ENTREVISTA COM A SECRETARIA SOCORRO FRANCA E PROCESSO DE TORNOZELAMENTO

“Liberdade é uma coisa muito valiosa”. Ao pronunciar a afirmação, a ex-detenta Cândida Abreu, de 53 anos, sentiu o sabor de cada palavra. Foi como recordar daquele 20 de janeiro de 2015, quando deixou para trás os dois anos de encarceramento no Presídio Feminino Auri Moura Costa, em Itaitinga, na Região Metropolitana de Fortaleza. Ela também rememora, porém, que não foi naquele dia que sentira por completo as delícias de estar livre. Por onze meses após a soltura, uma tornozeleira eletrônica deixava viva as memórias da prisão. “Uma vez, na parada do ônibus, uma mulher saiu de perto de mim porque ela viu aquilo no meu pé”, emociona-se.

Hoje, empregada como auxiliar de serviços gerais na sede da Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado do Ceará (Sejus), Cândida refaz a própria vida — fragmentada após a morte do marido e de dois dos três filhos. Casos como o dela, de monitoramento via satélite, contribuem para reduzir o excedente carcerário no Estado, conforme aponta a secretária da pasta, Socorro França. Mas a redução vai além. Segundo a titular da Sejus, o custo para manter um tornozelado é de R$ 242, enquanto um preso comum custa aos cofres públicos entre R$ 1.500 e R$ 1.800. A redução pode chegar a 86,5%. “O valor inclui alimentação, vestuário, limpeza e até o próprio salário de quem está tomando conta dele”, explica.

De acordo com boletim que revela as Estatísticas do Sistema Penitenciário Cearense do mês de maio, divulgado pela Sejus neste junho, 1.248 condenados cumprem atualmente prisão domiciliar com o uso do equipamento, o que representa 81,6% dessa população; 235 presos e presas enquadram-se no regime de trabalho externo (15,3%) e 44 homens cumprem medidas inseridas na Lei Maria da Penha (2,8%). Somente dois presos tiveram saídas temporárias no mês (0,3%).

A população carcerária nas unidades prisionais do Estado, incluindo cadeias públicas e complexos hospitalares, somam, por sua vez, 25.611 detentos. Apesar do contraste, Socorro França projeta que o número de tornozelados aumente. “O que importa, todavia, é que estamos realmente monitorando esses detentos. O monitoramento funciona 24 horas por dia, sete dias na semana”, reforça. A secretária enfatiza, contudo, que a sociedade deve enxergar um futuro possível para os que carregam em si a lembrança do cárcere.

“É preciso entender que todos nós somos passíveis de erro. O preconceito (com essa população) é muito forte. O interno que está lá dentro já sabe que, quando chegar aqui fora, talvez não consiga oportunidade. É preciso olhar de outra forma para essas pessoas”, ensina. E vai adiante: “Obviamente vai existir um número de pessoas que vai rescindir, porém grande parte não volta, cumpre a prisão domiciliar e está tentando se recuperar”.

Incentivo à instalação empresarial

A secretária Socorro França ressalta, ainda, que a aprovação da Lei 16.272, assinada pelo governador Camilo Santana em 20 de junho de 2017, vai ampliar as possibilidades para os detentos das unidades do Estado. A Lei aprova a redução de impostos para empresas que se instalarem em regiões que possuam unidades prisionais e/ou casas de privação provisória de liberdade, bem como Centros Socioeducativos. A redução, porém, só será ofertada caso a empresa garanta 10% das vagas de emprego à população do entorno, aos internos, egressos e seus familiares. “Com isso, eu acredito na recuperação dessas pessoas, porque haverá oportunidade”, afirma.

Liberdade

Cândida teve a saúde comprometida com a prisão. A asma foi intensificada pela angústia e pela saudade da única filha viva, que foi impedida de visitá-la por falta de cadastro na unidade. Mas ela encontrou, no cárcere, oportunidade de se reinventar. “Comecei a estudar lá dentro, a trabalhar, a fazer bordado”, sorriu. “Sair foi um alívio muito grande, chega chorei de emoção. Depois da tornozeleira, foi como se eu tivesse solta, mas um solta sabendo que tem que andar na linha”, reconhece.

A liberdade vivida pela auxiliar de serviços gerais será parcialmente provada pelo agora ex-interno João Paulo, de 33 anos. Após 4 anos e 9 meses no Centro de Execução Penal e Integração Social Vasco Damasceno Weyne (Cepis), João retornou para casa na última sexta-feira (23). Voltou com a tornozeleira e com a vontade de rever os sete filhos. A saudade, ele acrescenta, também é do tempero: “Vou correr pra casa, quero comer o baião da minha mãe”.

Com Sejus