A corrida ao Planalto começou, mas os pré-candidatos evitam tocar em um assunto espinhoso que não poderá ser ignorado na campanha: a regra de reajuste do salário-mínimo. A norma atual, em vigor desde 2007, expira em 2019. Portanto, o próximo presidente precisará deixar claro se manterá ou não a metodologia existente logo no primeiro ano de mandato. Essa fórmula é criticada pelos defensores do equilíbrio fiscal, porque ajudou a piorar as contas públicas, apesar de o piso salarial ainda ser muito baixo se comparado com outros países.
Criado em 1940, durante a ditadura Vargas, o mínimo é uma das maiores conquistas do trabalhador. Desde 2007, a regra de reajuste desse piso utiliza uma fórmula que considera a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de um ano antes mais a taxa de evolução do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. O INPC costuma ficar abaixo da inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), entretanto, como a conta inclui a variação do PIB, quando ele cresce, há aumento real do mínimo.
Hoje, o piso é de R$ 954 e, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 47,5 milhões de brasileiros acima de 10 anos sobrevivem com o salário. Esse piso teve alta expressiva desde o início da nova regra e hoje é 151% superior aos R$ 380, de 2007. A variação está acima da alta acumulada da inflação entre janeiro daquele ano e maio de 2018, de 90,5%, o que confirma o ganho real.
Um levantamento feito pela Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra que, entre 2000 e 2016, o mínimo brasileiro está entre os poucos que tiveram valorização acima de 100%, mas continua entre os mais baixos em valores em dólar. Enquanto o mínimo nacional registrou variação de 108,6% em 16 anos, para US$ 4,7 mil por ano, essa taxa ficou atrás das da Rússia (791,1%), da Letônia (280,9%) da Estônia (186%), da Hungria (125,3%) e da Coreia do Sul (117,7%). Pelos cálculos do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), apesar desse crescimento, o valor do mínimo necessário para suprir as necessidades do trabalhador deveria ser de R$ 3.747,10, ou seja, 3,9 vezes maior, com base nos dados de maio.
A metodologia de reajuste é criticada por especialistas em contas públicas porque contribuiu para o forte crescimento do rombo da Previdência, pois mais de 65% dos benefícios pagos pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e pelos programas assistenciais, como Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) e também o abono salarial são indexados ao mínimo. Portanto, se o mínimo tem aumento, essas despesas também crescem acima da inflação, algo que não ocorre com as receitas há muito tempo. Pelas contas do economista Raul Velloso, cada real a mais no salário-mínimo implica R$ 400 milhões a mais nas despesas da Previdência.

Tema impopular

“Pela Constituição, o salário-mínimo tem de acompanhar a inflação para que o trabalhador não perca o poder de compra. O novo presidente terá de decidir se manterá a regra atual ou deixa apenas o que a Constituição determina”, diz Velloso. Para ele, os candidatos evitam tocar no assunto porque mudar a regra é um assunto impopular, apesar de inevitável. “Mas não existe razão para um governo que não consegue equilibrar as contas continuar concedendo aumentos acima da inflação.”
A economista Vilma da Conceição Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), não tem dúvidas de que a manutenção da regra atual vai comprometer as contas públicas. “Quando o governo dá o reajuste real do salário mínimo, aumenta as despesas acima da inflação, porque existe vinculação desse mínimo com os gastos com benefícios sociais. Isso impacta nas despesas do governo, apesar de elevar a receita previdenciária. Mas o problema é a indexação, de forma geral, afeta mais negativamente a economia como um todo.” Na avaliação de Vilma, desvincular os benefícios sociais ao mínimo seria uma saída, pois quem recebe aposentadoria não contribui para a produtividade do país.
Para Thaís Zara, economista-chefe da Rosenberg Associados, o ideal seria que o reajuste do mínimo fosse negociado ano a ano,  não como a regra atual que o Congresso aprova para valer de quatro em quatro anos. “Mudar a regra é uma medida impopular e os candidatos vão evitar mexer com isso agora, mas o assunto virá à tona, porque a indexação está criando um problema para a própria Previdência.”
Claro que a regra do mínimo não é o único vilão do rombo da Previdência. Além disso, o lado de o fato de castas privilegiadas de servidores, políticos e militares terem aposentadorias integrais por períodos que superam o tempo de contribuição é uma das maiores contradições. Basta olhar para a evolução do rombo das contas do regime geral da Previdência. Em 2007, o deficit somava R$ 32,3 bilhões e, no ano passado, chegou a R$ 182,4 bilhões, um salto de 464,7%. A tendência de crescimento é constante porque, assim como as despesas com salários do funcionalismo, outro problema fiscal que precisará ser atacado, os gastos com a Previdência têm crescido acima da inflação.
O economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, ressalta que, pela evolução das receitas e das despesas do governo central, em 2019, será muito difícil cumprir o teto dos gastos, que é uma emenda constitucional. “Caso o teto seja descumprido, serão acionados os gatilhos previstos na emenda. Basicamente, qualquer ação que implique aumento real de despesa ficará bloqueada. Isso colocará em xeque a política do salário-mínimo para 2020.”
O economista-chefe da Spinelli, André Perfeito, reconhece que o mínimo brasileiro, apesar de ter registrado valorização expressiva nos últimos anos ainda está bem abaixo da média mundial. “Discutir uma nova regra para o reajuste do mínimo gera constrangimento entre os candidatos, porque ele é uma das conquistas do imaginário popular. A sociedade é populista e ninguém quer brigar com populista em ano eleitoral.” Para ele, seria importante que todo ano o mínimo fosse negociado, retirando o problema dos gatilhos e regras automáticas que geram a indexação.

Reflexos nas candidaturas

Poucos pré-candidatos se arriscaram comentar sobre mudanças na regra do salário mínimo. João Amoedo (Novo), por exemplo, critica a indexação dos benefícios previdenciários pelo mínimo e defende uma regra mais aperfeiçoada. “É importante que a renda da classe trabalhadora acompanhe o crescimento da produtividade nacional. Mas precisamos aperfeiçoar esse mecanismo. Não faz sentido, por exemplo, utilizar a mesma regra para outros salários mais altos e rendimentos previdenciários. Nossa posição sobre piso salarial seria basear seu cálculo em uma mistura de mínimo com Bolsa Trabalho, um complemento salarial pago pelo governo a trabalhadores com salário formal de renda mais baixa.”
O senador Álvaro Dias (Podemos-PR) também defende uma nova regra de reajuste do mínimo a partir de 2020. “Penso em estabelecer política de salário vinculada à produtividade. Nossa equipe técnica está trabalhando nisso”, afirma. O ex-ministro da Fazenda e pré-candidato do MDB, Henrique Meirelles, tem sinalizado que pretende mudar a regra a atual, porque considera a fórmula “um pouco complicada”, pois trabalha com o PIB, “que é um conceito de produtividade atrapalhado”. “Temos que manter o poder de compra dos trabalhadores”, afirmou ele, durante sabatina da revista IstoÉ. O pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, tem defendido uma valorização maior do mínimo e seu economista, Mauro Benevides, conta que a proposta está sendo elaborada ainda, provavelmente, “ampliando a média”. As assessorias dos pré-candidatos Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede) e Geraldo Alckmin (PSDB) não comentaram o assunto.
Com informação do Correio Braziliense