A cena correu o mundo. Enquanto uma mulher sobe o parapeito da janela, em um apartamento, um bombeiro vai se posicionando, na janela imediatamente superior. Ela então se senta e começa a olhar para o abismo. É quando o militar desce, com a ajuda de um cabo, e usa os dois pés para empurrar a suicida para dentro do cômodo, sob gritos de alegria da multidão que assistia, apreensiva, ao desdobramento das ações.

A manobra executada pelo Sargento Daniel, com a ajuda do Subtenente Claudino e do Sargento Carneiro, sob o comando do Major Osvaldo, é um exemplo das estratégias empregadas cotidianamente pelos bombeiros do Núcleo de Busca e Salvamento (NBS) para cumprir um vasto leque de missões. Criado há 17 anos, o NBS funciona hoje como o maior braço operacional do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE) fora da área de combate a incêndio.

“A Constituição do Estado do Ceará, no artigo 190, estabelece as incumbências do Corpo de Bombeiros, no âmbito estadual. Além da coordenação da defesa civil, ela determina outros sete grandes grupos de atividades que cabem aos bombeiros militares. Toda a parte de proteção, busca e salvamento, terrestre e aquático, é de nossa responsabilidade e se concentra no NBS”, explica o Coordenador Operacional do CBMCE, Coronel William Lopes.

Todos os dias, pela manhã, três guarnições diferentes, compostas por quatro ou cinco servidores, cada, assumem o serviço para um plantão de 24 horas. Esse rito de passagem ocorre na própria sede do NBS, à Avenida Presidente Castelo Branco. As guarnições têm viatura própria e diferentes áreas de atuação. “Por muitos anos, tínhamos no NBS apenas o Salv 1. Com o tempo, o Salv 2, que era do Mucuripe, passou a ser também nossa responsabilidade. E, de uns dois anos pra cá, o Salv 5, do Conjunto Ceará, passou para a nossa tutela. Todos exercendo as mesmas funções de salvamento, busca e resgate, mas espalhados geograficamente: Salv 1 no NBS, o Salv 2 no Cambeba e o Salv 5 no Conjunto Ceará, de forma a garantir mais rapidez na resposta ao chamado”, esclarece o Tenente-Coronel Holdayne, Comandante do NBS.

Assumidos os postos, é hora de verificar as condições das viaturas e dos equipamentos de trabalho. Na chamada “conferência de material”, tudo é verificado e testado, de forma que todas as guarnições fiquem cientes das condições de uso dos instrumentos disponíveis para o trabalho. Finda essa etapa, o ritmo do serviço é absolutamente imprevisível. A comodidade dos alojamentos pode servir de guarida para os bombeiros até a manhã do dia seguinte, caso nenhum chamado da Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (CIOPS) da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) acione as guarnições. Mas um dia sem ocorrências é antes exceção do que regra. “Nós atendemos a solicitações de condução de paciente psiquiátrico, resgate de cadáver, resgate de pessoas perdidas, corte de árvores em perigo de queda iminente, resgate de animais, perigo de ataque de insetos… É tanta coisa que se torna bem difícil passar 24 horas sem sermos acionados!”, garante o 1o Tenente Cidreira, um dos oficiais que assumem regularmente o comando do Salv 2.

Ocorrências marcantes

Um dos tipos de trabalho mais delicados para as guarnições de salvamento é o que ilustra o início da reportagem: o resgate de suicidas. O Major Edir, comandante adjunto do NBS, esteve por mais de uma década à frente do Salv 1 e relata um caso emblemático.

