Segundo a acusação, a transação funcionou como pagamento de propina da Odebrecht a Lula. Em troca, ele teria atuado para beneficiar a empresa em contratos com a Petrobras. O Instituto Lula nunca ocupou o local. As mensagens foram reproduzidas neste texto da mesma forma que apresentadas à Justiça, incluindo eventuais erros de português.
“Estão batendo na trave”
Nenhuma das conversas mencionam nominalmente o ex-presidente Lula. No entanto, em uma troca de mensagens datada de 8 de novembro de 2010, no fim do segundo mandato do petista, Marcelo Odebrecht reclama da publicação de uma notícia segundo a qual o Instituto Lula teria “patrocinadores e sede”, sem citar quem seriam. Ainda de acordo com o texto, que cita uma fonte não identificada, Lula teria visitado o local, mas achado o prédio de três andares “muito grande”.
Em seu interrogatório no processo, Lula confirmou ter visitado o terreno, mas disse que não se interessou pela compra. No e-mail, Odebrecht cita um “Italiano” – que, segundo o empresário, é o ex-ministro Antônio Palocci – e pede para Paulo Melo e Paul Altit, então executivos da Odebrecht Realizações Imobiliárias, prepararem uma estratégia de comunicação para o caso de algum “repórter xereta” chegar ao nome da DAG, empresa acusada de ter sido usada como laranja pela Odebrecht para a compra do terreno.
“Já avisei ao Italiano que estamos batendo na trave! Este pessoal não tem responsabilidade… Como algum repórter xereta pode acabar chegando na DAG acho importante preparamos a história/estratégia de comunicação (ou de não comunicação) deles. Envolva Marcio Polidoro e Alexandrino”, diz a mensagem de Marcelo Odebrecht.
Márcio Polidoro é um executivo de comunicação da Odebrecht. Já “Alexandrino” é Alexandrino Alencar, que participa de algumas conversas entregues por Marcelo Odebrecht e foi diretor de Relações Institucionais do grupo. Pela troca de mensagens, não é possível afirmar se eles de fato foram envolvidos no pedido feito por Odebrecht a Melo e Altit.
Melo, Altit e Alexandrino Alencar assinaram acordo de delação premiada, sendo que o primeiro também é réu no processo sobre o terreno supostamente destinado para o Instituto Lula. A defesa de Melo disse ao portal UOL que os e-mails “confirmam a veracidade das informações” prestadas por ele às autoridades, “na medida em que a destinação dos recursos oriundos de caixa 2 da Odebrecht era de responsabilidade de Marcelo Odebrecht.”
Em depoimento a Moro, o dono da DAG, Demerval Gusmão, confirmou que comprou o terreno a pedido da Odebrecht, mas que soube apenas depois da compra que o local seria destinado ao Instituto Lula. Ele também é réu no processo.
“Não pode deixar rastro óbvio”
Em outra troca de mensagens com Odebrecht e Melo, de 13 de agosto de 2010, Altit diz: “Marcelo, volto a insistir o que tenho dito ao Grillo e ao Paulo. A relação do cliente com o proprietário estruturado do ativo precisa ser à prova de fogo. Não pode deixar rastro obvio”.
Em setembro, quando interrogado por Moro no processo, Melo disse que a compra do terreno “seria a forma mais estúpida para se pagar uma propina”, e que Odebrecht nunca lhe disse que a transação seria voltada para o pagamento de vantagem indevida.
O e-mail de Altit é uma resposta a uma mensagem de Odebrecht pedindo para que os executivos da Odebrecht Realizações Imobiliárias falassem sobre “dificuldades/riscos que estão vendo para o prédio instituto”.
O nome “Grillo” mencionado por Altit é, possivelmente, uma citação a Marcos Grillo. Também delator, ele era o responsável pela “geração” de recursos que abasteciam o “setor de operações estruturadas”, a área de pagamento de propinas da Odebrecht. Para isso, Grillo arquitetava operações financeiras fraudulentas, em geral no exterior.
“Três fontes distintas”
O nome de Marcos Grillo é mencionado claramente em outra conversa, de 13 de dezembro de 2010, em que Paulo Melo pergunta a Marcelo Odebrecht que empresa do grupo deveria ser a beneficiária de “um documento de confissão de dívida a ser assinado pela DAG, formalizando o adiantamento que fizemos para aquisição do imóvel do Instituto”. Segundo Melo, o documento deveria ter uma única via, em poder da Odebrecht.
Marcelo Odebrecht responde que, de sua parte, a beneficiária poderia ser a CNO (Construtora Norberto Odebrecht). “Quanto a beneficiaria avaliar com Marcos Grillo e ou HS qual a melhor”, diz.
