A economia brasileira ainda vai levar um tempo para se recuperar. Se antes da greve dos caminhoneiros, a área econômica brasileira já não apresentava boas perspectivas, agora o cenário de recuperação parece mais distante. Estudo inédito da economista Silvia Matos, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostra que levaremos 16 trimestres, ou quatro anos, para voltar ao mesmo nível de Produto Interno Bruto (PIB) anterior à crise, em 2014.
Será o maior período de recuperação de todas as recessões já vividas pelo país, desde os anos 1980. Contabilizando cinco trimestres desde a retomada do crescimento, no início de 2017, ainda estamos 5,5% abaixo do patamar do PIB de 2014 e levaremos mais 11 trimestres para voltarmos ao ponto inicial da crise. Ou seja, isso só vai acontecer em 2020. Na última recessão longa, entre 1989 e 1992, que durou o mesmo tempo da de 2014 a 2016, a recuperação veio após sete trimestres.
“Mesmo em recessões longas, como a de 1989, o ritmo de crescimento depois foi mais forte. Levar mais três anos para voltar a 2014 será inédito na História brasileira. A previsão é com base no crescimento médio desde o fim da recessão, em torno de 0,5% por trimestre”, explica Silvia.
A economista alerta que tantos anos de recessão e baixo crescimento vão tornando o país menos capaz de produzir expansão econômica, com a mão de obra mais despreparada pelo tempo fora do mercado, e sem investimento, o que também diminuiu nossa capacidade de produção. Pelas contas da economista, o PIB potencial, o teto da nossa expansão sem gerar inflação, é de 1,5%. Já foi de 4%.
Silvio Campos Neto, da Tendências, chegou a resultado semelhante. Calcula que voltaremos ao nível de 2014 no terceiro trimestre de 2020, um trimestre antes do que prevê Silvia. Ele espera uma expansão média de 0,6%. São 26 trimestres entre recessão e recuperação. “O próximo ano vai ditar os rumos. Saberemos quais serão as escolhas e indicações, que tipo de confiança vai gerar para os agentes econômicos”.
O tempo de recuperação pode ser ainda maior do que os quatro anos, se a confiança de empresários e consumidores continuar baixa como mostraram as últimas sondagens. Em maio, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) constatou que o índice de confiança havia caído 5,9% por causa da greve dos caminhoneiros. Em junho, com o impacto do movimento já reduzido, subiu 0,6%, nem de longe recuperando as perdas do mês anterior.
“Não houve aprofundamento do processo. Mas o número parece trazer uma nova dimensão de incerteza relacionada ao resultado das eleições. Não temos ainda um sinal de quais candidatos irão para o segundo turno. E não há clareza nas propostas dos candidatos sobre a questão fiscal e a reforma da Previdência. Temos déficits elevados desde 2014, essa sequência tem que ser interrompida”, afirma Flávio Castelo Branco, gerente-executivo de Política Econômica da CNI.
A sondagem da indústria mostrou um empresário que pretende demitir e não investir nos próximos seis meses. A confiança do consumidor também está em queda livre, no menor patamar desde abril de 2016, o auge da recessão. Não há notícias boas no horizonte, e a situação atual piorou. A esperança de um futuro melhor se diluiu. Em todas as sondagens conduzidas pela FGV houve queda na confiança. Isso se passou na construção, no comércio e no consumo.
Os indicadores econômicos já divulgados mostram quedas muito intensas, acima do esperado diante da paralisação dos transportes por dez dias. Com as sucessivas revisões nas projeções para o PIB, o ano já foi embora, com bancos e consultorias prevendo na média 1,5% de expansão. “Isso vai contaminando as expectativas no vigor da recuperação, com pouca intenção de investir”, diz Branco.
Aloísio Campelo Jr., superintendente de Estatísticas Públicas da FGV, diz que a greve de caminhoneiros quebrou um ciclo de melhora na confiança, que vinha apresentando resultados melhores desde o início do ano. “Após a greve, começou a melhorar lentamente”, avalia o economista.
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, aponta os obstáculos que surgiram no caminho enquanto o país ensaiava uma recuperação. “As gravações da conversa entre o presidente Temer e Joesley Batista (em maio de 2016), aumento de protecionismo, trazendo riscos inimagináveis até dois anos atrás para a economia mundial. Teve a greve e, agora, a incerteza das eleições. Estão jogando muito contra a gente”.
Mercado de trabalho ruim trava recuperação
Silvia observa que essa crise veio logo depois de um período de forte crescimento do crédito. Com o recuo na economia, empresas, consumidores e governo tiveram que pagar as dívidas antes de voltar a consumir. O déficit fiscal previsto de R$ 139 bilhões este ano também tira do governo instrumentos para estimular a economia. E nem mesmo a queda nos juros para o menor patamar histórico está ajudando a recuperar mais rapidamente a atividade.
“O próximo presidente vai precisar fazer um ajuste fiscal, senão a lei do teto de gastos (despesas só podem crescer conforme a inflação do ano anterior) não será cumprida em 2019. Fico me perguntando quem quer ser presidente desse país mesmo com essa situação”.
No mercado de trabalho, o efeito dessa paralisia aparece com força. Estudo recente do Dieese mostra que os cinco milhões de trabalhadores por conta própria que entraram no mercado nos últimos dois anos ganham 33% menos que os que já estavam atuando e somente 10% contribuem para Previdência Social. Entre os autônomos já estabelecidos, esse índice é quase o dobro: 19%.
O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) também decepcionou. Após cinco meses de alta, o emprego formal parou de crescer. Continuamos com 13,2 milhões de desempregados, há 4,6 milhões de trabalhadores que desistiram de encontrar uma vaga e mais 6,2 milhões trabalhando menos horas do que gostaria, o que fez a massa salarial, que é o potencial de consumo dos trabalhadores, cair.
“Em ano de eleição, esse clima é meio atípico. Mostra bem a gravidade da situação. Mas já começamos a ver algum esforço visando às eleições. O Bolsa Família foi reajustado, recurso que vai direto para o consumo. Cada R$ 1 dado a mais para essas famílias faz o PIB crescer R$ 1,78. Mas a desigualdade cresceu muito na recessão, o que atrasa a retomada, principalmente sem espaço fiscal”, afirma Marcelo Neri, diretor da FGV Social.
Com informações do Jornal O Globo