O impacto do envelhecimento da população brasileira na Previdência — um dos principais motivos para a reforma em discussão — já chegou. E apareceu bem antes de 2060, horizonte mirado pelo governo ao defender mudanças nas regras da aposentadoria, quando um terço dos brasileiros serão idosos. Estudo inédito do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que a participação de aposentados e pensionistas na população total cresceu 72,1% em 23 anos. Em 1992, havia um beneficiário para cada 12 brasileiros. Já em 2015, a proporção era de um aposentado ou pensionista para cada sete brasileiros. Nesse período, a fatia dos inativos que recebem algum tipo de benefício passou de 8,2% para 14,2%, de acordo com dados da Pesquisa por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE.
Esse avanço ocorreu em todas as regiões do país, com destaque para Sul e Sudeste, e em todos os estados, aponta o estudo. No caso do Rio, por exemplo, a participação de aposentados e pensionistas na população subiu de 11,6% para 16,1% no período. Isso significa que, em 1992, existia um aposentado ou pensionista para cada grupo de oito pessoas. Em 2015, a relação caiu para um a cada seis. O Rio aparece no terceiro lugar entre os estados com maior número de pessoas recebendo algum tipo de benefício, atrás do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Minas Gerais está em quarto lugar.
Com o processo rápido de envelhecimento e o aumento da expectativa de sobrevida dos brasileiros, o estudo mostra também que a participação de pessoas com idade mais avançada (com 80 anos e 90 anos) entre os beneficiários está crescendo. A fatia dos idosos com mais de 80 anos de idade passou de 10,5% para 13% entre 1992 e 2015. A idade média dos aposentados subiu de 65,6 anos para 67,9 anos, no período.
Os dados apontados no estudo, realizado pelos pesquisadores Rogério Nagamine e Graziela Ansiliero, reforçam a urgência da reforma da Previdência. Além de assegurar a sustentabilidade do sistema a médio e longo prazos, o ajuste nas regras precisa ser feito para tornar o sistema previdenciário mais justo, o que requer fixação de idade mínima para acabar com as aposentadorias precoces — entre 46 anos e 54 anos (mulheres) e 51 e 59 anos (homens). Esses benefícios concedidos mais cedo pioram a desigualdade de renda, na avaliação dos autores.
De acordo com a pesquisa, 79% da renda das aposentadorias precoces são apropriadas pelos 30% mais ricos da população brasileira. Esse percentual cai para 63,2%, quando se considera os aposentados com 70 anos ou mais. Um corte por gênero e raça revela também que homens brancos se aposentam mais cedo.
Os trabalhadores de maior renda e mais qualificados, além de se aposentarem mais cedo e com benefícios mais elevados, tendem a viver mais. O sistema é insustentável e socialmente injusto — destaca Nagamine.
Isso acontece porque hoje não há idade mínima para aposentadoria no regime geral (INSS), bastando completar 35 anos de contribuição (homem) e 30 anos (mulher) — requisitos geralmente atendidos por trabalhadores mais bem colocados no mercado de trabalho. Os demais trabalhadores costumam se aposentar por idade aos 65 anos (homem) e 60 anos (mulher), com o benefício de um salário mínimo. No caso do regime dos servidores públicos, há uma idade mínima que é de 60 anos (homem) e 55 anos (mulher). Uma maioria que entrou até 2003 não foi atingida pelas reformas anteriores e pode se aposentar com benefício integral (último salário da carreira), antes das idades mínimas.
O texto final da reforma, previsto para ser votado na próxima semana pela Câmara, fixa idade mínima de 65 anos (homem) e 62 anos (mulher). Mas haverá uma regra de transição que vai durar 20 anos para quem está no mercado de trabalho: no INSS, a idade começa com 55 anos (homem) e 53 anos (mulher), a partir de 2020, e vai subindo gradativamente. No serviço público, a idade mínima atual também subirá até ser igualada ao do setor privado.
O autor do estudo do Ipea alerta que, se nada for feito, a geração futura pagará a conta do processo natural de envelhecimento e aumento da participação dos aposentados na população. A despesa do regime geral (INSS) estava no patamar de 3% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país ao longo de um ano) no começo da década de 1990 e chegou a 8% do PIB em 2016.
O estudo mostra ainda que o regime de aposentadoria dos servidores públicos, considerando também os militares, tem uma “evidente regressividade”, ou seja, concentra renda no país. Os militares foram deixados de fora da reforma do governo. A campanha publicitária do governo foca no fim dos privilégios no setor público — o que significa aposentadoria limitada ao teto do INSS (em R$ 5.531) para todos os brasileiros. Se aprovada, a proposta valerá também para servidores dos estados e dos municípios, se os governos regionais não aprovarem regras próprias num prazo de seis meses.
Entre as conclusões do estudo, os pesquisadores apontam que o papel da previdência pública deveria ser o de garantir renda para quem perdeu a capacidade laboral. No entanto, o regime permite que as pessoas se aposentem ainda jovens e continuem trabalhando, acumulando rendimentos, sobretudo os que estão melhor posicionados na pirâmide social.
Com informação do O Globo