38% da água potável é desperdiçada nos sistemas de distribuição do Brasil em 2016. É o que aponta o Instituto Trata Brasil. A quantidade equivale a 7 mil piscinas olímpicas cheias a cada dia. As perdas financeiras chegam a mais de R$ 10 bilhões. O desperdício é causado por vazamentos nas tubulações, erros de leitura de hidrômetros, roubos e fraudes.

Os dados são do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2016, os mais recentes, divulgados pelo governo neste ano. O estudo ainda aponta que o índice de perdas na distribuição de água no país em 2016 é o maior em 5 anos. Entre 2012 e 2015, o percentual variou pouco, de 36,7% para 37%, apontando uma estabilidade. Em 2016, porém, a tendência foi de alta, chegando a 38,1%.

Segundo Édison Carlos, presidente do instituto, alguns fatores podem ter colaborado para a alta do desperdício, como a crise hídrica de São Paulo. Ele explica que água potável é distribuída através de um sistema pressurizado. Essa pressão normalmente é regulada ao longo do dia a depender do consumo das casas – quanto maior o consumo, maior a pressão. Durante a crise, porém, as redes de distribuição trabalharam mais vazias, o que fragiliza o sistema.

Em 2016, quando houve retomada de um volume maior de água em São Paulo e a pressão aumentou, apareceram novos vazamentos antes não identificados, ocasionando mais perda. “É um fator esperado”, afirma Carlos.

Apesar de ser um grande centro urbano, porém, São Paulo e sua crise não podem ser totalmente responsabilizadas pelo aumento de desperdício em nível nacional. Carlos aponta, por exemplo, que cidades que não passaram por crise não melhoraram seus índices, e que a maior parte das grandes cidades perde entre 30% e 45%, indicadores muito altos para municípios que têm mais tecnologia e mais recursos que as pequenas cidades.

“Nós não esperávamos que tivesse aumentado o desperdício no país inteiro. Tem fatores isolados, como a redução do consumo nos anos anteriores e fatores climáticos, mas tem também uma falta crônica de investimento. É uma perda histórica”, diz Édison Carlos, do Trata Brasil.

De acordo com ele, o indicador de desperdício é pouco olhado pela sociedade e pelas próprias empresas, o que é um erro, já que as perdas só tendem a piorar. “As redes vão se deteriorando, novos vazamentos vão aparecendo, bem como novos furtos d’água”, diz.

Além disso, as perdas trazem consequências tanto para o próprio sistema de produção, quanto para o meio ambiente, já que um elevado nível de desperdício equivale a uma necessidade de captação e produção superiores ao volume efetivamente demandado pela sociedade.

Segundo o estudo, as perdas geram ineficiências no seguintes âmbitos:

  • Maior custo de insumos químicos e de energia elétrica para bombeamento;
  • Maior manutenção da rede e de equipamentos;
  • Desnecessário uso da capacidade de produção e distribuição;
  • Desnecessária pressão sobre as fontes de água para abastecimento.

“A perda é a água que não precisaria ser retirada da natureza. Poderia também usar essa água para agricultura, comércio e outros setores, mas tem que usar para abastecimento humano para compensar a ineficiência da distribuição”, diz Édison Carlos.

Há ainda os impactos diretos na receita das empresas, já que a perda envolve água tratada, mas não faturada. O estudo aponta que o Brasil perdeu R$ 10,6 bilhões em 2016 por conta do desperdício, o que corresponde a 92% de todo o valor investido pelo setor de saneamento básico no mesmo ano no país (R$ 11,5 bilhões).

O cálculo é feito da seguinte forma:

Perdas comerciais: o valor perdido é calculado multiplicando o volume de água não faturada pela tarifa média de água. Significa o quanto de recursos poderia ter sido faturado se todos pagassem pela água furtada ou não medida.

Perdas físicas: os valores são calculados multiplicando os volumes de água perdida nos vazamentos e de água utilizada e não faturada pelo custo marginal da produção de água (custos dispendidos com produtos químicos, energia e serviços de terceiros).

Esses cálculos apresentam características diferentes em nível nacional. Segundo Édison Carlos, por exemplo, a maior parte dos prejuízos de São Paulo vem de vazamentos nas redes de distribuição. Já no Rio de Janeiro, as fraudes e os roubos de água têm peso maior.

Comparação internacional

A forte presença de fraudes é um dos fatores que diferenciam o Brasil de países com baixos índices de perda de água e de faturamento, aponta Carlos. Mas o forte investimento nas redes feito de forma programada e contínua é ainda mais importante. A média das perdas de faturamento no Brasil em 2016 foi de 38,5%, ou seja, 23 pontos percentuais acima da média de países desenvolvidos, que é de 15%.

“Logicamente que estes países desenvolvidos têm pouca fraude. Têm perda comercial baixa porque investem em hidrômetros mais novos com leituras melhores que facilitam a identificação de roubos. Então a perda é mais vazamento, o que é resolvido com trocas de rede. É uma sequência de anos de investimento em melhoria do sistema”, diz Carlos.

Cenários futuros

Para atingir patamar semelhante aos dos melhores países, como os Estados Unidos (12,8% de perda de faturamento), o Brasil precisaria passar por uma mudança nas políticas públicas, aponta Carlos.

Em um cenário otimista apontado pelo estudo, o país chegaria a 15% em 2033, com uma redução de 61% nas perdas. O ganho bruto total seria de R$ 75,2 bilhões.

Já em um cenário neutro, a redução seria de 48%, chegando a 20% em 2033, com ganho de R$ 59,2 bilhões. Em um cenário conservador, a redução de 35% diminuiria as perdas para 25%, com ganho de R$ 43,2 bilhões.

“O último ano foi um balde de água fria, subindo para mais de 38%. Se continuar como as coisas estão indo, o único cenário possível seria o conservador. E isso sendo otimista”, diz Édison Carlos.

Com informações G1