As coisas poderiam caminhar bem para o tucano Geraldo Alckmin, pois seu processo na Lava Jato estacionou no STJ, Lula tornou-se inelegível, Jair Bolsonaro parou de subir no Datafolha e abriu-se na sucessão de 2018 uma avenida para a passagem de uma candidatura presidencial de centro. Mas o PSDB parece ter mergulhado num processo de autodestruição. Além do fantasma da candidatura de Luciano Huck, ressuscitado por Fernando Henrique Cardoso, Alckmin toureia nos porões do partido as ambições políticas do seu próprio pupilo, João Doria.
Quanto a FHC, não há muito o que Alckmin possa fazer. Impossível controlar um ex-presidente da República cultuado como presidente de honra do ninho. Resta ao candidato digerir as juras de fidelidade do correligionário. Juras que foram renovadas por FHC num telefonema que disparou para o Palácio dos Bandeirantes nesta quinta-feira, pouco antes do horário em que receberia Huck para o jantar. A disposição é outra em relação a Doria. Operadores de Alckmin aconselham-no a desligar o prefeito de São Paulo da tomada.
Há dois dias, Doria irritou Alckmin ao tentar uma manobra na reunião da Executiva Nacional do PSDB, em Brasília. Discutia-se a regulamentação das prévias presidenciais do partido, nas quais Alckmin medirá forças com o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio. Agendou-se a eleição interna para a escolha do presidenciável da legenda para 4 de março (a data já passou para o dia 11 e ainda pode ser empurrada para 18 de março). Doria queria estender o calendário federal à prévia estadual, que definirá o nome do candidato do PSDB ao governo de São Paulo. Alckmin e sua infantaria levaram os pés à porta.
Deve-se o interesse de Doria a uma necessidade funcional. Para disputar um novo cargo público, ele terá de deixar a prefeitura paulistana até o dia 7 de abril. E seria mais confortável se pudesse renunciar ao cargo de prefeito depois de ter obtido a vaga de candidato do PSDB ao governo estadual. O problema é que Alckmin flerta com a ideia de uma candidatura única do seu grupo político em São Paulo. Nessa hipótese, a chapa seria encabeçada pelo vice-governador Márcio França, do PSB. O PSDB indicaria o vice e um candidato ao Senado.
França assumirá o governo paulista em abril. E costura sua própria candidatura à reeleição. Um eventual acerto com o PSDB em São Paulo ofereceria a França matéria prima para tentar convencer o seu PSB a apoiar o projeto federal de Alckmin, cedendo-lhe o tempo de propaganda eleitoral no rádio e na TV. Escorando-se numa banda do tucanato que não abre mão de disputar o governo, Doria rema em sentido contrário.
Vencido na Executiva Nacional, o prefeito corre contra o relógio para marcar as prévias de São Paulo. A decisão seria tomada na próxima terça-feira (13), numa reunião da Executiva estadual. Por conta do Carnaval, o encontro foi adiado para 26 de fevereiro. Se depender de Alckmin, as prévias serão marcadas para alguma data entre o final de abril e o início de maio. Desse modo, se quisesse entrar no jogo, Doria teria de trocar o certo (o cargo de prefeito) pelo duvidoso (a candidatura a governador).
Ironicamente, Doria deve justamente a Márcio França parte do seu êxito na eleição em que conquistou a prefeitura da cidade mais rica do país. Foi o vice de Alckmin quem capitaneou a costura da aliança partidária que forneceu a Doria uma vitrine eletrônica ampla na disputa municipal de 2016. Comunicador eficaz, Doria prevaleceu no primeiro turno da eleição. Agora, França move a cintura política em benefício de sua própria candidatura, encurtando a margem de manobra de Doria.
Com informação do UOL