“Estávamos na avenida Treze de Maio, retornando de mais uma ocorrência, quando fomos chamados para uma tentativa de suicídio em um dos viadutos da BR-116. Descemos da viatura e um policial antigo da PRF aproximou-se. Ele informou que o homem portava uma faca escondida debaixo da perna direita e que estava ali porque a esposa o havia abandonado. Tomei a frente da ocorrência e comecei a dialogar. Antes de iniciar minha conversa, enviei um soldado para o lado oposto de onde me encontrava para ficar a postos. Depois de alguns minutos de conversa, o suicida se mostrava irredutível em se entregar. De repente, ele pediu um cigarro. Ninguém ao redor fumava. Após muitos minutos de tensão, consegui um maço de cigarro e uma caixa de fósforos com um transeunte. Corri para entregar o material. Ele pediu que parasse e jogasse de longe o maço com a caixa de fósforos. Joguei e, enquanto procurava achar uma saída para capturá-lo, vi-o abaixar-se sobre o maço. Foi quando o bombeiro que estava do outro lado disparou em uma corrida extraordinariamente veloz. Ele se jogou em cima da vítima e puxou o rapaz para o lado da pista. Eu me joguei por cima dos dois e gritei para que pegassem a faca. Em seguida, vários outros profissionais se lançaram sobre nós, formando um aglomerado humano que impedia qualquer reação violenta. Imobilizamos o suicida dentro da ambulância, que seguiu para o hospital. Infelizmente, esse salvamento não foi filmado; pois acredito, sem exagero, que teria repercussão internacional”, lembra Major Edir.

Ainda que a proteção da vida seja o propósito maior da missão bombeirística, muitas vezes, tudo o que é possível fazer é garantir às famílias a possibilidade de enterrar dignamente os que partiram. O soldado Araújo faz parte da última turma de soldados e precisou enfrentar a situação quando participou de uma das maiores operações de salvamento do CBM nos últimos anos.

“Eu nem estava de serviço quando vi pela internet a queda da ponte que estava sendo construída ao lado do viaduto no cruzamento das avenidas Raul Barbosa e Murilo Borges. Pelo tamanho da tragédia, decidi me voluntariar para ajudar. Com as devidas autorizações, me apresentei pronto para a operação o mais rápido que pude. À primeira vista, parecia uma coisa impossível de se trabalhar. Era uma estrutura enorme que havia desabado em cima de dois operários. Além da estrutura caída, havia outra, meio que amarrada a ela, que estava apenas inclinada, mas permanecia de pé. Devido ao risco, não tínhamos autorização para entrar. Os engenheiros da empresa responsável decidiram trazer equipamentos especiais para impedir a queda do restante da estrutura. Por algumas horas, fomos só tirando ferro e cimento para facilitar o acesso dos equipamentos que tinham sido solicitados. Até que foram feitas algumas escoras na estrutura e finalmente recebemos autorização para trabalhar. Pegamos os desencarceradores e descemos divididos em duas equipes, uma para retirar as vítimas, outra para dar apoio. Foi muito difícil por conta do tamanho da estrutura caída e da quantidade de material sobre os corpos. Mas a retirada do primeiro nos deu confiança de que seria possível retirar o outro, mesmo que fosse bem mais desafiador. Ele estava submerso, na água escura do mangue. Como era noite, tivemos que tatear para deduzir quais pedaços de ferragens seria necessário cortar para fazer o desencarceramento. Mas, ao final, conseguimos. Naquele momento, eu senti o que era ser bombeiro de verdade. Foi uma das experiências operacionais mais enriquecedoras que eu já tive e, imagino, que eu ainda venha a ter na Corporação”, conta o soldado Araújo.

Busca e resgate

E quando não se sabe onde a pessoa foi parar, depois de um mergulho no açude ou de uma trilha na serra? Nessas horas também, são os bombeiros que têm a missão de busca e resgate. Nesses casos, porém, quem entra em cena são equipes em prontidão permanente, não necessariamente de serviço em um quartel.

