Os afastamentos por problemas de saúde ligados diretamente ao tipo ou à qualidade do ambiente de trabalho, que podem ir de uma lesão por esforço repetitivo (LER) à depressão, cresceram 25% em dez anos no Brasil, para 181,6 mil casos em 2015. Os números ainda são bem menores do que os acidentes de trabalho, que afetaram 337,7 mil pessoas, 3,9% a mais do que há dez anos. Porém, chamam a atenção pelo crescimento acelerado.

Os dados sobre a saúde do trabalhador brasileiro são do mais recente Anuário do Sistema Público de Emprego e Renda do Dieese, feito a partir da Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho. A pesquisa mostra também que houve uma mudança no perfil de escolaridade de quem mais se afasta por essas enfermidades: em 2005, era mais comum entre quem tinha o ensino fundamental completo ou médio incompleto. Dez anos depois, prevalece entre quem havia concluído o ensino médio ou estava na universidade. Entre esse último grupo, os casos quase dobraram. Passaram de 40,4 mil para 77,7 mil em dez anos.

Além disso, os casos aumentaram mais entre as mulheres. O número de afastamentos por doenças do trabalho entre elas saltou 41% entre 2005 e 2015, enquanto entre os homens cresceu apenas 12% no período.

– As profundas transformações que estão acontecendo no mercado expõem os trabalhadores não só mais aos tradicionais perigos físicos, como trabalho em altura ou manuseio de máquinas, mas há novos riscos emergentes, relacionados às questões ergonômicas e psicossociais, cujas consequências deixam de ser acidentes para se tornarem doenças profissionais que causam, por exemplo, lesões muscoesqueléticas ou transtornos mentais – explica Carmen Bueno, especialista de Saúde e Segurança no Trabalho da Organização Mundial do Trabalho (OIT) para a América Latina e o Caribe.

Os números do Brasil refletem uma realidade global. Segundo estatísticas divulgadas em setembro pela OIT, das quase 2,8 milhões de mortes ocorridas devido ao trabalho anualmente em todo o mundo, 2,4 milhões são decorrentes de doenças relacionadas à atividade profissional, enquanto os acidentes matam 380 mil pessoas. Para a OIT, esse tipo de enfermidade se tornou uma pandemia mundial.

Subnotificação é alta

As estatísticas levantadas pelo Dieese são resultado também de uma maior formalização, já que, no período de dez anos avaliado na pesquisa, foram gerados 20 milhões de empregos com carteira assinada. Nos empregos informais, praticamente não são feitas notificações de doenças ou acidentes de trabalho. Além disso, em 2007, foi implantada uma nova sistemática que facilitou a identificação de doenças e acidentes relacionados à prática de uma determinada atividade profissional pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

– Essa ferramenta trouxe mais informações para a perícia fazer a associação, que antes dependia das informações dadas pelas empresas e talvez não chegassem com tanta facilidade – explica João Silvestre Silva-Junior, diretor de Relações Internacionais da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT) e perito médico do INSS.

A OIT e o Dieese alertam, no entanto, que a realidade é muito pior do que a indicada pelos dados oficiais, devido ao alto índice de subnotificação desse tipo de enfermidade. Enquanto um acidente de trabalho é um fato, as causas das doenças profissionais também podem ser associadas a questões particulares e genéticas, explica Nelson Karam, supervisor do Núcleo de Políticas Públicas do Dieese.

De acordo com a mais recente Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE, para cada acidente de trabalho registrado, há sete não informados, lembra Karam:

– É muito difícil comprovar clinicamente que uma depressão, por exemplo, teve origem no trabalho. Outro problema é que o registro é feito pela própria empresa. Não há um serviço público com isenção para fazer isso.

Danielle Ribeiro, de 28 anos, é gerente de um agência bancária na Zona Sul do Rio. Em 2015, desenvolveu síndrome do pânico e depressão devido a um aumento repentino da carga de trabalho, consequência da transferência dos outros dois gerentes do banco. Com apenas três meses no cargo, o número de correntistas que atendia pulou de 1.500 para todos os 4.500 da agência.

– Abria 40 contas por dia. Entrava mais cedo, perdia a hora do almoço e ficava até tarde na agência. Um dia, voltando para casa, entrei em pânico. Meus braços adormeceram, tinha a sensação de que algo ruim aconteceria. Parecia que ia infartar – conta a jovem.

Como não conseguia mais sair de casa, trancou a faculdade de Ciências Contábeis e ficou quase dois anos afastada do banco. Nem a empresa nem o INSS reconheceram que o problema tinha relação com a rotina de trabalho. É um dos muitos casos que ficam de fora das estatísticas oficiais.

– Ouvi de um perito do INSS que todo bancário sofre pressão psicológica, mas nem por isso tem problemas como eu – conta Danielle, que nunca mais conseguiu retomar os estudos.

Segundo especialistas, recessões como a vivida pelo Brasil nos últimos três anos tendem a aumentar a incidência de doenças do trabalho, mas reduzir as estatísticas.

– Há quem sinta seu emprego ameaçado e comece a trabalhar mais para tentar se manter no cargo e aqueles que passam a acumular mais trabalho para compensar outras demissões. Os profissionais acabam fazendo maior esforço físico e mental – pontua Karam.

Mais gente adoece, mas o temor de perder o emprego inibe os pedidos de afastamento, aumentando as distorções estatísticas, observa Silva-Junior, da ANAMT:

– As pessoas deixam de cuidar da saúde para evitar um desligamento por baixa produtividade. Então, não é de se estranhar que essas estatísticas caiam em momentos de recessão, escondendo uma realidade cruel.

Modernidade aumentou estresse

Luiz Marcelo Góis, advogado trabalhista do escritório BMA, lembra que os casos de estresse associados ao trabalho começaram a surgir na década de 1990, devido ao aumento da velocidade da informação, da popularização da internet e da pressão que se estabeleceu no ambiente corporativo pela obtenção de dados e soluções com maior rapidez. Ele defende que os trabalhadores tenham o direito à desconexão. O que significa melhorar a qualidade de vida no momento do descanso – sem telefonemas ou leitura e envio de e-mails para resolver questões profissionais:

– A modernidade tem prejudicado a sanidade mental das pessoas. Nunca tivemos sobre a atividade intelectual tanta pressão. Sob esse estresse, as pessoas somatizam, e a pressão acaba afetando o ser humano a ponto de causar um dano existencial. Isso ocorre quando o trabalho não deixa a pessoa a viver. A pessoa está tão esgotada que não tem vontade de socializar com os amigos, de ir à igreja ou mesmo ter relações sexuais. É um fenômeno global.

Com informações O Globo