“HS” corresponde às iniciais de Hilberto Silva, que comandou o departamento de propinas da Odebrecht. Em seu depoimento no processo, Silva disse que o valor do terreno foi debitado dos créditos de “Amigo” (Lula), “Italiano (Palocci) e “Pós-Itália” (o ex-ministro Guido Mantega).
Ao anexar os e-mails, a defesa de Marcelo Odebrecht destaca uma mensagem do empresário, datada de 9 de setembro de 2010, em que diz a Paulo Melo que o custo de três pagamentos do “Projeto Institucional” devem ser debitados de “uma conta que HS mantem e debita a 3 fontes distintas”.
Segundo o advogado de Odebrecht, “a ‘conta’ se refere à ‘Planilha Italiano’, o que corrobora a afirmação de que os valores foram debitados daquela ‘conta corrente’, que, à época, tinha justamente 3 fontes”.
Os pagamentos pelo departamento de propinas
Os três pagamentos estão detalhados em e-mail anterior do próprio Melo, datado de 8 de setembro de 2010. Têm o mesmo valor: R$ 1.057.920, totalizando R$ 3.173.760. Na mensagem do dia 8, Melo pede para que Hilberto e Ubiraci Silva, também delator, programem os pagamentos para os dias 23 e 30 de setembro e 7 de outubro daquele ano.
Em agosto do ano passado, o MPF (Ministério Público Federal) entregou à Justiça documentos segundo os quais a Odebrecht usou seu departamento de propinas para pagar parte do terreno. Os pagamentos apresentados pelo MPF somam justamente uma quantia de pouco mais de R$ 3 milhões.
Segundo os procuradores, a Odebrecht usou empresas em paraísos fiscais para fazer os pagamentos. De acordo com as informações coletadas no Drousys, um dos sistemas usados pela companhia para gerenciar suas propinas, foram feitos três pagamentos de aproximadamente R$ 1 milhão entre outubro e novembro de 2010. Pelo menos parte do dinheiro tinha como destino uma empresa de Mateus Baldassari, um dos donos do terreno, também registrada em um paraíso fiscal.
Na denúncia sobre o caso, feita em dezembro de 2016, o MPF já mencionava três pagamentos de R$ 1,057 milhão registrados em uma planilha que serviria de controle da “conta corrente” de propinas pagas pela Odebrecht ao PT.
A planilha contém uma rubrica “Prédio (IL)”, supostamente uma alusão ao prédio para o Instituto Lula. Ligada a ela, o valor destinado ao terreno (R$ 12,4 milhões) decorre de uma fórmula matemática que contém, entre outros valores, a operação (3*1057) – para o MPF, três parcelas de R$ 1,057 milhão.
Outro lado
A defesa de Lula põe em dúvida a veracidade das informações dos sistemas usados pela Odebrecht para gerenciar o pagamento de propinas. Os advogados do ex-presidente contestam as informações em processo que corre em segredo de Justiça. Leia a íntegra da nota enviada ao UOL Notícias pelo advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins.
“Além de manifestamente extemporânea, a juntada de novos documentos pelo correu e delator Marcelo Odebrecht ocorre no mesmo dia em que o Tribunal Regional Federal da 4a. Região negou à defesa do ex-Presidente Lula ouvir o testemunho do advogado Rodrigo Tacla Duran.
Tacla Duran afirmou à CPMI da JBS e em videoconferência com advogados de Lula a ocorrência de adulteração em documentos relacionados à Odebrecht.
Perícia contratada pela defesa de Lula também constatou que documentos anteriormente juntados por Marcelo Odebrecht e que estão sendo usados pelo Ministério Público Federal contêm elementos que permitem afirmar que não são inidôneos. O assunto é discutido em incidente de falsidade ainda pendente de julgamento.
De acordo com a lei os novos documentos deverão ser retirados do processo. Se isso não ocorrer, a defesa de Lula irá questionar a idoneidade do material, além de pedir a reabertura da fase de instrução, para que todas as testemunhas sejam novamente ouvidas.
Além dos vícios que poderão anular o processo, os documentos juntados hoje por Marcelo Odebrecht em nada mudam a realidade de que Lula jamais solicitou ou recebeu a propriedade ou a posse de qualquer imóvel para o Instituto Lula. Tampouco demonstram que qualquer recurso ilícito tenha sido direcionado a Lula.
A iniciativa é mais um factoide que tem por objetivo mascarar que nenhuma prova foi produzida contra Lula após a coleta de inúmeros depoimentos e diversas diligências”.
Com informações do UOL Notícias