Quando a busca é em terra, cabe à Seção de Busca, Resgate e Salvamento com Cães (SBRESC), um braço especializado do NBS com sede no Quartel dos Bombeiros do José Walter, entrar em ação. Com a ajuda de cães treinados, eles podem ser chamados a qualquer momento para atuar dentro das fronteiras do Ceará. “Hoje nosso efetivo é composto por um major comandante, um tenente no subcomando e dez praças. Normalmente as equipes de prontidão têm quatro ou cinco homens. Nas ocorrências, sempre vão pelo menos dois cães e montamos duas duplas. Um cão, um condutor e um auxiliar. Fazemos análise da área, utilizamos o GPS e o Google Earth para geomapeamento e traçamos a estratégia de varredura em busca da vitima”, esclarece o 1o Ten Thiago, comandante adjunto da SBRESC. Para calibrar o faro dos cães, objetos pessoais da pessoa desaparecida são oferecidos aos animais. Apesar de, em regra, as vítimas não estarem a mais do que dois quilômetros da última pista encontrada, as buscas podem durar dias, tendo frequência bastante diversificada. “São duas equipes. A cada semana, uma está de sobreaviso. Em média, temos duas ocorrências por mês. Há meses sem nenhum chamado, há meses com duas buscas por semana, emendadas. É um trabalho muito gratificante”, sintetiza.

Já se a busca é nas águas, sejam doces, sejam salgadas, o encargo fica por conta dos mergulhadores. São bombeiros que concluíram com êxito o Curso de Mergulho Autônomo, o CMAut, conhecido como um dos cursos mais difíceis promovidos pelos Corpos de Bombeiros do Brasil. Atualmente, 17 praças que têm o CMAut se revezam na escala de prontidão. As equipes são de três ou quatro mergulhadores, que assumem na terça-feira, quando vão para o NBS testar o material e fazer alguma manutenção que se mostre necessária. Depois disso, ficam de sobreaviso até a segunda-feira seguinte. “Agora nessa época de chuvas, os açudes voltam a ter água e nós somos muito mais acionados. Uma vez chamados, chegamos o mais rápido possível ao quartel para, de lá, seguir viagem rumo ao local da ocorrência. As buscas começam assim que o dia fica claro. Nós fazemos uma espécie de mapeamento quadriculado da área e fica um mergulhador embaixo sendo guiado, por meio de um cabo, por um mergulhador que fica em cima, sendo os “olhos” do outro, já que quase todas as águas onde nós atuamos são turvas. Contamos sempre com a ajuda da população, que costuma dar pistas sobre onde a pessoa foi vista pela última vez dentro da água. Mas já chegamos a passar 10 dias numa busca no açude Caririaçu, no Cariri”, relata o soldado Lima Verde, um dos mergulhadores do CBMCE.

No ar, na terra ou no mar

E por falar de busca e resgate nas águas, todos os dias, um braço avançado do NBS projeta a segurança do aparato de salvamento do Estado para as águas mais movimentadas de Fortaleza. Da Seção de Salvamento Marítimo – a SSMar – 15 bombeiros guarda-vidas se distribuem por cinco postos ao longo da Praia do Futuro, de segunda a sexta. No final de semana, mais sete militares incrementam o tamanho da guarnição cotidiana, para garantir o pleno funcionamento de oito postos de guarda-vidas. Munidos de nadadeiras, flutuadores e pranchões, eles ficam de 9 às 17 horas de prontidão. Paralelamente, de quinta a domingo, dois militares reforçam um projeto de prevenção aquática mantido pela Prefeitura de Fortaleza na Beira-Mar chamado Praia Acessível. À noite, mudam as guarnições e o foco de ação, mas o trabalho continua. “Às 18 horas, um bote é ativado para atuar na Beira-Mar até as 23 horas. Vão dois guarda-vidas e dois policiais militares pra fazer o patrulhamento por lá. É uma missão mais de polícia, mas nós entramos como apoio. Em ocorrências de assalto na Beira-Mar, é muito comum os criminosos entrarem no mar para fugir da polícia. É onde entramos, com o bote, para localizar os fugitivos e ajudar a capturá-los”, explica o 1o Ten Teixeira, coordenador de instrução da SSMar.

Homenagem

Desde janeiro de 2006, o NBS é chamado de Núcleo de Busca e Salvamento Major QOBM Rosana Buson Pompeu de Sousa Brasil, em homenagem à primeira militar estadual do Brasil a concluir o curso de piloto de aeronave (helicóptero). Poucos dias depois, no final de 2005, a Major Buson fora vítima de um acidente fatal, quando se encontrava de serviço no helicóptero da Coordenadoria Integrada de Operações Aéreas (Ciops) da SSPDS na condição de tripulante.

Fonte: SSPDS